By Rostand Medeiros
GÜNTER OBAL LUTOU NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL COM APENAS 16 ANOS. APOSENTADO, ENTREGA PRESENTES HÁ MAIS DE UMA DÉCADA EM PORTO ALEGRE.
Günter Obal, de soldado do exército alemão na Segunda Guerra Mundial, a Papai Noel no Rio Grande do Sul. Günter virou Papai Noel ao ser recrutado por agência em Porto Alegre (Foto: Luiza Carneiro/G1)
A figura do bom velhinho cercado de duendes, sorrisos e guloseimas é reinventada ano após ano nas comemorações natalinas. Shoppings e escolas reconstroem novos papais noéis, que agora competem pela atenção de crianças cada vez mais conectadas. Günter Obal, 84 anos, pode ser considerado um destes arquitetos da atenção.
O alemão que lutou na II Guerra Mundial ainda adolescente, carrega há 12 anos, além do saco vermelho, histórias reais e um sotaque forte e autêntico. “Sou o legítimo Papai Noel”, diz com bom humor, acomodado na cadeira preferida da sua casa em Porto Alegre.
Para o aposentado, tornar-se Papai Noel foi mais uma das surpresas da vida. A temporada em um sítio na cidade de São Francisco de Paula, no interior do Rio Grande do Sul, fez com que ele deixasse a barba branca característica crescer.
A Alemanha sobre o domínio Nazista era uma nação extremamente militarizada, até para as crianças. Na foto vemos membros da Juventude Hitlerista fazem exercícios de cabo de guerra.
De volta à Capital, foi descoberto por uma agência de eventos com a proposta de trabalho. A partir dali, sua rotina se transformou completamente, alternando diariamente entre a família e os shoppings de Porto Alegre. “Não apenas as crianças, mas as mães também me pedem muitas coisas. Normalmente imploram para que seu filho comece a dormir na própria cama e, então, tenho que inventar ursinhos mágicos protetores para ajudar”, conta Obal sobre a mística que cerca a figura. “O Papai Noel sabe coisas da cabeça das crianças que outros não sabem, ou não conseguem entender”, completa.
Eficientes canhões antiaéreos alemães de 88 m.m., capturados no Norte da África em 1943.
A delicadeza com as palavras é herança dos trabalhos manuais. O alemão estudou arquitetura de interiores antes da II Guerra Mundial eclodir. Então, foi recrutado junto com 18 colegas da faculdade para lutar contra a Rússia com canhões antiaéreos. “Apenas nove sobreviveram. Perdi toda a minha família entre 1941 e 1943. Meu pai era Oficial da Polícia e foi levado para uma região longe da minha”, lembra. Sobre os combates, Günter sofre com as lembranças. “Fui atingido nas costas e sangrei muito, mas sobrevivi. Vi muitas pessoas morrerem. Lutei em um inverno rigoroso, em 1945, com frio de -25ºC. Muitas crianças ficaram congeladas e tanques de guerra passavam por cima. Não desejo para ninguém”, fala.
Após o combate Obal passou um ano e meio preso: “Fui preso pelos ingleses, mas tive sorte. Alguns amigos acabaram nas mãos dos russos e tiveram que trabalhar em minas de carvão”. Quando a Guerra acabou, ele era um jovem sem estudos e com a cidade natal tomada pelas novas políticas, que incluíam a inserção do polonês como língua oficial. “Cresci na Prússia que acabou se tornando Polônia depois. Então, sem estudos e futuro, fui para a Bavária e peguei gosto pela pintura em porcelana. Foi ali que me transferiram para o Brasil”, retoma.
Recomeço
Abraçado pelo povo brasileiro, Obal reconstruiu a vida e formou família no Sul ao se casar com a também alemã Susi Obal, 77, com quem teve dois filhos. Para os cinco netos, ter um avô Papai Noel sempre foi motivo de orgulho. “Hoje já estão todos crescidos, a mais nova tem nove anos. Mas sempre gostaram de contar para todos os amigos que o Papai Noel do shopping era seu avô”, fala Susi. Embora muitas pessoas brinquem que ela é a Mamãe Noel, a mulher não aprova o apelido. “Ajudo a cuidar da agenda, preparo a roupa, chamo o motorista que também vai vestido de vermelho. Este é um momento só do Günter”, enfatiza.
Ficha de um garoto alemão que servia na artilharia antiaérea durante a guerra. Chama atenção a pouca idade do combatente
Diferente dos Natais frios europeus, no Brasil Günter se adaptou às tradições cristãs. Para cada símbolo atribui significados que aprendeu durante a infância, como o pinheiro, que representa a vida. “Na Alemanha o único sinal de vida no inverno é o pinheiro, que continua verde e intacto. É a partir dele que temos certeza que há prosperidade”, explica. Em casa, entretanto, as festividades têm de ser realizadas antes. Na noite do dia 24, Günter está ocupado entregando presentes. “Comemoramos o Natal no último final de semana, dia 18. Como nossos filhos são homens, gostam de passar também com a família das esposas”, conta Susi.
Günter e a mulher Susi, que não se considera Mamãe Noel: "É um momento só dele" (Foto: Luiza Carneiro/G1)
Embora aposentado dos shoppings, Günter revela que não quer parar com a atividade. Para ele, ser Papai Noel é poder ajudar famílias e crianças. “Já juntei casais que tinham se separado através de um pedido do filho. Meu único conselho é praticar sempre o amor e a paz”, finaliza.
FONTE – Portal G1
Extraído do blog:
"Tok de História", do historiógrafo Rostand de Medeiros