"Francisco
Fernando Felipe Luís Maria de Orleans, Príncipe de Joinville, terceiro filho do
Rei de França Luís Filipe, casou em 1843 com a Princesa D. Francisca de
Bragança, irmã de D. Pedro II, Imperador do Brasil. Como Contra-Almirante em
1840, foi nomeado comandante da divisão da esquadra francesa encarregada de
repatriar os restos mortais de Napoleão Bonaparte sepultados em Santa
Helena.
Para cumprir
essa missão, deixou a França com as fragatas “Belle-Poule” e “Favorite”,
tocando em primeiro lugar no porto de Tenerife, nas Canárias. Fez uma parada no
Brasil que havia visitado em 1838, aportando na Bahia, onde o esperava uma
aventura bem pouco interessante, segundo conta nas suas “Memórias”.
Estando a sua
esquadrilha fundeada diante da velha cidade do Salvador à espera de vento de
feição que a levasse à Ilha de Santa Helena, resolveu o Príncipe francês, para
matar o tempo, realizar uma excursão venatória no Rio Paraguaçu, que êle
denomina Cachoeira. Fretou pequena lancha a vapor e, em companhia de alguns de
seus oficiais, se dirigiu ao Recôncavo, subindo o rio sem encontrar viva alma
até grande distância da foz.
Em certo
ponto, deixou a embarcação ancorada e se meteu pelos matos, fazendo, diz êle,
grande matança de papagaios, tucanos e outros animais.
Ao pôr do Sol,
meteram-se os caçadores por um caminho que, atravessando vasta clareira, os
levou a uma povoação, a qual encontraram absolutamente deserta. Não se via uma
pessoa na sua praça e nas suas ruas. As casas de moradia e de comércio se
achavam tôdas fechadas. A igreja, aberta e deserta, ainda rescendia ao incenso
duma cerimônia religiosa que se deveria ter realizado havia pouco tempo.
“O povoado
assim repentinamente abandonado"— escreve o Príncipe de Joinville —
começou a nos intrigar.
Como se
aproximasse a noite, decidiram os franceses regressar a bordo e voltaram
tranquilamente para a sua lancha pelo mesmo caminho.
Mas, quando se
preparavam para embarcar, foram repentinamente cercados por uma verdadeira
multidão, armada de espingardas, chuços, sabres, facões e paus.
Não puderam o
Príncipe e seus oficiais oferecer a menor resistência, pois logo os agarraram,
os desarmaram, os separaram uns dos outros, os moeram a pau e os arrastaram
para os matos. A maioria dos atacantes compunha-se de negros e mulatos,
que vociferavam e metiam o cacete a torto e a direito, de maneira que os
franceses tiveram a impressão nítida de se acharem em poder duma horda de selvagens.
O Principe
tentou fazer-lhes compreender com algumas palavras de mau português, que era o
comandante dos navios de guerra franceses na Bahia. Ao mesmo tempo, dizia-lhe
que êle e os seus se arrependeriam, se lhe fizessem algum mal e aos seus
companheiros.
O poviléu
furioso não lhe deu ouvidos. Arrastou-o a um montículo, onde o encostaram para
o fuzilar, aprestando-se meia dúzia de pretos para isso com suas
espingardas.
Joinville foi
salvo pelo Tenente Touchard , que conseguiu desembaraçar-se dos que o seguravam
e cobriu com o seu o corpo do Príncipe. O tal homem da faixa conseguiu impor
ordem àqueles endemoniados e ouvir as explicações dos mal-aventurados caçadores
de tucanos e papagaios.
À excitação
sucedeu a calma. Os franceses puderam dizer quem eram e o que andavam fazendo.
E o tal homem da faixa mandou que os soltassem, dando-lhe explicações que
aclararam.
Os habitantes
do vilajero baiano haviam confundindo os franceses com cangaceiros matadores,
pois em um agitado período de eleições, o povo do vilajero foi ameaçado de
morte por um político local por não terem apoiado a Revolta da Sabinada,
ocorrida anos antes.
Narrando o
acontecido, o Príncipe de Joinville termina um tanto melancolicamente: “Fomos,
sem demora, postos em liberdade, com muitas desculpas, que, porém, não
atenuaram os efeitos das pancadas recebidas”. O que nos permite afirmar que Sua
Alteza, antes de conduzir o corpo de Napoleão para os Inválidos, foi na
verdade, embora por equívoco, surrado na Bahia.
O lamentável
incidente motivou, como era natural, uma troca de notas diplomáticas entre as
Chancelarias da França e do Brasil. O Govêrno Imperial deu as satisfações que o
caso exigia e mandou proceder a rigoroso inquérito na Vila da Cachoeira, cuja
população praticara o feito.
Três anos mais
tarde, esquecendo de todo aquela surra, o Almirante-Príncipe de Joinville
casava com D. Francisca, Princesa brasileira, a qual seria, na intimidade da
corte de França, a bela e simpática Chicá.
Fonte:
"Segredos e Revelações da História do Brasil" - Gustavo Barroso.
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