Anésia Cauaçu, uma mulher valentona que no início do século 20 lutava capoeira
com destreza, bebia cachaça temperada em pé no balcão das bodegas, fumava
cachimbo de barro, atirava tão bem que conseguia decepar os dedos dos inimigos
numa distância de 100 metros, galopava feito vento e foi a primeira mulher da
Bahia a usar calças compridas para montar em cavalos. Dançava em terreiros de
Candomblé, recebendo Iansã, um orixá guerreiro.
Ela existiu
antes de Maria Bonita, em Jequié, Sertão baiano. Mas com uma diferença: Maria
Bonita entrou no bando e Anésia criou um bando. A história dela é contada pelo
professor Domingos Ailton, da Faculdade Zacarias Góes, da Bahia.
Ele narra à vida de Anésia em livro fundamentado na imprensa da época, em
depoimentos e se vale também da ficção romanceada, o que torna difícil separar
o real do imaginário popular.
A exemplo de
Lampião, Silvino, Sinhô Pereira e os demais cangaceiros, a baiana Anésia
Adelaide de Araújo entrou nessa vida perigosa, estritamente masculina, para
vingar a morte injusta de um parente em 1917. Treze anos antes de Maria Bonita
seguir Lampião. Vindo de uma família de comerciantes e agricultores valentões,
Anésia aprendeu cedo, a tirar e lutar capoeira com punhal. Mesmo com esse
perfil “macho”, essa notável mulher era uma moça bonita e comunicativa, muito
branca, alta, cabelos longos e negros e olhos azuis da cor do céu.
Todos esses
predicados encantaram o mascate namorador Afonso Silva. Eles se conheceram numa
tarde chuvosa durante uma procissão de São José. A simpatia foi recíproca e
pouco tempo depois estavam casados e tiveram uma filha, Lucinha. Afonso gostava
do jeito de sua mulher e apoiava o propósito dela em lutar por justiça e pela
vingança na briga das famílias Mocós e Rabudos, e nunca por dinheiro.
Enquanto isso,
a fama de Anésia crescia de boca em boca e por meio de cordel. Ela passou a
“tomar as dores” dos injustiçados, sobretudo das mulheres indefesas. Dava
surras nos homens, fortes tapas nos rostos, golpes de capoeira que deixava
todos no chão amedrontados. Conseguia atirar para trás, nas perseguições com os
inimigos, inclusive com a polícia. Não perdia uma.
O então
governador da Bahia, Antonio Muniz, preocupado com as ações dos Cauaçus, que
ele classificou de “conflagração sertaneja”, sobretudo com Anésia que liderava
o grupo de cangaceiros formados pelos tios, irmãos e parentes causando estragos
no comércio da região, mandou 240 policiais para combater os Cauaçus. E foi em
vão.
Anésia passou
a ser uma musa do Cangaço e mais valentona que Dadá (mulher de Corisco que
chegou a comandar confrontos com a polícia) e sua fama aumentava a cada dia
junto com a imaginação coletiva. Diziam que na hora do combate, ela se
“invultava” (se desmaterializava) se transformando em um toco ou uma árvore,
através de reza forte e um patuá que ela usava no pescoço. “O povo aumenta, mas
não inventa”, diziam.
Os cauaçus
fizeram lenda na Chapada Diamantina. Anésia permaneceu no Cangaço durante seis
anos e depois foi viver com o marido e a filha sob proteção do fazendeiro
Isaías Galvão que devia favores aos Cauaçus. Mas ele não resistiu à proposta do
coronel Paulo Bispo em oferecer 300 mil réis pelo paradeiro de Anésia. Ela foi
presa e nunca mais se soube notícias dela.
Anésia não
fazia jus ao seu nome de origem grega e que significa repouso. Entretanto,
restou a fama de símbolo de sertaneja valente. Fez história.
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