Por Rangel Alves da Costa*
A questão do acaso sempre despertou debates filosóficos, religiosos e científicos. As ciências se preocupam com as leis das causalidades e também das casualidades. Aquelas como causa e efeito dos fenômenos, e estas como os acontecimentos fortuitos que modificam os mesmos fenômenos. A filosofia entende o acaso no contexto da aleatoriedade, o situando, portanto, na esfera da probabilidade. Já a religião não vê o acaso senão como uma intervenção divina, o que pressupõe não uma casualidade e sim uma confirmação do que já estava predestinado a acontecer.
No âmbito da filosofia há um sistema que procura negar totalmente a existência do acaso, mas sem, contudo, validá-lo na sua feição religiosa. Dá-se o nome de determinismo a tal sistema. Segundo a teoria determinista, todo e qualquer acontecimento é determinado por um acontecimento anterior. Assim, o segundo evento será sempre consequência do primeiro. Noutras palavras, há uma relação de causalidade entre os acontecimentos. Por consequência, nada existe ao acaso, pois tudo reflexo causal de algo anterior.
No conceito geral, contudo, o acaso é visto na esfera do fortuito, da casualidade, do inesperado. Assim, não há predeterminação no acaso porque é acontecimento aleatório, sem que possa haver qualquer previsão. Não haveria qualquer explicação aparente para determinado acontecimento nem se poderia antever probabilidade de incidência. Desse modo, nada possui relação anterior que permita a causa posterior. É neste sentido que se diz que somente o acaso para fazer algo inesperado acontecer.
Como observado, os entendimentos são diversificados e contraditórios. Contudo, pessoalmente – e filiando-me ao seu sentido religioso -, ouso afirmar que nada acontece ao acaso. Verdadeiramente nada, mas nada mesmo, acontece como acaso na vida. Em tudo há uma motivação, uma predisposição ao acontecimento, um chamado para que aconteça. Daí se ilude quem imaginar que as coisas simplesmente acontecem sem que forças próprias ou superiores ajam como mecanismos propulsores.
Verdade que o acaso está muito mais na esfera espiritual que nas intencionalidades pessoais. O homem não pode negar ou fugir ao que lhe foi predestinado fazer, mas o ânimo para a ação depende também da pessoa. Mesmo não sendo dono de seu destino, o ser humano se torna colaborador essencial com os acontecimentos que digam respeito à sua vida, ao seu bem-estar, à sua preservação. Ressoa, então, aquela velha história que cada um acaba trazendo para si o bem ou o mal que mereça.
Contudo, são alguns aspectos da espiritualidade que fazem com que a preexistência do acaso seja negada ou contestada por muitos. Aqueles que não creem em destino, em predestinação ou escrita de vida, certamente dirão que é o próprio ser humano que constrói seu instante e seu futuro, sem qualquer intercessão de força superior. Negam, pois, o acaso como uma junção de elementos que são interligados para que os eventos ocorram. E negam que Deus não é o poder que está por trás dos acasos da vida.
Ora, mas ainda assim não conseguirão negar que nada acontece ao acaso, e simplesmente porque nada acontece ao homem sem que o próprio homem motive o acontecimento. Mas o homem se move para que as coisas aconteçam porque assim já previsto nas páginas de seu destino. E este se pode moldar, mas não mudar. O que, em síntese, significa dizer que o destino pertence a Deus e o caminho ao homem.
Entretanto, sempre compreensível quando a maioria das pessoas nega a mão destino quando ocorrem tragédias. O termo tragédia logo provoca a sensação de algo acontecido contrariamente à vontade de Deus. E realmente é contra a vontade divina, mas não do homem. O destino concedido por Deus pode ser negado pelo homem. Deus coloca o homem no início da estrada como destino, mas os passos pelo caminho competem ao próprio homem. Pensar diferente seria o mesmo que dizer que a pessoa nada faz para que as coisas aconteçam. Ora, as pessoas buscam os acontecimentos, vão em direção aos fatos.
Certamente que Deus não concedeu a nenhum ser humano o destino da maldade, da crueldade, da bestial violência. Ninguém vive matando ou ferindo sob a alegação de que esteja cumprindo uma sina, um fadário. Deus não é partícipe do cometimento de nenhum mal. Ao homem foi dado o destino da existência, do crescimento e da multiplicação, e ainda o livre-arbítrio para suas escolhas na vida. Entretanto, transformar o livre-arbítrio em caminho do mal sujeita o indivíduo ao inesperado na normalidade da vida. Por conta própria, estará fugindo do seu destino e agindo segundo a casualidade.
Mas o que dizer quando pessoas de bem, vivendo na normalidade dos dias, prematura ou acidentalmente são ceifadas pelas forças do destino? Eis os mistérios, eis os planos secretos de Deus. Ainda assim, considerando que nada na vida acontece ao acaso, pois tudo em obediência a uma predeterminação superior, logo se há de compreender que nenhuma ira divina fez recair o chamado sobre o indivíduo. Por mais difícil que seja para o enlutado compreender, a morte é uma vida que Deus deseja que continue viva ao seu lado. E somente Ele sabe por quê.
Entendo, então, que nada acontece ao acaso. Tudo acontece segundo uma escrita imperceptível ao olho humano. Tudo existe a partir de planos secretos, divinos, embora ao homem seja tão difícil entendê-los.
Poeta e cronista
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