Por Marina Severino
Em 28 de julho
de 1938, um pequeno casebre instalado a 550 metros das margens do Rio São
Francisco, na divisa de Sergipe com Alagoas, recebeu a tropa volante comandada
por João Bezerra da Silva. A visita tirou a vida de Lampião, Maria Bonita e
outros nove cangaceiros no conhecido Massacre da Grota de Angico. O momento se
tornou parte da identidade brasileira. O destino dos restos mortais,
entretanto, segue fora dos livros de história. Por onde esteve a cabeça do
cangaceiro, que só em 2003 foi entregue à família?
O tema serviu
de inspiração para o documentário do professor e sociólogo Norlan Silva, que
desde o início de 2009 pesquisa e entrevista especialistas e testemunhas. “Na
época, era comum usar a cabeça dos inimigos do Estado como troféu. A tropa
percorreu as cidades exibindo os restos do bando em conserva rústica. Era a
representação do fim do cangaço na figura de Lampião morto”, explica o
cineasta, que acredita ver na história a sintetização do comportamento de uma
geração.
Soteropolitano
radicado em Brasília, Norlan Silva tem 15 anos de formação em sociologia e o
cangaço o fascina desde a juventude. Cinéfilo, ex-dono de vídeo locadora e
desde 2007 matriculado no curso de cinema do IESB, o cineasta é novo na
profissão, mas levantou uma documentação diversa e aprofundada sobre os 64 anos
de afastamento dos restos de Lampião de sua família. Usando verba própria, ele
esteve em sete cidades à procura de laudos, registros e especialistas no
assunto. Em uma aventura cinematográfica, Norlan viajou sozinho com câmera e um
microfone de lapela, disposto a se hospedar em pequenas pensões ou onde
oferecessem pouso.
Cabeça de
Lampião começa exatamente na Grota de Angico, em Poço Redondo (SE), onde Norlan
usou a prática em pesquisas de antropologia para chegar a Silvano Félix Cruz,
membro de uma família de coiteiros – seu pai e seu irmão eram conhecidos de
Virgulino Ferreira e protegiam os cangaceiros. Em um casebre montado na grota,
o bando se hospedou por sete dias, tempo excessivo para os costumes de Lampião,
e foram traídos por um dos moradores da cidade. “Silvano me contou o que ouviu
que aquela traição resultou da briga de dois coiteiros por uma moça. Um deles
denunciou o outro para a volante como conhecedor do paradeiro dos cangaceiros.
O outro rapaz foi torturado e delatou”, detalha Norlan.
Aventura
O roteiro
segue trajetória levantada pelo cineasta a partir de livros sobre o assunto e
das histórias contadas pelos habitantes de Poço Redondo. Da cidade, Norlan
seguiu para Piranhas (AL), Santana do Ipanema (AL), Salvador, Rio de Janeiro e
Maceió, locais por onde o denominado “desfile macabro” passou. “Em Maceió, a
tropa foi condecorada e as cabeças exibidas na Praça Floriano Peixoto, mas no
Rio há controvérsias até sobre a chegada da cabeça. Supõe-se que apenas Getúlio
Vargas e parte da elite tenham visto o troféu”, afirma.
Do Nordeste ao
Rio, a viagem levava, na época, cerca de um mês. Apenas em 1939 aparecem novos
registros da passagem da cabeça, agora por Salvador, que chega à cidade a
pedido de Estácio de Lima, professor emérito de medicina e direito da
Universidade Federal da Bahia, para ser estudada sob luz da teoria
lombrosiana(1). Lamartini Lima e Maria Thereza Pacheco, médicos legistas da
época ainda vivos e integrantes da equipe de Estádio de Lima, estão entre
personagens chave de Na trilha de Lampião.
Uma das
pérolas do documentário, ainda em fase de finalização, está o depoimento do
coveiro José Barbosa, do Cemitério Público da Quinta dos Lázaros, em Salvador,
onde foram enterradas personalidades do cangaço como Corisco, Lampião e Maria
Bonita e o guerrilheiro Carlos Lamarca. Em 1969, a ossada foi enterrada pela
primeira vez por José Barbosa. “Houve um deslizamento depois, em 1993, e ele
era o único capaz de reconhecer a localização e distinguir cabeças dos reis do
cangaço entre outras do bando, como Zabelê, canjica e Azulão”, recorda Norlan
Silva.
Pensado
originalmente como filme didático para escolas e universidades, já são
desejados saltos maiores. O curta Na trilha de Lampião, finalizado a partir de
depoimentos de Silvano Félix Cruz, está pronto para festivais. Há previsão
ainda de versões de 50 minutos para TV e, talvez, uma estendida para disputar
espaço nas telonas.
1 –
Discriminação científica
Cesare
Lombroso, cientista italiano, publicou em 1876 sua teoria, que seria base para
estudos positivistas na época. Segundo ele, certos homens nasciam criminosos e
essa característica seria consequência de fatores biológicos. Os sinais seriam
comprováveis por meio dos estudos anatômicos.
Fonte: Correio
Braziliense, por Marina Severino.
http://www.marinamara.com.br/2009/12/21/documentarista-brasiliense-investiga-a-trajetoria-da-cabeca-de-lampiao/
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