Por Rangel Alves
da Costa*
O próprio
conceito de humilde traz no seu bojo o sentido de humilhado, de humilhação.
Dependendo do contexto, ser humilde significa viver modestamente, possuir baixo
poder aquisitivo, fazer parte de classe social menos favorecida, não possuir
grandes pretensões na vida a não ser aquelas que permitam a sobrevivência. Ou
simplesmente ser recatado, respeitoso, servil, simples, sem aparentar orgulho
ou soberba.
Contudo, ser
humilde não se confunde com ter humildade. Enquanto aquele se volta mais para o
socialmente desfavorecido, esta busca um nivelamento de relações, com respeito
mútuo que não permita distinções por poder ou riqueza, formação ou prestígio. O
ser humilde geralmente é forçado a encurvar-se, a submeter-se, enquanto a
humildade exige respeito e tratamento digno e igualitário.
Aquele que se
relaciona com o próximo com senso de humildade ou respeita o menos favorecido
pela sua própria condição humana, age se contrapondo a uma verdadeira praga
social que assola a classe mais humilde: a humilhação. E esta vista no seu
aspecto mais pejorativo, desumano e existencialmente inaceitável. Neste sentido
é que se fala em pessoas humilhadas pela sua condição social, pela sua cor,
raça ou opção sexual, dentre outros fatores.
Como sempre
observável no longo processo humano de desigualar os iguais, a humilhação foi
sendo forjada para mostrar que pessoas existem que, pelo simples fato de serem
menos aquinhoadas que outras, a estas devem obediência e temor. A Bíblia fala
em submissão, mas somente à vontade de Deus, como escrito em Crônicas, II,
7:14: se o meu povo se humilhar, e orar, e buscar a minha face e se converter
dos seus maus caminhos, então eu ouvirei dos céus e perdoarei os seus pecados,
e sararei a sua terra. Assim, humilhar-se somente a Deus, e não ao homem.
Mas
contrariamente a toda lição, é o homem que incessantemente humilha o outro,
procura desfazer do próximo, desrespeitá-lo até onde possa. E não há dúvida que
a humilhação é, verdadeiramente, a mais desonesta, injusta e desumana forma de
ferir o caráter, de atacar a dignidade e afetar a honra do ser humano. É como
se a submissão fosse uma forma de dizer que as coisas devem ser como eu quero,
e não como você necessita que sejam; como uma forma de afirmar que deve
suportar calado o que de bom ou ruim lhe seja impingido.
O seu conceito
não deixa dúvidas quanto ao enojamento que carrega em si, eis que atitude
tomada para rebaixar a pessoa humilde ao reles do chão, ao húmus. É a imposição
ao outro uma condição de ser abjeto, imprestável, menor, vil, desprezível, que
não merece respeito nem valorização. Avista-se o desprezo ou desvalorização do
ser humano; a escravização ou submissão do indivíduo a situações socialmente
inaceitáveis; a violação premeditada dos direitos do cidadão; a busca de tornar
o outro sempre inferior, sempre necessitando do outro para conseguir aquilo que
lhe é assegurado por lei.
Age com
humilhação aquele que sempre vê o povo humilde como preguiçoso, como marginal,
como destituído das mesmas qualidades de outros cidadãos. A polícia humilha o
negro, o pobre, o malvestido, o esfarrapado, o abandonado, o favelado ou
morador das distâncias empobrecidas. A generalização de classes como tendentes
à marginalidade é um ato de humilhação, como também as abordagens sempre
pressupondo um bandido e não um ser humano.
Age com
humilhação aquele que graceja do aluno que vai à escola com roupa rasgada ou
caderno sem capa; aquele que nas repartições públicas torna o atendimento um
total desrespeito ao cidadão que vai pedir uma informação ou resolver um
problema; aquele que discrimina pessoas ou age com discriminação perante
determinadas classes de indivíduos. O péssimo atendimento nos hospitais e
outras unidades de saúde, nos fóruns, nas repartições públicas e nas antessalas
são explícitas formas de humilhação.
Não há
humilhação maior imposta ao indivíduo que pagar impostos cada vez mais elevados
e não poder contar com os serviços essenciais quando necessita. Indivíduos
jogados em macas no chão de hospitais, que têm de aguardar cinco meses ou mais
para a realização de um exame, que não podem contar com os remédios necessários
para o seu tratamento, são formas degradantes de humilhação.
Contudo, o que
mais dói é saber que a humilhação é fruto da arrogância de um ser humano em
face de outro ser humano, só que este na desvantagem da necessidade. O que mais
grita na alma é ter a certeza que muitos humilham como forma de mostrar poder e
superioridade diante de pessoas que já sofrem demais em situações normais da
vida. Mas assim é feito porque é próprio do ser humano ver o outro com
inferioridade. E, se for pobre, como um verme que deve ser pisoteado.
Poeta e
cronista
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