Por Rangel Alves
da Costa*
As imagens
servem para exemplificar como o Natal vem se transformando ao longo dos anos.
Os cartões postais (que praticamente não existem mais) mostravam os três reis
magos seguindo a estrela-guia em direção ao local do nascimento do prometido.
Noutra cena, o estábulo tendo uma manjedoura ao meio e o menino sendo visitado
por bois, cavalos, aves, ovelhas e outros animais. Um cenário empobrecido,
ladeado de capim seco, pedras, garranchos trazidos pela ventania. E ali José e
Maria adorando e protegendo o pequenino. Neste sentido são as cenas retratadas
nos presépios.
Deste
nascimento é que vem o espírito natalino. Para a cristandade, tal espírito
representa o advento, ou seja, o nascimento ou a vinda do menino Jesus, que
outro não é senão o Deus encarnado. No Natal, pois, celebra-se a vinda do
Messias como a grande esperança da humanidade. É a preparação dessa chegada,
renovada a cada ano, que caracteriza o espírito natalino: um tempo de
preparação, de reflexão, de renovação das esperanças. Mas sempre em obediência
à simplicidade daquele estábulo, sua manjedoura e o menino nascido em tão
humilde família.
Com o passar
dos anos, e aquelas imagens permanecendo apenas nos cartões natalinos e nos
presépios, o período natalino foi sendo transformado de tal modo que sua
caracterização ficou por conta dos enfeites reluzentes, das luzes espalhadas
por todo lugar, nos pisca-piscas e nos adornos cada vez mais tecnologizados.
Arrefeceram o sentido religioso da celebração, transformaram um período de
solene reflexão em algazarra consumista, transmudaram toda a simbologia
natalina num festim desenfreado de gastos, troca de presentes, preparação de
ceias suntuosas e brindes com importados.
Quando aqueles
três reis magos (Belchior, Baltasar e Gaspar) se dirigiram à Belém para presentear
o menino Jesus com ouro, incenso e mirra, e mais tarde as pessoas se
contentavam em oferecer doces, frutas e presentes modestos aos parentes e
amigos, jamais imaginariam a feição que tais lembranças foram tomando.
Modernamente, presentear alguém com presente barato é correr sério risco de
inimizade. Houve um tempo de sinceros agradecimentos ao receber um simples
cartão natalino ou mesmo uma folhinha ou calendário, mas de repente ou se dá a
marca, a grife ou a etiqueta ou sequer receberá ao menos um abraço.
E assim porque
o Natal passou a ser tido como mero período de compras. As lojas se enfeitam de
luzes e adornos não para relembrar o nascimento do menino, mas para chamar
clientes. Muitas pessoas passam a frequentar as igrejas não porque estejam com
a fé reanimada, mas para implorar recursos para a compra de muitos e alentados
presentes. Os enfeites das ruas e avenidas nada têm de sagrado, mas apenas para
atender aos anseios comerciais e as imagens das administrações. Para uma ideia
do uso do Natal para outros fins, basta conhecer a decoração dos shoppings.
Mais parece uma gigantesca árvore natalina, mas objetivando somente recordar
que é preciso comprar - e comprar cada vez mais - para presentear os amigos.
Foi o
consumismo - ao lado da pouca religiosidade do povo - que retirou do Natal o
seu verdadeiro espírito, ou ainda o seu sentido de fraternidade, reflexão e
humanitarismo. Ao invés de visitar um parente ou um enfermo, a pessoa geralmente
prefere o caminho do shopping ou dos grandes centros comerciais E de lá sempre
sai carregada de pacotes e embrulhos enfeitados, ainda que a conta do cartão
deixe de ser paga já no começo do ano. Ninguém se reveste de realidade e afirma
a si mesmo que dessa vez não pode comprar qualquer presente. Pelo contrário, se
endivida como pode para satisfazer o ego e a vaidade. Do mesmo modo age em
casa, quando enche a mesa pelo simples prazer de chamar uma vizinha para que
assim a aviste.
Mas o que
fazer agora, ante os tempos tão difíceis? Com toda população reclamando da
crise, dos aumentos de tudo, da falta de dinheiro, do décimo-terceiro fatiado,
da falta de qualquer perspectiva de melhoria financeira, então logo se imagina
um refreamento do consumismo. E assim certamente será, mesmo que muita gente
ainda insista em se endividar até o crédito acabar. Contudo, mesmo que
forçadamente, grande parte da população haverá de se contentar com um Natal das
vacas magras. Assim como aquela vaquinha ossuda ao lado da manjedoura. E será o
começo do reencontro com aquele espírito natalidade imorredouro.
Serão estes
tempos difíceis que farão com que o espírito natalino enfim retome um pouco de
sua verdadeira feição. Sem a fartura da ceia, talvez as famílias reconheçam o
valor de outro pão. Sem os presentes caríssimos, talvez as pessoas compreendam
o valor de uma singela recordação. Sem tantos shoppings, centros comerciais e
lojas em suas vidas, talvez as pessoas encontrem um tempinho para a igreja,
para a eucaristia, para a oração. Sem uísque e champanhas importados, talvez
muitos valorizem mais o diálogo sóbrio e fraternal.
O que talvez
nunca mude são as esperanças de alguns. E que são tantos e por todo lugar: o
menino pobre esperando que Papai Noel deixe qualquer presentinho na janela de
seu barraco.
Poeta e
cronista
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