Por Rangel
Alves da Costa
Conforme já afirmado noutros escritos, o Coronel João Maria de Carvalho, voz
maior de poder e de mando nas paragens da baiana Serra Negra, jamais se
contentou em expressar sua força apenas nos limites de seu berço de nascimento,
por fora e por dentro das porteiras e cancelas de seus latifúndios ou nas
povoações vizinhas aos seus feudos. Do mesmo modo, não se limitou a ser dono de
fazendas e rebanhos ou a comandar o mundo ao redor a partir dos sombreados de
sua varanda. Foi muito mais além e agiu, de forma forte e impositiva, na vida
política, econômica e social, até mesmo em outros estados, principalmente
Sergipe e Alagoas.
Nas Alagoas, o mandachuva baiano mantinha fortes ligações com o também coronel
Elísio Maia, dentre outras forças de poder. Mas foi em Sergipe onde atuou de
forma decisiva. Não seria errôneo afirmar que João Maria possuiu mais
influência e agiu com maior firmeza na vida política e social de Sergipe do que
mesmo no seu estado. Os detalhes destas ações ainda não foram totalmente
revelados, mas se tem como certeza o seu olhar mirando principalmente em
direção a Canindé, Poço Redondo, Nossa Senhora da Glória e Ribeirópolis. Nesta,
no antigo Saco do Ribeiro, o filho de Pedro Alexandre foi amado e odiado,
desejado e temido, chamado e evitado.
O motivo maior dessa ligação com Ribeirópolis estava em Dona Flora Santos, sua
esposa, e esta integrante de uma família conhecida como “Ceará”. A família
Ceará (assim conhecida pelo fato de denominar pessoas vindas do Ceará fugindo
das secas) chegou à região agreste sergipana pelos idos de 1877, assentando-se
primeiro no arruado conhecido por Cruz do Cavalcante (atual Cruz das Graças,
município de Nossa Senhora Aparecida). Com o correr dos anos, os “Ceará”, já
organizados como clã representado pela família Santos, passaram a ter forte
influência econômica e política na região, chegando até Ribeirópolis.
A família Ceará se tornou de prole numerosa. Segundo José Gilson dos Santos em
seu livro “Saco do Ribeiro (Ribeirópolis): Pedaços de sua História”, das raízes
chegadas ao agreste sergipano, faziam parte da família Francisco Felipe dos
Santos (Chico Ceará), seus filhos casados Antônio Felipe dos Santos e Andrelino
Felipe dos Santos, e mais outros menores, incluindo José Felipe dos Santos
(José de Ceará), bem como filhas solteiras e sobrinhos. Depois de casado com
Maria das Graças, da prole de José de Ceará nasceram Guiomar Santos, Manoel
Perciliano Santos, Jovelina Santos, Ana Santos, Fenelon Franscisco Santos,
Flora Santos, José Francisco Filho, Adolfo Francisco Santos, Dalva Santos,
Baltazar Francisco dos Santos, Florival Francisco Santos e Jaci Santos.
Pois bem. Esta Flora Santos, da família Ceará, mais tarde se tornaria esposa de
João Maria de Carvalho da Serra Negra. Contraindo matrimônio com uma integrante
da segunda geração dos Ceará, então o moço da Serra Negra logo estreitou seus
vínculos com Sergipe e também com Ribeirópolis, vez que a família de sua esposa
depois dos anos 30, e após investidas dos cangaceiros na região, passou a fixar
residência nesta povoação.
Anos depois, já em 1955, quando a família Ceará foi acusada - por desavenças
políticas - de planejar e mandar executar o recém-empossado prefeito de
Ribeirópolis, o udenista Josué Modesto dos Passos, logo integrantes desta
família, já antevendo as cruéis perseguições que se dariam daí em diante - e de
fato perpetradas sob as ordens do governo Leandro Maciel (inimigo declarado dos
“Ceará” desde as eleições ocorridas em 50) - procuraram refúgio e proteção
junto João Maria de Carvalho, na Serra Negra.
Conforme afirma o já referido José Gilson dos Santos: “Quem não foi preso ou se
apresentou, teve como única alternativa procurar refúgio no então Povoado Serra
Negra, município de Jeremoabo, estado da Bahia, onde residia João Maria de
Carvalho, casado com uma integrante da família ‘Ceará’”. (p. 65). Dona Flora
Santos, pois, dessa linhagem familiar. E em busca de tal refúgio seguiu, dentre
outros, o seu cunhado Baltazar Santos, ex-prefeito e futuro deputado
estadual.
Indignado com a proteção dada por João Maria aos “Ceará”, o governador Leandro
Maciel até recorreu a Antônio Balbino, igualmente governador da Bahia. O
governante sergipano não apenas queria alcançar os “Ceará” como também
fraquejar o poderio de João Maria, já seu inimigo declarado. Foi então que o
General Liberato de Carvalho, irmão deste e com grande influência na política
baiana, tomou frente e mandou transferir todos os perseguidos para uma
propriedade sua, como se dissesse que aqui ninguém bota a mão. E assim de fato
ocorreu. Não demorou muito e todos retornaram às propriedades de João Maria.
Na proteção de seus cunhados, eis que com a certeza de suas inocências perante
os episódios ocorridos em Ribeirópolis, João Maria teve que revidar duas
investidas de “contratados” sergipanos contra Serra Negra. Também fora acusado
de planejar um ataque à sede de Frei Paulo, município sergipano, para resgatar
os demais integrantes da família Ceará que estavam presos e seriam submetidos a
júri popular nesta comarca. Mas nada se confirmou, a não ser o temor constante
causado pela força e o poder do filho de Pedro Alexandre. E ele, todo
imponente, se fez presente no dia marcado para o júri não acontecido pela
ausência dos jurados (logicamente por medo). Assim confirma, à pág. 79, José
Gilson dos Santos:
“O velho João Maria de Carvalho também apareceu nesse dia, mas acompanhado do
Capitão José Rufino, da Polícia da Bahia, famoso por sua atuação destacada na
luta contra Lampião, tendo ambos circulado livremente pela cidade, sem qualquer
incidente, embora o velho tenha trazido da Serra Negra alguns homens de sua
confiança que ficaram o tempo todo confinados em um hotel sem ser molestados”.
Eis, assim, a presença sempre firme e inconteste de João Maria de Carvalho
perante outros mundos e situações políticas e familiares que não somente as
pertencentes a sua Serra Negra.
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