Ele não nasceu
no Nordeste. Mas sabe tudo sobre Lampião e o cangaço Ele sabe tudo da vida de Lampião e dos cangaceiros. Tem 80 horas gravadas sobre
o assunto, um livro publicado, um segundo esperando por uma editora e mais dois
em preparação. Aos 42 anos de idade, está quase abandonando a odontologia para
se dedicar somente às pesquisas e, se chegar aos Cr$ 800 mil, fará isso sem
sombras de dúvidas.
Há pouco mais
de dois meses, a vida do dentista Antônio Amaury Corrêa de Araújo se
transformou. Num belo sábado ele deixou a tranquilidade de um fim de semana
junto com a mulher e os três filhos em sua casa no bairro Jardim Paulistano
(SP), pegou um avião e veio se trancar no apartamento de um hotel no Rio de
Janeiro esperando o dia seguinte para participar do programa “8 ou 800”. Hoje,
faltando apenas três semanas para chegar aos Cr$ 800 mil, o consultório em São
Paulo está quase fechado, junto com os 40 diplomas de pós-graduação. Se antes
Lampião e o cangaço eram um hobby em sua vida, hoje passaram a ser o assunto
mais importante.
- Antes eu trabalhava no consultório de segunda a sábado, agora trabalho só
segunda e sábado e, mesmo assim, com dificuldades. Se eu levava 30 minutos para
fazer um trabalho, agora levo duas horas. Os clientes estão muito mais
interessados em saber histórias de Lampião do que tratar dos dentes.
Foi quase por acaso que aos 16 anos de idade caiu nas mãos de Amaury um folheto
sobre Corisco.
- Trazia a notícia da morte de Corisco e de mais quatro pessoas. Passei a
procurar mais informações em jornais e revistas e aguçou a minha curiosidade
ver que as notícias se conflitavam. Com isso despertou também o meu interesse
e, num estilo Sherlock Holmes, passei a procurar saber qual era a verdade.
Em 1959, Antônio Amaury saiu de Araraquara e foi para São Paulo, aumentando
assim as possibilidades de se dedicar ao assunto.
- Fui ser dentista da Companhia de Gás, e dizem que 95% dos nordestinos que vão
trabalhar em São Paulo, vão pra lá. Foi o mesmo que jogar sapo n’água. Comecei
a conversar com quem havia vivido o problema e gravando tudo.
Aos poucos, a casa de Amaury foi se transformando num república de
ex-cangaceiros.
- A Dadá, mulher de Corisco, ficou lá em casa seis meses. O irmão e a filha de
Lampião também ficaram 20 dias.
Para não ficar fora do assunto, a família passou a ajudá-lo nas pesquisas e a
acompanhá-lo nas viagens pelo interior. Foi assim que nasceu o primeiro livro e
ainda inédito “Minha vida com Corisco”, depoimento que a viúva do ex-cangaceiro
lhe deu com exclusividade. O segundo livro, “Assim morreu Lampião”, foi lançado
e editado por conta própria em agosto de 1975 e foi baseado nele que a Blimp
Filmes produziu o documentário “O último dia de Lampião”, apresentado no
programa “Globo Repórter”. Amaury colaborou também na produção do documentário:
“As mulheres no Cangaço” e do filme “Corisco, o diabo loiro”, feito pela
Cinedistri.
- Se não aparecer nenhuma editora lanço por conta própria o livro sobre
Corisco, pois foi uma promessa que fiz a Dadá que está com 66 anos de idade. Já
planejei o terceiro e o quarto livro, mas acontece que a história sobre o cangaço
ainda está para ser contada e não vai ser eu quem vai contá-la.
No programa, para cada pergunta ele tem duas respostas. Uma correspondente a um
dos 9 livros que entregou para a produção do programa e outra retirada de seus
26 anos de estudos sobre o assunto. Amaury é capaz de gaguejar quando se
pergunta a idade ou a data do nascimento de seus filhos, mas, sobre o cangaço
suas respostas são exatas e sabe todas as datas sem precisar pensar duas vezes.
- Existem pessoas que fazem uma ideia errada sobre mim, pois sempre digo que
conheço os cangaceiros. Acontece que pra cada cangaceiro conheço dez policiais
que os perseguiram.
Dona Renée, os filhos Junior, 13 anos, Carlos Elídio, 12, e Sérgia de 11 anos,
que tem esse nome em homenagem à viúva de Corisco, acompanham de São Paulo as
apresentações do pai no programa. Eles estão tranquilos, pois sabem que se
depender dos conhecimentos de Amaury sobre o cangaço, os Cr$ 800 mil já estão
ganhos.
- Aos sábados, eu chego ao Rio e vou para o claustro. Ainda não fui a lugar
nenhum e aproveito para estudar. Durante a semana em São Paulo me tranco no
consultório, desligo o telefone para poder ter sossego. Lá em casa, toda hora
chega gente querendo conversar e contar histórias sobre o cangaço. No primeiro
dia do programa eu me lembrei do Zé Baiano, um ex-cangaceiro, que quando lhe
perguntaram se não tinha medo de brigar respondeu: “Antes do tiroteio me corre
um friozinho pela espinha, depois quando esquenta ninguém me segura.” Eu também
fiquei assim.
Caso ganhe os Cr$ 800 mil, Amaury ainda não sabe o que vai fazer.
- Andam dizendo que vou construir uma estátua, outros dizem que vou dividir com
os cangaceiros, mas nem mesmo minha mulher sabe o que vou fazer. Não quero me
preocupar com o dinheiro enquanto não tenho. Já me acostumei a ser pobre e não
é isso que vai mudar a minha vida.
Como as possibilidades da vitória são muitas, o mais provável é que ele coloque
o dinheiro para render juros e se dedique somente a pesquisas.
- Há 11 anos pesquiso sobre um movimento que aconteceu em 1938 na Bahia e em
Pernambuco chamado Pau de Colher. É muito mais difícil que o cangaço pois
ninguém quer reconhecer que participou dele. Já trouxe gente desse grupo para
ficar em minha casa e minha intenção é escrever um livro sobre esse assunto.
Livros, recortes, um objeto onde Lampião guardava cigarros e dinheiro, muitas
histórias, povoam a casa de Amaury em São Paulo. Muitos cangaceiros já foram
ajudados por ele, apesar de não gostar de contar esses fatos. Da odontologia,
profissão que exerce há 20 anos, aos poucos está se afastando. Quem sabe
conseguindo os 800 mil se afaste totalmente para se dedicar às pesquisas, a
maior paixão na sua vida.
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