Por Kiko Monteiro
Dando
continuidade aos registros de minha pisada junto com o confrade Narciso
Dias por terras que ontem pertenciam a Paripiranga e hoje são de Adustina,
tivemos mais uma grata surpresa ao sermos avisados da existência, eu diria até
espetacular existência e presença de Seu Atanásio. Ele é mais uma testemunha
ocular dos fatos lampiônicos no sertão baiano, e que para nossa sorte
naqueles dias se encontrava em tratamento de saúde na casa da sua filha.
Ex vaqueiro e
coiteiro assumido, Atanásio Gregório dos Santos já não enxerga à onze
anos. Precisamente quando completou os 102 anos de idade... Hoje aos
"111" desafia o tempo e o vento, sim, o homem nasceu em 05 de
fevereiro de 1902. Com prova documental.
Garantiu
lembrar de ontem como se fosse ainda ontem. Conversamos com ele por pouco mais
de uma hora. Não foi fácil montar o seu depoimento. É preciso intimidade com o
ritmo e expressões e corruptelas da fala dos nossos vizinhos de estado. E seu
Atanásio nem sempre partia do inicio ou finalizava um episódio. Alguns
capítulos ficaram pela metade, portanto sem validade para nossa publicação. Não
poderíamos exigir muito, os fatos conhecidos e vivenciados por este baiano
fecharam com chave de ouro a nossa tão proveitosa visita.
Pra início de
conversa, ele nos disse que não era filho de Paripiranga, é natural de
Bebedouro (atual cidade baiana de Coronel João Sá que pertencia à
Jaremoabo).
Que na verdade
foi um coiteiro de dupla função, pois serviu aos dois lados da força.
Na época do
cangaço ele já residia nos Jardins mesmo lugarzinho em que vive amparado
pelos filhos, (atualmente o Jardins é um povoado do município baiano Sitio do
Quinto).
O que
facilitou sua amizade com os cabras de Lampião foi o fato de ser casado com uma
prima do cangaceiro "Saracura". Assinala que o grupo que dominava a
região era justamente o de Ângelo Roque "O Labarêda" um cangaceiro
manso e chefe de Saracura.
Saracura não,
o Benício, que era um excelente vaqueiro e conforme a história,
um sertanejo que revoltou-se ao ver seu pai quase invertebrado numa
rede por conta de uma surra que tomou de uma força volante.
Confiram a
data de nascimento no RG do "menino"
Ressalta que
manteve boa convivência com policiais. Todavia ao botar na balança quem
mais apreciava, deixa claro a sua simpatia pelo modus operandi dos cabras de
Lampião. Afirma que presenciou muito mais atrocidades dos
"Macacos". Afinal de contas...
-
"O que mais tinha na policia era vagabundo a procura de comida e dinheiro.
Era uma época de secas terríveis e estas pessoas não tinham opção. A única
alternativa era pegar em armas para perseguir cangaceiros. Mas a única coisa
que a maioria sabia fazer era pilhéria, covardia de bater em pobres coitados.
Enfrentar os cangaceiros como devia de ser... Ah! foram poucos".
L.A. - Sabendo
que havia violência de ambas as partes, por que o senhor preferia lidar com os
cangaceiros do que com as Forças?
- "Vamos
dizer assim: Eu não fazia nem cara feia, nem corpo mole. A volante exigia que
eu matasse um bode dos meus, eu atendia, eles comiam, enchiam o bucho, nem
sequer agradeciam e iam embora. Já os cangaceiros pediam a mesma coisa, porem
ao se fartarem pagavam pelo animal abatido. Aliás, eu ganhava de cinco a dez
mil réis por qualquer favor prestado a cabroeira".
L.A. - O
senhor chegou a frequentar algum baile com os cangaceiros?
- "Fui
dançar uma única vez um "pagode" convidado pelo próprio Ângelo Roque
no Pinhão. Mas chegou uma força e teve tiroteio. Nesse dia não morreu ninguém,
eu consegui fugir me arrastando pelo batente da choupana".
L.A. - E
Lampião?
-
"Conheci demais, ele andou muito no sitio (Do quinto), aqui pelas matas de
Paripiranga, também, tinha preferência pelos coitos na beira do rio Vaza Barris
que corta a região".
A cada
intervalo Seu Atanásio sempre repetia: - Tempo bom,
meus amigos, é o de hoje.
Também pudera,
o homem na condição de coiteiro, e de quem viu muito assombro e desmandos de
toda a sorte no sertão pode fazer o comparativo.
Certa vez ele
guiou a cabroeira até a casa de uma mulher chamada Josefa de Bispo que
morava com três filhos no lugar chamado Quixaba. Ao perceber a fome que estes
passavam, os cabras ruins do sertão num momento de benevolência (heroísmo)
se compadeceram da situação e deram-lhes comida.
Mas certa
feita esta mesma mulher achou de informar para a volante comandada pelo Sargento
Balbino a localização do coito dos bandoleiros. O cangaceiro (cujo nome ele
não recorda e prefere não sugerir) Tomou conhecimento da desfeita e a visitou
mais uma vez, desta vez sem piedade nem tampouco caridade.
- "Ele
cortou a língua dela com uma faca de ponta para servir de exemplo à todos
que não soubessem manter silêncio sobre suas presenças na região".
Pensam que o
castigo lhe bastou? Dona Josefa revoltada e sem a língua para alcaguetar,
apontava com o dedo a direção do bando para a volante. Ligeiramente engraçado?
No cangaço nada é cômico. Essas "apontadas" ocasionaram em tiroteio e
como nova represália os cangaceiros intimidaram a velha de vez, matando dois
dos seus filhos.
Recordou um
outro trágico episódio envolvendo gente que desafiou o perigo, narrativas que
ouviu dos próprios executores.
O jovem Manoel
Caetano, “Manoelzinho” era caçador e certa vez deu de cara com um coito de
cangaceiros que se preparavam para tratar uma vaca. Ao voltar para casa ao
invés de segurar a novidade resolveu procurar o sargento Balbino e delatar o
local. Novo embate com a policia... Não tinha outro, eles já sabiam quem os
havia entregado e juraram vingança contra o Manoel. Tempos depois Manoelzinho
que pensava que era invisível descia as margens do riacho sozinho e deu de cara
com um cangaceiro que o cumprimentou pelo nome, Manoelzinho desconfiado
perguntou quem ele era, e o cabra identificou-se como Soldado do governo".
O caçador nem
imaginava quem seria a caça, achou de fazer a média com o volante e foi proseando:
- Pois um
dia destes, botei vocês no rastro dos bandidos, não mataram porque não
quiseram.
- É verdade,
mataram ninguém não, tanto que estou aqui conversando com você, seu filho de
uma p... vais morrer agora mesmo.
Outros
cangaceiros saíram do mato. Manoelzinho se ajoelha clama que poupem sua vida
pois tinha uma boa quantia de dinheiro pra lhes dar.
- Tenho pra
vocês um conto e quietos réis...
Trato
aparentemente aceito, mas o levaram e mantiveram-no prisioneiro no coito e no
final da tarde o mataram a punhaladas e deixaram o cadáver exposto em outro
ponto da mata. Paisanos que passavam pelo local ao se depararam como aquela
cena medonha e fugiram esquecendo-se das montarias.
Atanásio
tira sem dificuldade mais coisas da sua centenária e incrível memória
Conta que
conheceu "Mariquinha" prima de Maria Bonita e companheira de Ângelo
Roque.
[Mariquinha
também era natural de Jeremoabo e foi assassinada por Odilon Flor no lugar
Riacho do Negro, (diz que na época o lugar também foi conhecido por Curral
do Saco)juntamente com os cabras Pé-de-peba e Chofreu. Quem participou desta
diligencia e está vivo para contar esta história é o ex volante Gerson Pionório
entrevistado por João de Sousa Lima Leia
Aqui ]
Cruzes dos
cangaceiros mortos no Riacho do Negro - Foto: João de
Sousa Lima
E que em 1938
após o massacre, descobriu que dois sobrinhos dele estavam junto com Lampião em
Angico. Um deles recebeu o vulgo de "Zeppellim" e o outro não lembra,
mas enfim, era o Pedrinho. Os dois conseguiram escapar. permaneceram escondidos
durante seis meses no povoado Caraíbas (Divisa entre Adustina e sitio do
Quinto).
- "O
Pedrinho tinha um ferimento de bala na coxa que ele tratou com farinha
molhada".
L.A. - E
o senhor? não chegou a ser convidado para pegar em armas e acompanhar os
cangaceiros?
- "Com os
meninos? Não, mas cheguei a marchar com Zé Rufino algumas vezes na persiga
de cangaceiros". Recebi um fuzil e uma recomendação dele -"Se
ver alguém não seja doido de atirar, espere minha ordem".
Seu Atanásio
disse que também serviu como coiteiro do célebre Corisco.
L.A. - E
Dadá, o senhor lembra dela?
- "A
Dadá? Ah ali era uma “cabocla positiva”. Uma vez eu pesquei não sei quantos
quilos de Jundiá pra ela e pra Corisco... Conheci o "Balão" e o
Mariano quando ele era comandado pelo diabo Loiro... e outros e outros".
"Esse
depoimento foi gravado no dia 2 de julho de 2013 e escrito dois meses depois.
Antes de publicá-lo eu precisava me certificar da condição atual do nosso
entrevistado. Hoje, 07 de junho de 2014 mantive contato com o nosso amigo e
anfitrião professor Salomão que foi buscar noticias junto a filha de Seu
Atanásio e ela nos assegurou que: Aos "112 anos" o pai dela está
vivendo seus últimos dias, meses, ou quem sabe até anos no rancho dele lá no
Sitio do Quinto".
Kiko Monteiro é pesquisador do cangaço e administrador do blog:
http://lampiaoaceso.blogspot.com.br/2014/06/seu-atanasio.html
http://blogdomendesemendes.blogspot.com