Novo livro na praça: Fideralina Augusto Lima: Política, Papéis Sociais, Parentesco e Educação Sertaneja. Autor: Rui Martinho Rodrigues. 249 páginas. Preço 50,00 como frete incluso.
- Repito e assevero, e com raiva da gota serena: “Seus usurpadores, seus
espertalhões, precisam respeitar Poço Redondo. E digo mais: como Poço Redondo
não se diz dono do que não é seu, como Poço Redondo não modifica mapas nem
roteiros turísticos para acrescer ao seu território o que não lhe pertence,
então se dignem em fazer o mesmo. Não monopolizem economicamente nem usurpem
descaradamente o que é nosso!”. Digo isso com relação ao Angico.
Municípios vizinhos, tanto em Sergipe como Alagoas, desde muito que vem
vendendo a Gruta de Angico como destino turístico que lhes pertence. Chegam a
ter o cinismo em dizer que o local onde morreu Lampião, Maria Bonita e mais
nove cangaceiros (e um soldado da volante) faz parte de seus territórios geográficos.
No passado, e no sentido de ampliar os limites de seu município e, logicamente,
levar Angico para o seu lado, o ex-prefeito Galindo, de Canindé de São
Francisco, chegou a encomendar um estudo de verificação de limites
territoriais. Deu-se mal na encomenda, pois a área pertencente a Poço Redondo
aumentou ainda mais. E todos os dias roteiros turísticos são anunciados e
avistados mostrando, acintosamente, que Angico faz parte do município de
Piranhas. Quer dizer, na tentativa de enganação, não respeitam sequer os
limites impostos pelo Rio São Francisco. Do mesmo modo fazem as reportagens
jornalísticas e televisivas. Ou os repórteres não passam de ignorantes ou estão
sendo pagos para mentir, pois a verdade é que dizem que a Gruta de Angico está
situada em todo lugar, menos em Poço Redondo.
Outro dia, um conhecido puxa-saco
de Piranhas e aproveitador das benesses da administração local, comentava que a
Gruta de Angico não pertence mais a Poço Redondo por ser um patrimônio
histórico nacional e até mundial. Sim, seu bajulador, patrimônio é, riqueza
histórica é, mas localizado, situado e fincado em Poço Redondo. Que engula ou
não, mas Angico é Poço Redondo, sim. As Grandes Pirâmides ficam onde? A Torre
Eiffel fica onde? A Estátua da Liberdade fica onde? Ora, todos são patrimônios
locais, nacionais e mundiais, mas com endereço certo, com localidades exatas:
Cairo, no Egito; Paris, na França; e Nova Iorque, nos Estados Unidos. E por que
Angico pode ser tomado na tora?
“Aqui no Nordeste brasileiro nós sabemos que o cangaceiro não é uma formação espontânea do ambiente. Nem sobre ele influi a força decantadamente irresistível do fato econômico. Nas épocas de seca a fauna terrível prolifera, mas nenhum componente é criminoso primário. Os bandos têm sua gênese em reincidentes, trânsfugas ou evadidos. Nunca a sugestão criminosa levou um sertanejo ao cangaço. É cangaceiro o já criminoso. E criminoso de morte.
Depois de tanta discussão explicativa fica-se sem saber de que elementos estranhos sai o tipo hediondo, que outrora inda conservava o tradicional “panache” do heroísmo pessoal, do respeito às mulheres e aos velhos e da solidariedade instintiva à bravura. Nunca um cangaceiro digno desse nome matou um homem reconhecidamente bravo. Quase sempre ficavam amigos ou mutuamente se distanciavam.
Mas qual seria o fator psicológico na formação do cangaceiro? Para mim é a falta de Justiça, que no Brasil é corolário político.
A vindita pessoal assume as formas sedutoras dum direito inalienável e sagrado. Impossível fazer crer a um sertanejo que o tiro com que ele abateu o assassino de seu pai deve levá-lo à cadeia e ao júri subsequente. Julga inicialmente um desrespeito a um movimento instintivamente lógico e que a Lei só deveria amparar e defender. Daí em diante surgirá o cangaceiro vítima de sua mentalidade. Ele descende em linha reta das “vendettas” e da pena do Talião.
Este é o aspecto raro. O comum é o sertanejo matar o assassino que ficou impune e bazofiador. Neste particular a ideia de prisão é para ele insuportável e inadmissível. Surge, fatalmente, o cangaceiro.
A desafronta constitui a característica inicial do “bravi”. Numa alta proporção de oitenta por cento o cangaceiro do Nordeste brasileiro apareceu num ato de vingança. E são estes justamente os grandes nomes que o sertão celebra num indisfarçado orgulho que não dista da possível imitação.
Adolfo Rosa quis uma prima e o tio mandou prendê-lo num tronco. Dois dias depois o tio estava morto e surgia Adolfo Velho Rosa Meia Noite, chefe de bando, invencível e afoito. É uma das figuras mais representativas do velho cangaceiro típico, generoso e cavalheiresco. Jesuíno Brilhante tornou-se cangaceiro defendendo os irmãos contra a Família Limão. Baixo, loiro, afável, risonho, Jesuíno é uma lembrança cada vez mais simpática para o sertão. E sua morte é guardada como a dum guerreiro:
Jesuíno já morreu
Acabou-se o valentão.
Morreu no campo da honra
Sem se entregar à prisão.
Antônio Silvino matou o que lhe matara o pai. Jesuíno, no ódio que tinha da Família Limão, declarou guerra a todos os limoeiros que encontrava. Destruía-os totalmente, mastigando os limões entre caretas vitoriosas. Antônio Silvino “acabou a raça” dos assassinos do pai.
O horrendo Rio Preto, hercúleo e feroz, não seria abatido se não fosse vingança doméstica. Os Leites, ajudados por meu tio Antônio Justino, fizeram guerra de morte ao moleque demoníaco. Se a Justiça chamasse Leite ou o negro Romão (escravo alforriado por meu tio, e que matou Benedito, o herdeiro de Rio Preto) às contas, estes se tornariam infalivelmente cangaceiros.
Não é fenômeno peculiar à zona nordestina do Brasil. Em São Paulo há o caso do jovem Aníbal Vieira. Quatro empregados duma fazenda violentaram lhe uma irmã. Aníbal não “foi à Justiça”, que por retarda e tardonha desanima. Armou-se com seu pai e matou dois dos violentadores. Os dois restantes fugiram para Mato Grosso. Aníbal viajou para Mato Grosso e matou-os. Julgou-se de contas saldadas. Fora um justiceiro. Mas a Justiça não entendeu desta forma. Mandou prender Aníbal. A tropa de polícia que o perseguia encontrou-se com ele em Três Lagoas. Aníbal fez frente à força militar. Feriu dois soldados e fugiu. Aí estará o movimento inicial dum Dioguinho.”
Fonte: Diário Nacional, São Paulo, 03 de junho de 1930.
Fotografia: Oferta do Museu Municipal de Mossoró a Câmara Cascudo. Acervo Fotográfico @institutocascudo
Trasladado do blog do historiógrafo e pesquisador do cangaço Rostand Medeiroshttps://tokdehistoria.com.br/2019/01/30/cangaceiro-vitima-da-justica/
Em 2010, em alternadas viagens, estive percorrendo pela primeira os cenários da passagem do bando de Lampião no oeste potiguar, fato que ocorreu entre os dias 10 e 14 de junho de 1927.
Segui principalmente por áreas rurais desde a cidade de Luís Gomes, tendo como ponto focal Mossoró e finalizando em Baraúna. Percorri esse caminho originalmente palmilhado por estes cangaceiros como parte de uma consultoria que prestei ao SEBRAE, no âmbito do projeto Território Sertão do Apodi – Nas Pegadas de Lampião. Parte desse trajeto, que também focava em questões da espeleologia da região, percorri junto com Sólon Almeida.
Para traçar essa rota, além das obras escritas sobre a história da passagem do bando de Lampião pelo Rio Grande de Norte, fiz uso de materiais históricos existentes nos arquivos do Rio Grande do Norte, Paraíba e de Pernambuco e a bibliografia existente, com destaque ao livro do amigo Sérgio Augusto de Souza Dantas, autor de Lampião e a grande Jornada – A história da grande jornada.
Foram percorridos muitos quilômetros, onde visitamos vários sítios, fazendas, comunidades e cidades. Foram entrevistadas123 pessoas e obtidas mais de 2.000 fotos. Em grande parte deste trajeto, a motocicleta se mostrou um aliado muito mais eficiente para se alcançar estes distantes locais.
Um dos fatos mais interessantes foi o surgimento de marcos de religiosidades ligados aqueles dias tumultuosos de 1927.
Cruzeiros marcando locais de acontecimentos intensos, capelas edificadas como promessas pela salvação de pessoas ante a passagem dos cangaceiros, o caso da utilização de uma igreja por parte dos cangaceiros. Além desses fatos temos a controversa situação envolvendo o túmulo do cangaceiro Jararaca na cidade de Mossoró.
Ao longo dos anos eu tive a grata oportunidade de realizar esse caminho em quatro outras ocasiões, sendo o mais importante em 2015, para a realização de um documentário de longa metragem denominado Chapéu Estrelado, dirigido pelo mineiro radicado no Rio de Janeiro Silvio Coutinho e produção executiva de Iapery Araújo.
Esses foram os locais mais interessantes ligados a esse tema e seus respectivos municípios.
MARCELINO VIEIRA
A área próxima à sede do atual município de Marcelino Vieira é repleta de lembranças e marcos que mantém vivo na memória da população local os fatos ocorridos naquela longínqua sexta-feira, 10 de junho de 1927.
Sítio Caiçara e a “Missa do Soldado” – Nesse local ocorreu um combate onde morreram o soldado José Monteiro de Matos e o cangaceiro Patrício de Souza, o Azulão.
Percebemos nitidamente que para as pessoas que habitam a região, os fatos mais marcantes em termos de memória estão relacionados ao combate conhecido como “Fogo da Caiçara” e a valente postura do soldado José Monteiro de Matos. Não foi surpresa que membros da comunidade local, no dia 10 de junho de 1928, apenas um ano após o combate na região da Caiçara, decidissem realizar, uma missa em honra a memória do valente militar.
Segundo pessoas da comunidade do Junco, as margens do açude da Caiçara, de forma espontânea e apoiadas pelas lideranças locais, os mais antigos moradores deram início a um ato religioso. No começo ele ocorria no mesmo ponto onde se desenrolou o combate. Segundo pessoas entrevistadas na região, o evento sempre atraiu um número considerável de pessoas, passando a ser conhecida como “A Missa do soldado”. Com o passar do tempo à missa transformando-se em uma das mais importantes tradições religiosas de Marcelino Vieira.
ANTÔNIO MARTINS– ZONA RURAL
Fazenda Caricé – a fazenda Caricé estava no roteiro de destruição dos cangaceiros. Caminho lógico para quem seguia em direção norte, no caminho a Mossoró, a fazenda pertencia ao pecuarista Marcelino Vieira da Costa. Este era um paraibano que prosperou com a criação de gado e tornou-se tradicional líder político. Faleceu em dezembro de 1938 e seu nome batiza atualmente a cidade onde decidiu viver.
Ao saber da aproximação do bando do cangaceiro Lampião, o fazendeiro Marcelino Vieira decidiu dormir em uma área onde existia um canavial, próximo ao açude da fazenda. A chegada do grupo, insuflados por supostas contas a acertar do temível cangaceiro Massilon Leite com a família Vieira, produziu um saque que resultou em um prejuízo no valor de um conto e duzentos mil réis. Os celerados deixaram o lugar antes do meio-dia.
Da velha sede da fazenda Caricé nada mais resta, mas por lá encontramos uma pequena capela.
Quando a família Vieira e seus empregados estavam no canavial, em dado momento alguns cangaceiros chegaram a se aproximar do esconderijo. Diante do que poderia acontecer, com muito medo, a filha do fazendeiro, rogou intensamente aos céus que os bandoleiros se afastassem.
Caso isto se concretizasse, ela e sua família tratariam de erguer uma ermida em honra ao poder de Jesus, Maria e José. Pouco tempo as imagens foram adquiridas ainda em 1927, tendo sido trazidas da Bahia e que a primeira missa rezada no local foi verdadeiramente suntuosa. O templo já apresenta sinais de abandono, com algumas telhas caindo, mas a estrutura ainda se mantém em grande parte firme.
Capelinha da Serra da Veneza – Uma interessante situação relativa à memória da passagem do bando nessa região ocorreu na região da Serra da Veneza, na fronteira de Antônio Martins com o vizinho município de Pilões. Nessa elevação granítica, que segundo o mapa da SUDENE chega a atingir a altitude de 555 metros, existe uma capela edificada em razão do medo provocado pela passagem do bando.
Quando Lampião e seu bando se aproximavam, em meio às terríveis notícias, três fazendeiros da região procuraram refúgio junto às rochas da base desta elevação. Essas famílias solicitaram junto ao mesmo santo, São Sebastião, que os protegessem contra a ação dos cangaceiros. E o mais interessante, mesmo sem se combinarem, as três famílias elegeram a mesma penitência; caso nada de negativo ocorresse a eles e as suas famílias, cada um deles teria de galgar a Serra da Veneza, erguer um oratório e ali depositar uma imagem em honra ao santo.
Lampião passou sem acontecer problemas a essas pessoas. Logo os fazendeiros e seus familiares foram a Vila de Boa Esperança, como muitos moradores da região, para agradecer na capela de Santo Antônio pelo fato de nada de pior haver ocorrido. Nesse local as três famílias se encontraram e ao debaterem sobre os fatos vividos, para surpresa de todos os presentes, compreenderam que havia ocorrido uma interseção divina com relação a eles terem tido as mesmas ideias e os mesmos pensamentos de penitência. Em pouco tempo eles adquiriam conjuntamente uma pequena imagem de São Sebastião e logo galgavam a Serra da Veneza para unidos edificarem um pequeno oratório. A ação dos três fazendeiros e as estranhas coincidências chamaram a atenção das pessoas na região e logo outros penitentes subiam a serra para pagar promessas. Em pouco tempo teve início uma procissão e não demorou muito para que o pároco local também viesse participar. Com o passar do tempo começou a ocorrer a participação de pessoas de outros municípios. Em 1948, vinte e um anos após a passagem do bando e do pretenso milagre, treze famílias deram início a construção da atual capela, em meio a uma intensa confraternização.
A cada dia 20 de janeiro, inúmeros ex-votos são colocados como pagamento de promessas, velas são acesas e fiéis de vários municípios vêm participar subindo a serra.
ANTÔNIO MARTINS- ZONA URBANA
Cangaceiros na Capela de Santo Antônio – O período da chegada dos cangaceiros, no dia 11 de junho de 1927, na então pequena comunidade de Boa Esperança, atual Antônio Martins, coincidiu com as celebrações da festa de Santo Antônio, o padroeiro local. De certa maneira essa situação de comemoração e alegria do povo, serviram para a rápida ocupação do lugarejo e a sua total capitulação diante da cavalaria de cangaceiros.
A capela de Santo Antônio era o principal local em Boa Esperança para realização dos festejos relativos ao padroeiro local. Nessa festa é tradicional a realização das chamadas “trezenas”, onde durante treze dias anteriores ao dia 13 de junho, a data consagrada a Santo Antônio, ininterruptamente são realizadas missas, orações de grupos de pessoas com terços nas mãos, cantos de benditos, encontros e outras participações da comunidade neste templo cristão. Quando o bando chegou, haviam algumas pessoas reunidas no local e um grupo de cangaceiros, visivelmente embriagados, proibiu a saída dos fiéis do local. Essas pessoas assistiram horrorizadas de dentro da capela o suplício de um habitante local, o jovem Vicente Lira, que apunhalado e sangrando abundantemente, era obrigado a engolir talagadas de cachaça. Mesmo em meio a essa cena de terror, diante da igreja aberta e engalanada, soubemos que alguns cangaceiros adentraram o local, se ajoelharam, se benzeram e saíram sem perturbar os atônitos presentes. Na saída soltaram Vicente Lira.
Durante todo nosso percurso, esta foi a única informação de que alguns cangaceiros do bando de Lampião, teriam adentrado um templo religioso católico em todo Rio Grande do Norte.
LUCRÉCIA
Capela da Fazenda Castelo – Após a saída de Frutuosos Gomes, na zona urbana do município de Lucrécia, as margens da RN-072, soubemos que o bando realizou a invasão da fazenda Castelo, propriedade tida como a mais importante da antiga localidade. No terreno ao lado da sede da fazenda Castelo se encontra uma bem preservada capelinha dedicada a Nossa Senhora da Guia. Entretanto, ao buscarmos contato com as pessoas mais idosas em busca da história da capela, não foi possível um esclarecimento mais exato sobre quem a construiu e se essa construção tem alguma relação com a passagem do bando de Lampião, como no caso da ermida da fazenda Caricé. Houve pessoas que indicaram que a construção foi consequência de uma promessa pela salvação dos proprietários locais junto a passagem dos cangaceiros, outros indicaram que ela seria anterior a 1927 e outros apontaram que ela seria posterior a essa data.
Foi perceptível a necessidade de ampliar as pesquisas sobre o local.
A Cruz dos Canelas – Depois de passarem por Lucrécia, os cangaceiros atacaram uma propriedade rural e sequestraram um fazendeiro bastante conhecido e querido na região. A notícia se espalhou entre vários parentes e amigos e logo um grupo decide com extrema coragem sair em busca do povoado de Gavião, atual cidade de Umarizal, onde pudessem levantar a quantia estipulada por Lampião para soltar o popular fazendeiro.
O grupo era pequeno, com um número que aparentemente chega a quatorze e só quatro deles, membros de uma família conhecido como “Canelas”, eram os únicos que os pesquisadores do assunto apontam como possuidores de armas de fogo com alguma potência. Esse grupo conhecia os caminhos e provavelmente confiaram no fato de ser período de lua cheia. Onde essa condição facilitaria o trajeto.
Enquanto se desenrolava esta situação, na região do sítio Caboré, cansados pelo deslocamento, esgotado pelas ações e pelo consumo de bebidas, o bando de cangaceiros decidiu descansar nas terras do Caboré. Por volta das três da manhã o grupo de amigos chegou ao Caboré em busca de informações. Não sabiam que um cangaceiro, facilitado pelo luar, vigiava os movimentos do grupo. No local conhecido como “Serrote da Jurema” foi armada uma emboscada pelo bando de experientes combatentes. Logo abriram fogo contra a incipiente tropa e três deles tombaram e o resto fugiu em franca debandada. Segundo os laudos cadavéricos a vingança do bando de Lampião nos corpos dos amigos do fazendeiro sequestrado foi terrível.
Apesar de todo empenho em buscar ajudar o amigo detido, o que o grupo de resgate não sabia era que a sua ação era totalmente inútil. Algum tempo antes, no bivaque armado pelos bandidos, em meio ao cansaço generalizado da tropa de Lampião, o sequestrado conseguiu fugir para o meio do mato.
Atualmente, as margens da rodovia estadual RN-072, na comunidade Caboré, se encontra uma cruz conhecido como “A cruz dos três heróis”, aonde o povo de Lucrécia e da região vêm homenagear àqueles que agora são conhecidos apenas como “Os Canelas”, ou os “Heróis de Caboré”. No local muitos rezam e pagam promessas e acendem velas em honra desses homens.
MOSSORÓ
Caso da Igreja de São Vicente de Paula e a questão do túmulo do Cangaceiro Jararaca.
A notícia de que Lampião avançava na direção de Mossoró chegou aos ouvidos dos moradores de Mossoró em abril de 1927. À época, a Capital do Oeste Potiguar, como seus habitantes ainda gostam de intitulá-la, já era um dos municípios mais importantes do interior nordestino. Com 20 mil habitantes, localizada no meio do caminho entre duas capitais – Natal e Fortaleza –, em nada se assemelhava às pequenas cidades onde Lampião e seu bando atacava e saqueava o comércio.
No dia 13 de junho de 1927, após dizer não a Lampião, que cobrou 400 contos de reis (em moeda da época 400 milhões de reis – atualmente uns 20 milhões de reais) para não invadir a cidade, começava um tiroteio entre moradores da cidade e os cangaceiros. A igreja de São Vicente de Paula foi o local principal da resistência. Lampião costumava dizer que “cidade com mais de uma torre de igreja não é lugar para cangaceiro”. Não se tratava de superstição, mas de raciocínio lógico – municípios com tal característica eram maiores e, portanto, mais difíceis de dominar. Os ocupantes das trincheiras no alto da Igreja de São Vicente e da casa do intendente tinham visão privilegiada do avanço das tropas. Tão logo o grupo surgiu no horizonte, iniciaram-se os disparos. Os cangaceiros, acostumados a desfilar nos povoados sem serem incomodados, foram surpreendidos.
Findando com a expulsão dos cangaceiros, a morte de alguns deles e a prisão do temível José Leite de Santana, vulgo Jararaca, enterrado vivo no cemitério da cidade, após cavar sua própria cova.
A Jararaca é atribuída todas as crueldades. A mais famosa consistia em arremessar crianças para o alto e apará-las com a ponta do punhal. Trespassados pela lâmina, garotinhos leves o bastante para serem lançados na direção do sol morriam lenta e dolorosamente, em meio aos gritos dos pais – e às gargalhadas do cangaceiro.
O interessante é que hoje é visto como santo pelo povo, devido a crueldade com que foi morto. Recebendo o seu túmulo visita de milhares de pessoas em dias de finado e ao longo de todo ano. Na verdade mais prestigiado que o túmulo de muitos políticos famosos da cidade, enterrados no mesmo cemitério e esquecidos de todos. Mostrando que nem sempre o séquito que em vida rodeia os poderosos permanece uma vez morto. Ironicamente ao contrário do cangaceiro.
O famoso chefe cangaceiro deveria ter pensado duas vezes antes de tentar invadir e ser expulso de forma humilhante, assim historicamente a cidade ligou seu nome ao famoso personagem Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião. Anualmente, em frente à igreja que funcionou como trincheira é encenada um musical chamado: Chuva de bala no país de Mossoró, que remonta todo o fato histórico e mantém viva a memória.
Os heróis da resistência de Mossoró, de toda forma foram bravos sim!
Mas por que o santificado é um cangaceiro e não um dos resistentes?
Por que não santificaram o prefeito de Mossoró que liderou a resistência? Por que as fotos dos heróis da resistência são tão pequenas e a dos cangaceiros estão expostos em painéis enormes? Parece até que o povo de Mossoró não se identificou muito com os heróis da resistência!
A história por trás do túmulo de Jararaca se confunde muito com o misticismo, com a conduta cultural de um povo. Jararaca apenas foi consagrado, por conta de sua bravura. O povo sempre busca o menor para enaltecê-lo. É perceptível essa situação no próprio cemitério, quando o túmulo de Rodolfo Fernandes não recebe o mesmo número de visitas correspondentes ao túmulo onde está Jararaca.
DA
ESQUERDA PARA DIREITA: LAMPIÃO, PONTO FINO, MODERNO, LUIZ PEDRO, MARIANO,
CORISCO, MERGULHÃO E ARVOREDO.
PS// Sujeita retificação a identificação.
LEMBREMOS QUE DOIS DESSES, NA FAMOSA FOTO NA VILA DE POMBAL, BA, JÁ ESTAVAM LÁ
E NÃO ATRAVESSARAM O RIO SÃO FRANCISCO COM LAMPIÃO. SÃO ELES, CORISCO E
ARVOREDO QUE, NA ÉPOCA, JÁ AGIAM NAQUELA REGIÃO, EM ALAGOAS E EM SERGIPE.
Após as duras
perdas do apoio paraibano, mais as perseguições incansáveis dos nazarenos no
Pajeú das Flores, interior pernambucano e, como ponto culminante, a grande
derrota em terras potiguares, Lampião vai perdendo ‘terreno’ nesses quatro
Estados nordestinos, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará.
Ele sobrevive
sob o apoio da gigantesca malha de colaboradores, arquitetada por ele mesmo
dentro de toda faixa social da época. Dentre essa, há os grandes, médios e
pequenos fornecedores, os que fornecem coito, e, aqueles que servem de ‘vigias’
para darem informação corretas e incorretas. As corretas são dirigidas ao chefe
cangaceiro e, as incorretas, repassadas aos comandantes da Força Pública,
retirando estes do encalço do bandoleiro. Ainda há aquele rede da malha que
servem mantimentos, munição e armas. Essa corrente, quando quebrada algum elo,
causa um grande prejuízo material e até mesmo humano, de vidas, dentro da
máquina mortífera construída pelo “Rei do Cangaço”.
LAMPIÃO
PAGANDO A UM COITEIRO PELOS SERVIÇOS PRESTADOS. - AO FUNDO, VEMOS O CANGACEIRO JURITI, E SENTADO, O CANGACEIRO SABONETE.
Seu bando, que
outrora fora composto por até cem homens, está reduzido a cinco
"cabras", quando o mesmo resolve mudar de 'ares'. Atravessando as
águas do “Velho Chico”, Lampião, acompanhado pelos cangaceiros Ponto Fino,
Moderno, Luiz Pedro, Mariano e Mergulhão, chegam em território baiano. E logo,
ao pequeno grupo, juntam-se os cangaceiros Corisco e Arvoredo. Daí por diante,
começam a implantar seu terrorismo naquelas terras. Depois de um pequeno
intervalo em suas incursões para extorquir, roubar e matar pessoas, Lampião
reaparece e centraliza suas atividades em outros três Estados da Região
Nordeste: Alagoas, Bahia e Sergipe. Ele, porém, não deixa de todo alguma atuação
dentro do território da sua terra natal, Pernambuco, mesmo que, em várias
vezes, use algum de seus subchefes.
Uma das coisas
que poderiam ter dado fim, desde o princípio da sua saga, ao “Rei Vesgo”, era a
traição. Alguém ter ‘dedurado’ seus lugares de ‘apoio’. Isso ele não perdoaria
de maneira alguma, pois colocava sua vida em risco.
No princípio dos anos 1930, nas imediações da cidade baiana de Jeremoabo, um
cidadão chamado Manoel Salinas, tendo visto Lampião e seu bando sempre passar
por suas terras, indo em direção a coitos naquela ribeira, corre até a cidade,
QG das volantes na época, e conta para as autoridades o que viu. Erro muito
grave, pois, o chefe cangaceiro já tinha espalhado uma grande e firme malha de
informantes naquela região. Sabedor do que andava fazendo Manoel Salinas,
Lampião manda-lhe um bilhete advertindo-o do erro que cometia, colocando ele e
seu grupo em perigo. Mesmo após ter sido 'avisado' o homem continua a bater com
a língua nos dentes...
Ele era um
alcaguete tão ferrenho que o próprio comandante tenente Zé Rufino, maior
matador de cangaceiros, ao falar sobre o mesmo, em entrevista, cita que “Manoel
Salina tinha brasa na língua e precisava falar para ventilar e aliviar sua
boca”.(“De Virgulino a Lampião”- 2ª edição - Vera Ferreira e Antônio Amaury).
Salina,
sabedor do que poderia acontecer a ele e sua família, muda-se para cidade. As
coisas por lá começam a ficar difíceis e, tendo plantado um roçado de mandioca,
convida várias pessoas para irem fazerem uma farinhada.
Lampião após ter mando avisar o roceiro, coloca um espião para ficar de olho
nele na cidade QG das volantes baianas.
O
coiteiro/espião descobre que Manoel já tem data marcada para ir à farinhada e
quantas pessoas irão participar. Além da família, filhos e filhas, a família
Batatas e um amigo chamado João Grande, iriam fazer parte dos trabalhadores.
Tudo isso é repassado para o chefe mor do cangaço que, a partir daí, monta um
plano para pegar e dar uma dura lição no patriarca da família Salina.
Na data
marcada, todos chegam cedinho no sítio "Almesca", distando três
léguas, 18 quilômetros, da cidade. Cada um vai cuidar dos afazeres. Arrancam a
mandioca, acendem o fogo e o sol já está alto quando, de repente, verem-se
cercados por um bando de cangaceiros. Era o Capitão Lampião e sua ‘gente’.
A coisa foi meio apressada. Prendem todos, amontoadamente, e de cara, a queima
roupa, assassinam “João Grande, Cirilo Batata, Antônio Batata e Boa Batata”.
(AA. 2009).
Após
executarem essas quatro pessoas, que nada tinham haver com o caso, voltam-se
para os que sobraram vivos, os da família Salina. Lampião ordena que peguem um
dos filhos de Manoel Salina e amarre o mesmo ao pai, em pé. Quando estão
amarrados pai e filho, executam o filho. Ao receber o tiro fatal, o corpo do
filho cai espontaneamente levando consigo o pai vivo, para o chão.
Rapidamente,
desamarram o pai do corpo do filho e o colocam novamente em pé amarrando o
segundo filho a ele. Como no primeiro, o segundo é executado e o corpo do filho
leva o corpo do pai vivo, novamente, para o chão batido do terreiro da casa de
farinha. Assim procedem, também, com o terceiro filho daquele pobre pai.
Nesse interim,
um outro filho de Manoel Salina, estava em cima da casa de farinha, quebrando
as telhas da mesma, cumprindo uma ordem do “Rei do Cangaço”. Esse filho de
Manoel chamava-se Fabiano, mas, por todos era conhecido pela alcunha de
“Paizinho”. Paizinho, sabedor do seu destino, começa a quebrar as telhas
rapidamente e, de supetão, chega do outro lado do telhado, salta do mesmo,
entra no mato e, pernas pra que te quero... Saí em uma carreira disparada e só
pára quando chega a Jeremoabo. Imediatamente vai ao quartel e relata o que está
acontecendo com sua família no sítio de seu pai. O comandante em serviço não
arreda o pé de onde está e só no dia seguinte é que vai com uma tropa ao local.
No sítio, o
suplício de Manoel Salina continua. Os cabras de Lampião quebram todos os
dentes dele, arrancam suas unhas com a ponta do punhal, vazam um de seus olhos
e o castram. Depois dessa infernal tortura, ele é colocado no lombo de um
cavalo, sem sela, e é obrigado a cavalgar, dizendo onde mora seu quarto filho,
e servindo de guia. Lá chegando, Lampião, após fazê-lo descer da montaria, o
obriga a chamar seu filho. O pai grita, chamando o filho, ‘Ulisses!’
Reconhecendo a voz do pai, mesmo que um tanto diferente, o filho abre a porta e
é abatido a tiros.
Depois de padecer tudo isso, Manoel Salina é assassinado por Lampião... Na
fazenda Bandeira, onde morava seu filho Ulisses, nas quebradas do sertão
baiano.