Por: Rangel Alves
da Costa(*)
Não era por
acaso que o pai, nos tempos idos, orgulhosamente colocava no seu filho o nome
de Honestino. Tinha certeza que a sua cria faria jus à escolha. E não só pelo
prenome que carregaria, mas também pela honradez caracterizada no sobrenome
familiar. E a valorização da família era cultivada como o próprio alimento de
sobrevivência. Ora, excetuando-se as sempre existentes ovelhas negras, bastava
que o indivíduo fosse reconhecido pelo tronco familiar do qual fazia parte.
Famílias
existiam - e certamente ainda respingam aqui e acolá - cuja fama de honradez
remontava desde outras raízes, num passado muito distante. Basta a lembrança do
nome e não há o que dizer que macule seu valoroso reconhecimento. As velhas
raízes, numa lição repassada de pai a filho, preocupavam-se demais com o nome a
zelar e por isso mesmo ensinavam aos seus que a honestidade é chave que abre
portas e fecha bocas maldosas.
Daí que tantas
vezes não precisavam sequer estar presentes para ter pedidos seus atendidos.
Fosse à distância que fosse, bastava um rabisco em folha torta ou mesmo um
recado por pessoa de confiança que o atendimento seria imediato. Assim para
comprar uma boiada ou qualquer coisa na vendinha da esquina. Ademais, não era
difícil se ouvir de comerciantes que entregaria a venda inteira se o amigo bom
pagador desejasse.
Entre os mais
velhos, a palavra dada possuía mais valor que qualquer documento assinado. O
compromisso também mantinha a feição de induvidosa obrigação. E tais aspectos
prevaleciam tanto nos negócios como nas demais relações cotidianas. Nos idos já
empoeirados do tempo, os pais comprometiam até mesmo o futuro dos filhos, pois
tantas vezes a infante nem atinava ainda para as coisas do coração e já estava
prometida ao menino filho do compadre. Era o destino, em nome da reputação,
antecipadamente feito.
Assinar papel
ou documento cartorial era uma formalidade quase que desnecessária. Tantas
vezes os negócios foram no proseado rotineiro e se transformaram em contrato
firmado na força da honra. Ademais, fugir às regras estabelecidas era cair no
rol da desconfiança, da negativa às futuras pretensões e do tratamento menos
caloroso perante os demais. Tais aspectos envolviam não só os nomes das pessoas
como de suas famílias, pois ser filho de alguém honesto, cumpridor dos
compromissos e da palavra, presumia ser portador da mesma honradez.
Principalmente
nos rincões interioranos, o compromisso e a seriedade prevaleciam até mesmo nos relacionamentos amorosos.
Geralmente acontecia que o apaixonado querendo logo casar, porém sem emprego
que garantisse o sustento, se bandeava para o sul do país em busca de meios
para concretizar seu sonho. Deixava sua namorada ou noiva aguardando o seu
retorno. E ela permanecia, sob o manto da decência e integridade, à espera do
seu amado. Mas que ninguém experimente fazer o mesmo nos dias de hoje. E pelas
razões que somente o traído custa a perceber.
Os exemplos
são muitos e felizmente ainda prosperam na peneira dos tempos, ainda que apenas
pouquíssimos grãos possam ser recolhidos. Nesse passo, tantos e mais tantos já deixaram
de ter lucratividade maior para não desfazer do negócio “apalavrado”. Já ouvi a
história de um que as últimas palavras antes do desfalecimento foram exatamente
“Prometi deixar a sela e o gibão pro caboclo Tião. Que se cumpra, em nome de
minha salvação”.
Em termos
políticos também, e como prova de que nem sempre sua prática esteve eivada de
vícios e aberrações. Honra política, compromisso, seriedade na escolha do
candidato, tudo isso já fez parte de seu percurso. Acaso determinado senhor
dissesse que tinha dez votos para oferecer ao candidato, era conta garantida e
certa. Podia abrir a urna que os votos estavam lá. Do mesmo modo,
diferentemente da prática costumeira de hoje, que nenhum candidato se metesse a
besta para oferecer dinheiro em troca de voto. Ouvia o que não queria e recebia
nas fuças o que merecia.
Atualmente,
pela falta de seriedade nos compromissos e até pelo negócio abjeto que se
tornou a política, não se confia mais nem em eleitor da própria família e muito
menos daquele que recebeu qualquer tipo de ajuda para votar. Aliás, é fato
corrente que é mais fácil confiar no estranho àquele que foi devidamente pago
para votar ou que alardeia o voto e aplaude o candidato. Por isso que o
candidato honesto demais, mesmo que jamais consiga sair vitorioso em qualquer
eleição, jamais deixa de ter seus votinhos. E precisamente de parte daqueles
que receberam dinheiro do outro.
Hoje em dia,
certamente que as peneiras terão pouco uso por falta de honestidade para
peneirar. Mesmo funil de boca larga dificilmente encontra quem queira se
arriscar. Não que a honestidade e os honestos tenham desaparecido, mas o
próprio convívio no meio social carregado de desonestidades, improbidades,
imoralidades e descaramentos, acaba produzindo efeitos nefastos à honra e
integridade naqueles que tentam se preservar.
Mas felizmente
ainda persistem aqueles cujo nome logo remete às melhores virtudes. E nem a
morte apaga as marcas do caráter, pois verdadeira relíquia em tempos de
fragilidades éticas e morais.
Rangel Alves
da Costa, nascido em 1963, é natural de Poço Redondo, no Alto Sertão Sergipano
do São Francisco. É advogado e escritor, e reside em Aracaju. Já publicou os
seguintes livros: Estórias dos Quatro Ventos (crônicas), Memória Cativa – O
Sertão em Prosa e Verso, Sertão - Poesia e Prosa, Tempestade (romance), Ilha
das Flores (romance), Evangelho Segundo a Solidão (romance), Desconhecidos
(romance), Todo Inverso (poesias), Já Outono (poesias), Poesia Artesã
(poesias), Andante (poesias), O Livro das Palavras Tristes (crônicas), Crônicas
Sertanejas (crônicas), Crônicas de Sol Chovendo (crônicas), Três Contos de
Avoar (contos), A Solidão e a Árvore e outros contos (contos), Poço Redondo –
Relatos Sobre o Refúgio do Sol, Da Arte da Sobrevivência no Sertão, Estudos
Para Cordel (prosa rimada sobre o cordel). Participou também da coletânea
Gandavos - Contando outras histórias. Possui outros livros prontos para
publicação, dentre os quais Nas mãos de Deus: um romance de injustiça e Entre a
Ficção e a História - O Cangaço Imaginário. Colabora com artigos para o Jornal
do Dia, de Aracaju. Diversos sites também publicam seus textos.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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