Por Fernando Maia Nóbrega
"O senhor
capitão, vai pagar caro o
couro do
trancelim"
Severino
Tavares
Nome: José
Gonçalves Bezerra
Nascimento: Sem
informações
Morte: 10 de
maio de 1937. – Sítio Conceição, Crato-Ce.
Motivo:
Vingança
Acusados:
Severino Tavares e Fanáticos do Caldeirão.
Por volta de
1890, chega a Juazeiro atraído pelos milagres ali ocorridos no ano anterior e
pela fama de santidade do Padre Cícero um paraibano de nome José Lourenço da
Silva. De princípio, fixa-se na cidade e vai trabalhar como agricultor
pelos sítios. Aos poucos vai se inserindo, de maneira marcante, na vida
religiosa e se transforma em renomado beato. Ao correr do tempo passa a
ser admirado por sua capacidade de trabalho e inteligência. Observado pelo
Padre Cícero é aconselhado a arrendar terras na região onde pudesse trabalhar
por conta própria. Seguindo o conselho recebido, José Lourenço aluga um sítio,
pertencente a João de Brito numa localidade chamada Baixa Dantas na cidade do
Crato.
Zé Lourenço
Na nova
paragem fez grandes plantações de macaxeira, feijão, cana de açúcar e inúmeras
fruteiras. Em virtude de sua fama de caridoso e acolhedor de pobres, logo seu
sítio recebe grande quantidade de fanáticos que lá foram morar em busca de
trabalho e religiosidade. Uma ou duas vezes por mês, José Lourenço,
juntamente com seus moradores, ia a Juazeiro assistir missas e visitar o Padre
Cícero. Em uma de suas idas, recebeu do reverendo um boi Zebu, chamado Mansinho,
para ser criado na Baixa Dantas. O animal foi cuidado com todo zelo e
carinho pelos fanáticos, mormente por se tratar de uma doação feita pelo “Santo
Padim Cícero”, como gostavam de se referir ao sacerdote. Aos poucos, a estima
dedicada ao Boi Mansinho foi se transformando em adoração. Os chifres eram
adornados com flores e fitas; sua urina transformada em remédio milagroso e as
pontas das unhas em amuletos.
Padre Cícero
Monsenhor
Joviniano Barreto, pároco de Juazeiro, denunciava às autoridades eclesiásticas
da região que na Baixa Danta os fanáticos estavam se desviando da ortodoxia da
Igreja Católica, e se praticando o fetichismo em total heresia aos cultos da
Santa Igreja. Dr. Floro Bartolomeu atendendo os anseios do Monsenhor e
evitar críticas da imprensa, pôs fim no totemismo ao prender o Beato José
Lourenço e mandar sacrificar o Boi Santo na presença de muitos fanáticos. Em
1926, João de Brito, cedendo às pressões, desfaz o acordo de arredamento do
sítio Baixa Danta forçando o Beato José Lourenço ocupar uma propriedade do
Padre Cícero conhecida como Caldeirão dos Jesuítas também localizada na cidade
do Crato.
Exatamente como antes procedera, o Beato José Lourenço juntamente com 300
famílias faz grandes plantações de algodão, imensos canaviais, constrói dois
açudes, ergue uma capela e várias casas no novo assentamento. Tudo que
era produzido pertencia a todos inexistindo um dono exclusivo. Em 1934, com a
morte do Padre Cícero, muitos os sertanejos desamparados de um líder foram ter
guarida nas terras do Caldeirão. Se havia falta de emprego no Cariri, nas
terras do Beato,ao contrário, todo mundo trabalhava e mais ainda: o que era
plantado ou criado pertencia à coletividade inexistindo a figura do patrão.
No seu
inventário, o Padre Cícero deixara todas as terras que lhe pertenciam para os
padres salesianos. E como a Igreja já se pronunciara contra as distorções
religiosas praticadas na comunidade do Beato Zé Lourenço e, principalmente,
tendo receio que os fanáticos se apoderassem das terras ocupadas, o bispo
procurou um meio de expulsá-los de lá. Usando o prestígio do seu partido
político, a LEC – Liga Eleitoral Católica – representantes da Igreja
pressionaram o governo para extinguir a comunidade do Caldeirão sob o argumento
de uma possível célula comunista.
Reunidos no Palácio da Luz em Fortaleza, o Governador do Estado, Dr. Menezes
Pimentel juntamente com o Secretário de Estado Andrade Furtado, o Chefe de
Polícia Cordeiro Neto e o Bispo do Crato D.Quintino Rodrigues de Oliveira e
Silva decidiram acabar com o Caldeirão. A primeira atitude tomada pelo
Chefe de Polícia foi enviar dois agentes secretos ao Caldeirão para se inteirar
da realidade. O primeiro era um agente civil que se infiltrou como fanático; o
outro era o Capitão Zé Bezerra que se passando por industrial dizia estar ali
com o intuito de instalar uma usina de beneficiamento de oiticica.
Sentados: Dom
Quintino (1º Bispo de Crato) e monsenhor Juviniano Barreto. Atrás, 1º à
esquerda monsenhor Assis Feitosa e à direita, cônego Manoel Feitosa.
Depois de dias
de observação, embora não tenha verificado a existência de armas, o relatório
do militar classificava a situação como “perigosa” e era favorável a sua
desativação em virtude do caráter comunista na distribuição dos lucros. Em
setembro de 1936, sob o argumento que a comunidade do Caldeirão, com mais de
1500 habitantes, era uma ameaça ao Estado, um contingente de 150 policiais foi
enviado para a desocupação do lugarejo. Enquanto os pobres sertanejos
abandonavam suas casas, o Capitão Zé Bezerra, nomeado interventor do arraial,
ordenou o desarmamento dos moradores, sendo encontrado somente instrumentos
de trabalho: enxadas, foices e machados. Em seguida, deu-se o prazo de cinco
dias para os casados abandonarem o local e dois aos solteiros. Por último, a
polícia queimou os casebres, os depósitos de algodão e víveres. Consta que
saqueou todo bem que tivesse e liquidez imediata.
Foi precisamente durante sua permanência na direção do Caldeirão que Zé Bezerra
cometeu duas faltas gravíssimas aos olhos dos fanáticos: a tortura praticada
numa mulher em meio a um interrogatório sobre o paradeiro de José Lourenço e
ter causado a morte do cavalo Trancelim animal preferido do Beato. A revolta
dos moradores se transformou em ódio e num sentimento perpétuo de
vingança. Após a expulsão, os fanáticos se reagruparam sob o comando do
Beato José Lourenço em um lugar inóspito na Serra do Cariri que englobava dois
sítios: Mata dos Cavalos e Curral do Meio.
José Gonçalves
Bezerra era reconhecidamente um homem bravo, corajoso, experiente policial,
sendo o oficial escolhido pela Polícia Militar para combater o cangaço no
Estado na segunda e terceira décadas do século transato. A literatura
cearense é pródiga em referência sobre o José Bezerra. Otacílio Anselmo
eminente escritor caririense, oficial da polícia e contemporâneo do Capitão, o
descreve como “(...) policial arbitrário e cruel”. O autor de “O Padre Cícero –
Mito e Realidade” – diz ter presenciado uma surra aplicada por aquele policial
em um cabo da polícia dentro do quartel da capital.
Nertan Macedo
Nertan Macedo, outro escritor, define o Capitão Zé Bezerra como “(...) um dos
maiores bandidos autoridades que se teve notícias no Ceará.” É bem verdade
que na incessante procura a pistoleiros e cangaceiros no Ceará, verificada
entre os anos de 1920 a 1930, coube na época aos Tenentes Peregrino Montenegro
e Zé Bezerra a missão de exterminar banditismo no interior do
Estado. Ressalte-se que foi sob o comando de Zé Bezerra que ocorreu a
“Tragédia das Guaribas”, onde Chico chicote e seus companheiros foram
trucidados em 1927 em Brejo Santo - Ce.
Entretanto, em que pese os inúmeros riscos de vida passados nas refregas contra
cangaceiros, foi durante a pacífica tomada do Caldeirão em 1936, que o Capitão
Zé Bezerra cometeu dois graves erros, os quais foram fundamentais para a
execução de sua morte no ano seguinte. O primeiro, quando em um interrogatório
sobre o paradeiro do Beato José Lourenço, Bezerra usou de meios torturantes ao
queimar os seios de uma mulher com o charuto que fumava. O outro, talvez o mais
grave aos olhos dos crentes, quando sob o efeito de bebida alcoólica, cavalgou
o Trancelim, cavalo de estimação do Beato. Durante toda noite percorreu a
região, açoitando o animal e às carreiras passava pelas ruelas do arraial.
Recolhido à estrebaria, exausto o cavalo viria a morrer no outro dia.
Ressalte-se que havia a crença entre os fanáticos, aceita como a mais pura
verdade, que ao morrer o Beato subiria aos céus montado no Trancelim. O Capitão
Zé Bezerra cometeu a heresia de profanar a religiosidade daquele povo.
Tempos depois, quando já ocupavam a Mata dos Cavalos, os moradores se dividiam
em duas correntes de pensamento. De um lado, sob o comando teocrático e
pacifista de José Lourenço, pregava-se o perdão aos responsáveis pela diáspora
do grupo. Do outro, sob a liderança político-militar de Severino Tavares, clamava-se
pela vingança e a reconquista do Caldeirão.
Os seguidores de Severino Tavares nutriam e armazenavam um ódio e um desejo de
vindita contra o Capitão José Bezerra. Para a consecução de seu intento,
tramaram um plano arrojado e inteligente que seria o de atrair o militar à Mata
dos Cavalos e assassina-lo! Uma cilada foi tramada e posta em prática.
Visita do
Cariri Cangaço ao Caldeirão do Beato José Lourenço
Em maio de 1937, apareceu no quartel da polícia em Juazeiro um cidadão de nome
Sebastião Marinho a procura do Capitão José Bezerra para apresentar uma queixa.
Ao ser atendido pelo militar, informou que suas terras haviam sido invadidas
pelos fanáticos do Beato José Lourenço e que é conhecedor de um plano de
Severino Tavares de invadir e saquear a cidade do Crato. Embora muito
experiente, o Capitão de nada desconfiou e tomou somente uma providencia antes
da diligência: o querelante teria que ir com a polícia ao local.
No dia 10 de maio de 1937, formou-se uma volante com objetivo de ir a Mata dos
Cavalos assim estruturada: Capitão José Bezerra, 1º Sargento Anacleto
Gonçalves Bezerra, 2º Sargento José Marcolino Brasileiro, 2º Sargento
Marcelino, 3º Sargento Jaime Olimpio Rocha, Cabo Benigno
Gomes, Soldado Raimundo Pereira, Josafá Torquato
Gonçalves, Soldado José Dantas (Corneteiro), Soldado Eugênio Cesário
da Silva e Soldado Álvaro Gomes Bezerra . Ressalte-se que o sargento Anacleto
e o soldado Álvaro eram filhos do Capitão. Ao constatar o pequeno número
de policiais destacado para a missão, Sebastião Marinho, talvez com o intuito
de despistar suspeita, disse:
- “Capitão, os soldados são pouco...”.
Talvez por ser conhecedor do caráter pacifista dos fanáticos e ignorar a nova
faceta belicista no grupo, respondeu:
- “São suficientes.”
Partindo em
cima de um caminhão cedido pela prefeitura de Juazeiro passaram pela delegacia
do Crato, onde o Capitão foi alertado pelo tenente João Lima, comandante do
destacamento daquela localidade, sobre o pequeno número de soldados. Mais uma
vez o José Bezerra dispensou ajuda. Ao chegar perto do local destinado, O
Capitão Zé Bezerra mandou parar o carro e ordenou que os policiais entrassem em
forma. Em seguida, deu alguns esclarecimentos e ordenou que o sargento
Marcelino e soldado Cesário ficassem guarnecendo o caminhão. Aos demais, que o
seguissem.
Fonte:https://cratonoticias.wordpress.com
Adentraram por uma vereda que dava acesso ao arraial. Em dado momento,
inesperadamente saiu de dentro de um espesso matagal uma mulher correndo. Com
receio que ela fosse avisar aos fanáticos, o Capitão com o grupo saiu em sua
perseguição. Eis que inopinada e inesperadamente os militares são cercados
e atacados ferozmente por vários fanáticos, surgidos como fantasmas do meio da
mata, armados de cacetes e foices. Em poucos minutos, jaziam inertes
Capitão Zé Bezerra, sargento Anacleto, cabo Benigno e o soldado Josafá. Do
caminhão se ouviu o estampido de tiros oriundos da mata. O soldado Cesário
falou para o sargento Marcelino:
- “O Capitão foi atacado, sargento”.
“Tenho pena do Capitão, mas ele foi avisado que os soldados eram insuficientes”
Respondeu.
Cinco minutos
depois Cesário viu um vulto se arrastando pelo mato: era o sargento José
Olímpio sangrando e com golpes profundos na cabeça. Arquejando, a vítima disse:
-“Não deixem que os bandidos acabem de me matar...”.
Logo após, ouviram uns novos gemidos. Era o sargento Marcolino com alguns
soldados feridos.
- “Fomos atacados de surpresa. Vi o Capitão estirado no chão e o Anacleto
também. Acho que morreram.” - Disse Olímpio.
O sargento
Marcelino reuniu os soldados capazes de se moverem, mesmo os feridos em pequena
gravidade, e foram ao encontro do Capitão. Lá se depararam com um quadro
tenebroso: com a cabeça esfacelada, ainda segurando o parabelum, jazia morto o
Capitão Zé Bezerra. Ao seu lado, o filho Anacleto. Mais adiante o corpo do cabo
Benigno, e do soldado Josafá e mais três cadáveres de fanáticos. Assim
morreu como viveu o bravo militar: da maneira mais trágica e cruel. Morreu como
um dia lhe dissera Severino Tavares:
-“O senhor, Capitão, vai pagar caro o
couro de
Trancelim!” .
Fernando Maia
Nobrega
Fonte:http://historiadejuazeiro.blogspot.com.br/2011/07/capitao-jose-goncalves-bezerra-por.html
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