Por Antônio Corrêa Sobrinho
AMIGOS,
O “Jornal de
Recife”, na sua edição de 25 de fevereiro de 1926, transcreveu a matéria
(abaixo) publicada dias antes, em 13 de fevereiro, pelo jornal “Gazeta de Juazeiro”,
onde lemos uma entrevista concedida por Lampião a um senhor chamado Francisco
Xavier, na localidade Poço Brejo dos Santos, quando este cangaceiro e seus
comandados viajavam para o Juazeiro Norte, no Ceará, para estar com Padre
Cícero, encontro que de fato ocorreu nos dias iniciais de março daquele 1926.
Causou-me
espécie o fato desta publicação não ter sido divulgada pela imprensa em geral,
salvo, dos que eu tive acesso, por este diário pernambucano; tampouco foi
sequer mencionada pelos pesquisadores e autores do Cangaço. Ao contrário da
entrevista dada por Lampião ao senhor Otacílio Macedo, nos dias 5 e 6 de março,
já em Juazeiro, alardeada pela imprensa nacional.
Teriam sido as
causas apontadas por Lampião, nesta entrevista, as que levaram Lampião ao
poderoso Padre Cícero, qual seja, a de formar na região um exército a fim de
declarar guerra aos estados de Pernambuco e Paraíba, e, com isso, no final,
conseguir ser anistiado?
Leiam a
reportagem e fiquem à vontade para expor o que acham a respeito, afinal de
contas este é um grupo criado com o propósito de estudar o cangaço.
OS CANGACEIROS
NO CEARÁ
O JORNAL DO
PADRE CÍCERO FORNECE INTERESSANTE INFORMAÇÕES SOBRE “LAMPIÃO” E SEU BANDO.
O CÉLEBRE BANDOLEIRO ANDA FARDADO DE CORONEL. O SEU ESTADO-MAIOR. – TAMBÉM ESPERA ANISTIA! – INTERESSA-SE PELA LEITURA DOS JORNAIS
O BANDITISMO NOS SERTÕES
Da “Gazeta de
Juazeiro” transcrevemos a seguinte notícia sobre o bandido Lampião e seu bando:
Tem chegado a
Juazeiro levas e levas de imigrantes vindos de Pinhacó e outros pontos da
Paraíba, corridos pelos bandos de malfeitores que têm devastado aquela região
matando, roubando, lançando o terror por toda a parte.
PEDINDO A
PROTEÇÃO DO PADRE CÍCERO
Todos vêm
pedir a proteção do padre Cícero e se obstinam em permanecer no Juazeiro, único
ponto onde se julgam a salvo do banditismo.
Os grupos que
têm operado na região acima citada são os de Lampião, de Araújo e Sabino,
confederados num total de 45 homens, os quais de volta de Aurora, penetraram na
Paraíba e depois das mais terríveis depredações, voltaram ao Ceará para, em
seguida, internar-se nos sertões do Pajeú, Pernambuco.
A “Gazeta”
colheu impressionante reportagem a respeito de Lampião, chefe dessa confederação
de bandidos, ao passar com o seu bando por Brejo dos Santos, na direção de
Pajeú.
Estava o Sr.
Francisco Xavier no seu sítio Poço Brejo dos Santos, quando apareceu ali
numeroso grupo de bandidos pedindo-lhe pousada. Vinham todos a cavalo e estavam
armados até os dentes.
O Sr. Xavier
não pôde deixar de dar pousada aos estranhos hóspedes que se mostraram desde
logo sem cerimônia, tomando conta da casa.
Como era
natural, entabulou-se conversação entre o dono da casa e os bandidos.
LAMPIÃO FAZ A
SUA APRESENTAÇÃO
Lampião fez a
sua apresentação nestes termos:
- Eu sou o
coronel Lampião, o homem mais valente do Brasil.
Em seguida,
apresentou os principais do bando.
- Aqui o meu
estado-maior: major Horácio Neves, meu secretário... capitão fulano... tenente
sicrano.
De fato
estavam fardados como verdadeiros militares, cada um apresentando as divisas
dos seus imaginários postos.
Coronel, que
anda fazendo por aqui com sua tropa? – perguntou Xavier, em tom respeitoso,
dirigindo-se a Lampião.
RECRUTANDO
GENTE PARA A GUERRA
- Ando
recrutando gente para a guerra...
Xavier não
compreendeu bem a resposta e Lampião se pôs a conversar desembaraçadamente
expondo todos os seus planos com desassombro.
- Por ora
somos 32 homens, 32 que você está vendo e mais 20 que mandei a uma diligência
(incendiar as propriedades de um fazendeiro na Paraíba). Vim ao Ceará somente
recrutar gente para a guerra. Pretendo agora no Pajeú completar uma força de
200 homens para atacar uma cidade importante de Pernambuco, a fim de aumentar o
número de homens a 1000. E dizendo isto mostrou uma porção de rifles e munição
que levava de sobressalência para distribuir com os novos recrutas. As
condições do engajamento eram as seguintes: Lampião daria um rifle com munição,
fardamento e 100$000 em dinheiro ao recruta e este então que fizesse pela vida
daí por diante.
- E para que o
coronel quer tanta gente? – indagou Xavier curioso.
- Não lhe
disse que é para a guerra? – tornou Lampião. Quero juntar 1000 homens para
declarar “guerra oficial” aos Estados da Paraíba e Pernambuco. Hei de fazer uma
guerra tão violenta a estes Estados que o meu nome ficará na História.
- E não tem
medo do governo federal?
Lampião riu
ironicamente.
À ESPERA DE
ANISTIA
- Nós não
sabemos o que é medo. O meu plano é resistir como um leão até o governo nos
conceder anistia.
Xavier estava
de queixo caído. Todavia, Lampião prosseguiu:
Agora vou
lutar a descoberto. Estou aborrecido de caminhar por veredas. Só andarei agora
pelas estradas e faço questão de encontrar-me com os “macacos” do governo.
As pessoas que
nos deram estas informações são as mais respeitáveis possíveis, e nos
significaram que esta atitude inesperada de Lampião está com o seu caráter
profundamente modificado, talvez devido à celebridade que o seu nome tem ganho.
Nas horríveis
depredações da Paraíba, era dos chefes o mais generoso e moderado, na expressão
do “O Rebate” de Cajazeiras que, na edição de 7 do andante, noticiou os ataques
aos sítios Cipó e Catingueira.
AS SIMPATIAS
DE LAMPIÃO PELO CEARÁ
No Ceará deu
500$ para o conserto de uma capela, deu mais 100$ de esmola a uma velhinha e
obrigou um dos seus bandidos a restituir 60% que roubara a um pobre lavrador.
A primeira
selvageria de Lampião parece diminuiu um pouco. A preocupação de deixar o nome
na História, a vaidade que o leva a arquitetar “planos políticos” o tornaram
mais humano.
Uma farda de
coronel do Exército, meias de seda, camisa palha de seda, lenço também de seda
ao pescoço, passado num anel de brilhante, relógios, pulseira nos dois punhos,
bornal e cartucheira ataviados com moedas de ouro, chapéu de abas largas, ao
modo dos bandidos do cinema.
MANIA PELOS
JORNAIS
Nas pousadas,
enquanto um toca harmônica e os outros jogam moedas de ouro no chão onde se
espalham como tapete as mantas dos cavalos, o major Horácio Neves lê as últimas
notícias dos jornais para o coronel Lampião que o ouve atentamente,
interrompendo-o aqui e ali para fazer os seus comentários sempre galhofeiros.
A última mania
de Lampião são os jornais. Gosta de ver o seu nome em letra de forma e
interessa-se especialmente pelas notícias relativas aos revolucionários de
Isidoro aos quais vota um verdadeiro culto de admiração.
A evolução do
bandido se completa. Depois de tentar contra a segurança do Estado.
Quando
terminará no Nordeste a vergonha do banditismo?
Do “Correio do
Ceará”, 13.02.1926
Jornal de
Recife - 25.02.1926
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