Por João de Sousa Lima
A fazenda Quirino, no povoado São Francisco, Macururé, Bahia, era um dos
coitos do bando de Lampião e principalmente reduto dos cangaceiros nascidos
entre Macururé, Brejo do Burgo, Santo Antonio da Glória e Chorrochó.
Entre eles Gavião, Azulão, Esperança, Cocada, Zé Sereno, Zé Baiano e Gato.
No povoado São Francisco a mãe de Esperança, dona Andressa, tinha terras
por lá, porém ela residia na Várzea da Ema. O comandante de volante que
destacava na Várzea da Ema era Antonio Justiniano e dois dos soldados que ele
comandava eram irmãos de Esperança: Vicente, apelidado de Medalha e Ananias.
A fazenda Quirino pertencia a Ludugero, tio do cangaceiro Esperança.
Esperança, Cocada, Pancada e Gavião, encontravam-se acoitados próximo ao sítio
Quirino. Dentro de um cercado os cangaceiros catavam imbu quando chegou o dono
do terreno e Cocada o prendeu e depois o soltou. O sertanejo correu e foi
avisar a polícia do encontro que teve com os cangaceiros.
Izidoro,
João Lima e José Pororô. Sobrinhos de Esperança abraçando o escritor João de
Sousa Lima.
Dona Andressa sempre que precisava ir ver suas criações no São Francisco tinha
que pedir autorização ao comandante do destacamento e foi em uma dessas viagens
que ela travou diálogo com o contratado Reginaldo que lhe sugeriu pedir para
que Esperança se entregasse que nada lhe aconteceria, de preferência que ele
trouxesse a cabeça de um companheiro que sua vida tava garantida. Andressa
levou o recado ao filho que mesmo relutante acabou cedendo aos apelos da
querida mãe. Reginaldo mandou roupas novas de mescla azul para Esperança. O cangaceiro
ainda relutante disse a mãe que não tinha coragem de se entregar e a mãe saiu
triste.
João
e Jovelina Barbosa, irmã do cangaceiro Azulão, povoado São Francisco.
Era março de 1933, no coito encontrava-se Esperança, Cocada, Gavião e Pancada.
Esperança chamou Cocada para irem pegar água em um caldeirão ali próximo.
Os dois seguiram na direção do caldeirão. Diante quando chegaram ao caldeirão
sentaram-se e ficaram conversando. Cocada limpou sua arma e depois pediu a arma
do amigo para ele limpar e Cocada entregou seu mosquetão. Esperança limpou,
colocou uma bala na agulha e detonou. O cangaceiro com o impacto do tiro caiu
uns dois metros de distância e sem saber de onde tinha partido o disparo pediu
socorro:
- Me acode
Esperança, não deixe os “MACACOS” me matar!
Esperança pegou o facão da marca jacaré, partiu na direção do moribundo e o
degolou ainda com vida. Pegou os bornais, armas, a cabeça do cangaceiro e foi
se entregar a policia. Na Várzea da Ema ele se entregou as autoridades,
contou detalhes da morte que fez, denunciou os coitos dos cangaceiros na região.
Com dez dias depois foi encaminhado para a cidade de Uauá, onde o
capitão Manoel Campos de Menezes que o livrou da prisão e o incorporou na
volante policial do tenente Santinho como contratado . Ficou sendo o corneteiro
do grupo. Trabalhou em Jeremoabo e faleceu tempos depois na cidade de Juazeiro,
Bahia.
AINDA NA
PRISÃO EM VÁRZEA DA EMA.
O cangaceiro Esperança quando preso, já atendendo agora por Mamede, seu nome
real, encontrou o com o jovem sobrinho José Gonçalves Varjão, apelidado
de Pororô e lhe confidenciou que na frondosa árvore lateral a casa de sua
família, enterrado próximo ao seu tronco, tinha um material guardado e que ele
tirasse e entregasse a seu pai. Pororô procurou ao redor da árvore mais diante
da pouca idade não encontrou forças para continuar a empreitada de escavação no
duro chão de cascalhos. O tempo passou, Pororô cresceu e retornando certo dia
de uma caçada, quando se aproximava de sua velha residência, viu quando seu
cachorro passou acuando um preá, o cachorro parou próximo a antiga e frondosa
árvore, Pororô se aproximou e viu o cão rosnando e olhando para um pé de
macambira, Pororô tirou a cactácea e avistou uma lajota cobrindo um buraco,
tirou a pedra, o preá correu com o cachorro latindo atrás, Pororô puxou um
tecido em farrapos que cobriam algumas peças, entre elas: Uma colher de prata,
160 cartuchos de fuzil, um punhal, uma espora e algumas moedas. Era esse o
tesouro de Esperança que ele havia pedido para o sobrinho guardar. Pororô
vendeu os cartuchos a um dos prefeitos de Macururé. A colher de prata, algumas
moedas, o punhal e uma das esporas ele me presenteou. Na colher encontramos as
letras: MA. Talvez o cangaceiro tenha tentado escrever seu verdadeiro nome:
MAMEDE. No punhal tem um “NA” ou “NH”.
Sargento
Otávio Farias, radiotelegrafista da policia baiana, serviu na Várzea da Ema,
enviava sempre as mensagens contando os combates dos cangaceiros contra as
volantes.
Pororô
ainda reside e seu irmão Izidoro ainda residem no São Francisco e os Quirino é
herança que ficou com a família. Aquele longínquo pedaço de chão ainda guarda
as histórias do cangaço vivido em suas terras, memórias ainda latentes de um
tempo que teima em não ser esquecido e nem deve....
SEGUE EM ANEXO
A ESSE TEXTO UMA DAS CARTAS DE INTERROGATÓRIOS REALIZADOS PELA POLÍCIA E QUE
MOSTRA A IMPORTÂNCIA DESSES LUGARES CITADOS COM A HISTÓRIA DO CANGAÇO E A
REFERÊNCIA COM PESSOAS DA LOCALIDADE. A CARTA VAI TRANSCRITA NA INTEGRA COM OS
ERROS E INCORREÇÕES:
“Aos três do mês de maio de 1932, no arraial de Várzea da Ema em casa de
residência do segundo tenente Antonio Justiniano de Souza, sub delegado de
policia, foi interrogado o bandido acima referido que disse:
“Em 1929, estando ele bandido, em seu rancho no lugar denominado São Francisco,
foi surpreendido pelo grupo de Lampião que ali chegava a mando do Cel.
Petronílio de Alcântara Reis, para que fosse as imediações do Icó e ali receber
dinheiro enviado para Lampião, cuja importância era 20:000$000, mas só foram
entregues 18:000$000 e que dois restantes Lampião disse que dava por recebido,
quando lhe mandasse um cunheito de munição; o que não sabe-se se isso
efetuou-se, mais depois ouviu do bandido ferrugem a declaração de que
teve referido Cel. Petronilio havia comprado munição. E que devido a esse
encontrão foi ele depoente obrigado a refugiar-se nas Caatingas, pois as forças
andavam a sua procura tendo por isso de quando em vez constantes encontros com
os cangaceiros, merecendo do mesmo consideração a ponto de lhe ser entregue por
“Lampião” um rifle com cem cartuchos, os quais conservou até a data de sua
prisão, não tendo, porém feito uso da dita arma para a prática de crime.
Cabeça
do cangaceiro Cocada, morto por Esperança.
Que sempre foi seduzido por “Lampião” para fazer parte do seu grupo, mas
nunca aceitou, apesar de ter parente no grupo, como sejam: Azulão, Carrasco e
Moita Brava. Que esses encontros se efetuavam no lugar denominado Quirino para
Lagoa Grande, sendo os sinais convencionados para os referidos encontros,
três pancadas em um pau seco, ou então berrando como boi; que nunca
recebeu dinheiro de “Lampião” a não ser algumas roupas dadas pelos cãibras.
Punhal do cangaceiro Esperança
Que nos últimos encontros que “Lampião” teve com as tropas. Ele respondendo
notou que alguns companheiros estavam desgostosos por verem os sacrifícios da
causa, que nessa data viajaram nos “cascalhos” das aroeiras com direção a
Várzea pernoitando a três quilômetros de distância.
Colher
de prata de Esperança presenteada ao escritor João de Sousa Lima pelo sobrinho
do cangaceiro
Que nessa mesma noite desligou-se do bando a meia noite com Manoel Sinhô de
Aquileu, sem que fossem pressentidos pelos outros e vieram pairar nas “Canouas”
onde foram informados por Pedro de Aquileu que havia garantia para todos
aqueles que tinham ligações com cangaceiros, uma vez que procurassem as
autoridades para se entregarem.
Detalhe
do cabo do punhal de Esperança.
E baseado nisso em companhia de Pedro veio à procura do Tenente Justiniano em
Várzea de Ema onde se acha. Disse mais que “Lampião” depois do combate do touro
com o Tenente Arsênio cuja força foi imboscada e morreu quase toda, escapando o
referido oficial, pois é um herói que infrentou o grupo que era numeroso, com
um fuzil metralhadora dando somente três rajadas conseguiu matar o irmão de
Lampião, Ponto Fino e sendo forçado a abandonar a arma deixando-a inutilizada
pelos bandidos.
Iniciais
MA escrito no cabo da colher de prata. A prata foi muito usada pelos
cangaceiros para testarem bebidas e comidas se estavam envenenados.
Que nessa ocasião encontrou Lampião cartas ao Cel. Petronilio acusando Lampião,
por isso Lampião resouveu queimar algumas fazendas referido Cel. Petronilio.
Detalhes
do punhal e da colher de prata.
Disse mais que ouviu de Lampião dizer que tinha mil tiros de fuzil enterrados
em um ponto lá para baixo, não declarado ao certo o lugar e que ia também a
Curaçá à procura de outros mil tiros que tinha para lá.
Ludugero,
tio de Esperança, dono da fazenda Quirino.
Quanto ao armazenamento sabe que Lampião tem alguns rifles ensebados em
ocos de pau (ensebados, para não darem o bicho próprio de madeira).
Perguntado quais são as pessoas que fornecem armas a Lampião respondeu que não
conhece mais sabe que nas fazendas Juá, Várzea, e São José há “coitos” onde
lhes prestam bastante serviços em abastecimentos.
E por nada mais dizer nem lhe ser perguntado deus-se por findo estas
declarações ao presente auto que vae por todos assignados pelo tenente e
testemunhas.
Várzea da Ema,
7 de maio de 1932”
Paulo Afonso,
Bahia, 16 de fevereiro de 2013
João de Sousa
Lima é historiador e
escritor, Membro da ALPA - Academia de Letras de Paulo Afonso. Membro do IGH -
Instituto Geográfico e Histórico de Paulo Afonso Membro do
Grupo de Estudos do Cangaço do Ceará- Fortaleza- CE.
http://www.joaodesousalima.com/2013/02/cangaceiro-esperanca-sua-prisao-e-sua.html
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