Por: Rangel Alves
da Costa(*)
Nunca duvidei.
Certeza de sertanejo. Depois do sertão em si, meu berço de nascimento, a coisa
que mais gosto na vida é da frutinha araçá. Quer dizer, gostava, pois desde
muito que não beijo naquela doce boca.
Araçá, meu
araçá, um dia disseram que você é minúscula goiaba. Mas que aleivosia, que
duvidosa afirmação de quem não conhece sua suculenta polpa nem seu sabor.
Também não conhece sua flor esbranquiçada e solitária.
Seu tronco
pequeno e tortuoso lembra uma catingueira que se esqueceu de crescer. Seu fruto
quando maduro, vermelho ou amarelado, lembra o brinco dourado de minha linda
donzela. Mas onde tu andas meu pequenino e doce amor?
Brinco dourado
do meu amor, joia preciosa achada na mata, tesouro escondido nas distantes
folhagens, ou apenas araçá surgido no olhar como graciosidade do paraíso. Um é
para admirar, dois é para querer mais, uma porção é para se apaixonar. E a boca
sempre quer mais desse beijo encantado.
Guardo comigo
essa triste recordação. Lá pelos tempos idos, a vendedora cortando as ruas
empoeiradas da cidadezinha, carregando um balde na cabeça e gritando,
oferecendo araçá amarelinho. Trazia de longe, do meio da mata, num esforço
descomunal, e ali oferecia cada porção a preço acessível.
Não lembro
mais quanto era meia lata ou uma pequena cuia de araçá. Pela gostosura, pelo
paradisíaco sabor, não era caro de jeito nenhum. O problema era ter de comprar
três ou quatro latinhas para saborear a contento aquela preciosidade.
Eram
amarelinhos os pequeninos frutos oferecidos pela vendedora. Perguntava onde ela
havia encontrado tanto assim para encher um balde, ela apenas respondia que de
canto a outro, na mataria distante, num esforço tremendo pela sobrevivência. E
só fazia tanto sacrifício porque precisava de um quilo de açúcar ou de farinha.
Aqueles eram
amarelinhos, mas eu sabia da existência de frutos vermelhos e esbranquiçados.
Sabia porque ouvia os mais velhos dizer que noutros tempos aquilo era
encontrado com fartura pelos quintais e que nem as cabras queriam mais.
De repente
tudo foi rareando, acabando de vez. Os quintais mudaram sua destinação, se
transformaram em espaço de quase nenhum cultivo, os araçaizeiros foram
definhando até sumir para sempre. E quem me dera ter alcançado aqueles tempos
do doce fruto ao redor da moradia.
Outros tempos.
E doces por causa do araçá. Também da meninice, do enxerimento pelos lados das
mocinhas sertanejas, das corridas desenfreadas em cima do cavalo de pau, das
brincadeiras infindas pelos descampados espinhentos, dos tantos banhos nas
águas do riachinho. Quem dera outra meninice, outra lata de araçá, outro luar
sertanejo no meu infante olhar.
Hoje a saudade
é grande, meu doce araçá. Saí de lá trazendo seu sabor e sua doçura juntinhos
do céu da boca. Por aqui, em meio a asfalto e indignação, é impossível
encontrá-lo perdido no meio de uma feira qualquer. O pior é que ninguém mais
fala em seu nome, não relembra com água na boca sua brandura encantadora.
Mas eu não
esqueço não, meu araçá. Jamais esquecerei. Recordo ainda a vendedora, seu
conhecido grito, e os brincos dourados por entre os meus dedos. Ávida boca para
senti-lo macio, ávido desejo de encher a mão e mastigar toda doçura de uma só
vez. Relembro e fico de água na boca. Mas seu eu chorar é pela infância que
ficou por lá.
Um dia haverei
de plantar um araçaizeiro no meu quintal. Encontrarei a semente e cultivarei o
tempo que for até colher o primeiro fruto. Mas não o levarei a boca faminta de
saudade. Apenas o terei como um espelho para avistar um tempo onde o prazer da
vida era possível com um simples beijo. Na pele doce do araçá.
Poeta
e cronista
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