Por Antonio
Corrêa Sobrinho
Antonio Corrêa Sobrinho e o colega auditor Ed Wanderley
Penso que, das
investidas criminosas de Lampião e seus asseclas contra o povo sergipano,
nenhuma, a meu ver, causou tanto terror, pânico e prejuízo do que a empreendida
contra a população da então vila de Aquidabã, num certo dia de outubro de 1930,
cujas informações primeiras a respeito só chegaram ao conhecimento do público
depois de algum tempo, pelo médico e escritor Ranulfo Prata, no seu livro
“LAMPIÃO”, as quais trago abaixo; vez que, até onde eu sei, os jornais
sergipanos não noticiaram este trágico acontecimento.
Hoje, pela
manhã, de passagem por Aquidabã, de uma parte alta da cidade, tirei esta
fotografia, que revela, panoramicamente, uma de suas partes mais velhas; ao
mesmo tempo que registrei presença na provável imediação aonde ocorreram as
barbáries contra o fazendeiro Zé do Papel, seu irmão Antônio Custódio, o
roceiro Eduardo Melo e o fronteiriço Souza de Manuel do Norte.
Eis o referido
trecho do livro de Ranulfo Prata:
Em outubro de
30 explode a Revolução, e o presidente do Estado, homens de instintos
guerreiros à prussiana, para enfrentar as forças do capitão Juarez Távora que
descem, em avalanche, do Norte, desguarneceu todo o interior.
Lampião achou, afinal, a ocasião que tanto desejava, e partiu, num galope, em
demanda da fronteira, para um ajuste de contas com amigos que não lhe foram
leais.
Era o voo certeiro de caracacá que desce como uma flecha sobre a presa
desprevenida.
Desta feita tocou primeiramente em Aquidabã. Compunham o bando, agora: Moderno,
Corisco, Azulão, Ponto-Fino, Volta Seca, Couro Seco, Beija-Flor, Cirilo,
Mariano, Fortaleza, Mourão, Zé Baiano e mais cinco.
No povoado Cajueiro, cerca de três quilômetros da vila, às duas horas da manhã,
bateu à porta de José Custódio de Oliveira, conhecido por José do Papel. Aberta
a porta, José Baiano o agarrou e ameaçando-a de morte intima-o a dar o dinheiro
que possuísse. José Custódio deu-lhe o que tinha – 850$000. Os bandidos
saqueiam lhe a casa, levando roupas, anéis e objetos de uso. Um deles ao fitar
um dos filhos menores de José a dormir na rede, diz:
- Está este pestinha aqui drumindo; tava bom de suspendê na ponta do punhá.
Um companheiro intercede em favor da criança. José Baiano leva José Custódio à
presença de Lampião, que se achava dentro do mato, cerca de 50 metros de
distância.
No saque descobrem dez balas de rifle. Lampião interroga-o a esse respeito.
José Custódio responde que emprestara a arma ao Dr. Juarez Figueiredo, juiz
municipal da vila. Lampião murmura:
- com certeza pra esperar Lampião. E indaga
se o juiz está em casa, obtendo resposta negativa.
Partiram para a vila. As pessoas encontradas no caminho eram detidas e
incorporadas ao grupo. Perto dois bandidos subiram a um poste telegráfico e
cortaram as linhas. Ao romper da manhã entraram na vila, tomando de assalto o
quartel de polícia, onde não havia soldado. José Custódio ficou sob a
vigilância de Lampião, Volta Seca e Moderno, espalhando-se pelas ruas as
restantes, a arrombarem as casas e surrando todas as pessoas a bolo e chicote,
feito de vergalho de boi. Alguns batem às portas, e, quando estas mal se abrem,
irrompem, inopinadamente, pelo interior, de chicote erguido, a desferir golpes
sobre golpes. Estão ferozes, animados de uma cólera louca.
Senhoras e moças fogem em trajes menores para o mato, desvairadas de pavor.
A vila desperta toda enovelada num tumulto de feira, de onde emerge um pânico
que imbeciliza os moradores.
O nome de Lampião corre como um rastilho da casa mais abastada ao casebre das
pontas de ruas miseráveis, pondo tremuras nos corpos, como uma sezão maligna.
Saqueiam o comércio e as casas particulares, carregando joias, roupas, objetos.
Na residência de José Xavier, o quadro é atroz. Depois de roubado metem-lhe bolos.
A mulher, animosa e valente, intercede e os chama de bandidos. Lampião ordena
que a castiguem também. Os bolos estalam, brandida a palmatória pelo braço
forte do negro Mariano. O marido pede. A mulher se indigna com a fraqueza do
esposo e continua a xingar os miseráveis. E continua a apanhar.
Um certo Souza de Manuel do Norte, pobre maluco, tipo de rua de cidade do
interior, aparece entre eles e vendo-os entregues ao arrombamento das casas,
pede-lhes, com a sua falta de juízo, que não façam tal. Os cabras se exasperam
e o insultam.
E porque Souza, na sua inconsciência, lhes replica que também é homem, puxando
de uma faquinha de marinheiro, sem ponta, um deles o abate logo a “parabélum”,
em plena praça do comércio!
E repete-se a cena bárbara passada com o cadáver do tenente Geminiano. Com
enorme facão marca “Jacaré”, abrem-lhe o ventre, incisando-o largamente.
Retiram punhados de tecido gorduroso e ali mesmo “azeitam” os fuzis.
É um quadro que aterroriza e faz nascer indignação inominável.
Dispersos pelas ruas, não param no saque.
O velho Aurélio, agricultor, nega-se a dar dinheiro, apesar da insistência de
Moderno. Este, afinal, que se vinha mantendo calmo, embravece e grita-lhe que
não “viera ali para alisar homem”, batendo-lhe a face a pano de punhal, enquanto
Volta Seca, por detrás, “pepina-o” sadicamente.
Numa esquina, Volta Seca põe abaixo, sozinho, a porta de uma venda e
vasculhando as gavetas e nada encontrando, derriba, numa cólera selvagem, toda
uma prateleira de louça, que se esfarelou no chão com ruído formidável de
desabamento.
Nada lhes resiste à fúria de possessos.
Trazem para a rua o cofre de ferro do negociante Clementino Azevedo e o abrem,
a golpes de marretas, conseguidas num tenda de ferreiro próximo, dele retirando
três contos, que foram mesmo ali repartidos entre eles.
Calcula-se em vinte e cinco contos o que levaram em dinheiro e joias. As moedas
de níquel e prata atiravam na rua, desdenhosos.
Depredada toda a vila, arranjam, sob ameaça, animais selados.
Antes da partida, José Baiano aproxima-se de José Custódio e lhe diz:
- Vou deixá uma lembrança pra você não emprestá mais rifle pra espera Lampião.
Lança-o em seguida por terra e o espanca a vergalho. Não satisfeito, propõe
mata-lo. Moderno, porém, que vinha chegando, impede, levando-o para junto de
Lampião.
Aí desenrola-se outra cena monstruosa. Um dos bandidos, depois de esbordoar a
couce de fuzil o roceiro Eduardo Melo, cortou-lhe a facão uma das orelhas, que
se despegou com metade da face, morrendo o rapaz após um mês de padecimento. No
ato da mutilação, um deles grita ao companheiro cruel:
- Não corte tudo, deixe um quinhãozinho do delegado.
O mesmo bandido, com as mãos sangrentas, volta-se para José Custódio e o
previne de que ia deixar-lhe outra lembrança e logo decepa lhe a orelha,
atirando-a ao chão. Acode-lhe o seu irmão Antônio Custódio, rogando a Lampião
que não o deixe matar. Mas um dos cabras agarra-o e dizendo: deixe vê a sua
também, faz-lhe o mesmo.
Depois de mutilado José Custódio, sangrando, a inspirar dó, Lampião o chama e
diz que vai lhe dar um remédio, obrigando-o a beber um litro de cachaça. O
homem cai sem sentidos.
O delegado de polícia, que se achava preso, e para o qual estavam reservadas as
mesmas crueldades, fugiu, num momento de descuido, o que enfureceu Lampião,
repreendendo os asseclas:
- Voceis não faz nunca as coisa bem feita!”
Fonte: facebook
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