Por: Honório de Medeiros(*)
Quarta teoria: o
ataque a Mossoró resultou de um plano político (primeira parte)
QUESTÕES SEM
RESPOSTA
Essa teoria
vem sendo construída lentamente, ao sabor do tempo, pelos estudiosos do
assunto, perplexos ante a imensa quantidade de fatos inexplicados alusivos ao
ataque a Mossoró, aguardando quem se habilite a relacioná-los e, a eles, dar
unidade, ou seja, coerência e completude.
Antes,
entretanto, é necessário que sejam elencadas algumas indagações, até hoje não
respondidas, acerca do episódio, para construir-se o contexto adequado à
entrada na questão, melindrosa e complexa por sua própria natureza, tendo em
vista os personagens que dela fazem parte direta ou indiretamente.
São elas:
Primeiro:
estamos na última quinzena de abril de 1927. Argemiro Liberato, de Pombal,
Paraíba, escreve a seu compadre Coronel Rodolpho Fernandes, e lhe põe a par da
pretensão de chefes de bandidos daquela região de atacar Mossoró. Que chefes de
bandidos seriam esses?
Como Massilon
era chefe de bandidos, haja vista o ataque a Brejo do Cruz, no mesmo estado, e
ligado aos detentores do poder na Região que incluía Pombal, teria ele essa
pretensão[1]? Haveria relação entre essa pretensão de
atacar Mossoró e o interesse de coronéis paraibanos, associados a
norte-rio-grandenses, em relação a Apodi, Mossoró e o Rio Grande do Norte?
Saberia a oposição ao Coronel Rodolpho Fernandes, que era ligada à oposição ao
Coronel Francisco Pinto (líder político e Prefeito do Apodi), esta, por sua
vez, ligada aos coronéis paraibanos, da existência dessa pretensão?
Coronel Chico
Pinto
Segunda: por
qual razão, Massilon não matou o Coronel Chico Pinto quando atacou Apodi, se
aparentemente era esse o intuito? Bronzeado[2] não soube explicar.
Bronzeado
O objetivo de
Massilon, acertado com seus verdadeiros chefes e desconhecido de seus
parceiros, teria sido apenas desmoralizar o Coronel Chico Pinto, preparando-se
o caminho para se criar, na imprensa e população, a noção, a consciência da
presença corriqueira do cangaço e cangaceiros no Rio Grande do Norte[3], banalizando possíveis homicídios por
eles realizados, algo até então inexistente no estado, como preparativo para
alguma ação específica a ser realizada durante o ataque a Mossoró?
Terceira: por
qual razão o Coronel Rodolpho Fernandes estava em franco dissídio com o
Governador José Augusto e seu chefe de polícia Manoel Benício de Melo[4], ao ponto de alertá-lo acerca de sua
crescente impopularidade, tendo, inclusive, lhe ameaçado por duas vezes com um
rompimento político, e quais as consequências desse litígio na política
mossoroense e oestana?
Governador
José Augusto Bezerra de Medeiros
Por qual razão
foi sustado, na última hora, o embarque de policiais natalenses escalados para
defenderem Mossoró[5]?
Quarta: quem
era a oposição ao Coronel Rodolpho Fernandes que, na última quinzena de abril
de 1927, em reunião por ele convocada, enquanto Prefeito, para expor o problema
da futura invasão da cidade, desfruta do seu receio[6], ridiculariza suas advertências à
população, critica suas providências tomadas, chama-o de velho medroso, semeia
boatos e intrigas políticas na cidade, principalmente ameaças de que o Governo
do Estado cogitava desarmar os civis que lhe eram afeiçoados?
Quinta: de quem
teriam sido as “murmurações tendenciosas” que se seguiram ao discurso do médico
José Fernandes Gurjão, orador que sucedeu Rodolpho Fernandes no dia 12 de
junho, em reunião ao meio-dia, no salão da Prefeitura de Mossoró, mencionadas
por Raul Fernandes[7], filho do Prefeito?
Sexta: por
qual razão a edição de 15 de maio de 1927, quase um mês antes do ataque, do
jornal “O Mossoroense[8]” insinua, sem rodeios, que a invasão a
Mossoró, a ocorrer em dias vindouros, integra empreitada de grande vulto?
Sétima:
saberia Lampião que sua incursão ao Rio Grande do Norte, Estado onde nunca
estivera, a percorrer região plana, descampada, larga e extensa[9], sem elevações importantes desde Luis
Gomes até Mossoró, tirante a Serra do Martins, feita com barulho, saques,
depredações, tiros, mortes, contrariando toda sua experiência anterior,
contaria com a omissão do Governo estadual?
Oitava: por
qual razão o valor do “pedido” de Lampião ao Coronel Rodolpho Fernandes,
quatrocentos mil réis[10], foi irreal, de tão exorbitante,
induzindo a crença de que teria sido mera “cortina de fumaça”?
Nona: por qual
razão Lampião não atacou a agência do Banco do Brasil em Mossoró, onde eram
feitos os depósitos em dinheiro grosso de toda a região, e que no dia da
invasão contava com mais de novecentos contos de réis em depósitos?
Décima: por
qual razão Lampião não atacou o rico comércio da cidade, localizado em área
razoavelmente distante da residência do Coronel Rodolpho Fernandes[11], conhecido por Massilon desde seus
tempos de almocreve?
Décima-Primeira:
por qual razão a residência do Coronel Rodolpho Fernandes foi o ponto
preferencialmente visado pelos cangaceiros[12]?
Residência do
Coronel Rodolpho Fernandes, durante a invasão, vendo-se, ao fundo, a Igreja de
São Vicente
Décima-Segunda:
por qual razão Massilon ficou responsável por atacar a residência do Coronel
Rodolpho Fernandes pelos fundos (garagem), onde supostamente estava o ponto
mais frágil da defesa do palacete, enquanto o grupo de Jararaca distraía, pela
frente, os defensores, e Lampião, no cemitério, com o grosso do bando, apenas
dava cobertura, ao invés de atacar o centro da cidade, onde se localizava o comércio?
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PARA ENTENDER
O QUÊ SE EXPÕE AQUI, É CONVENIENTE LER OS TEXTOS ANTERIORES POSTADOS EM
www.honoriodemedeiros.blogspot.com PROCURECangaço,
DENTRE OS Marcadores, E LEIA TUDO QUANTO FOI ESCRITO ACERCA DO TEMA.
[1] O episódio do ataque de Massilon a
Brejo do Cruz, na Paraíba, foi explicado em textos anteriores desta série.
[2] “LAMPIÃO EM MOSSORÓ”; NONATO, Raimundo;
sexta edição; Coleção Mossoroense; 2005; Mossoró. No famoso relatório da
agência do Banco do Brasil em Mossoró referente ao primeiro semestre de 1927,
da lavra de Jaime Guedes, então seu gerente, encontramos um trecho que traduz
sua perplexidade com esse fato: “O assalto visava a morte e aplicação de surras
em determinadas pessoas que o chefe do grupo, não se sabe por que, não levou a
efeito” (“LAMPIÃO EM MOSSORÓ”; NONATO, Raimundo sexta edição; Coleção
Mossoroense; 2005; Mossoró).
[3] Em tática de guerrilha esse tipo de
ação se denomina “manobra diversionista”.
[4] Mirabeau Melo, chefe do telégrafo em
Mossoró e irmão de Manoel Benício de Melo, atuava como informante local e
porta-voz do governo, e era um medíocre intrigante, nos diz Paulo Fernandes,
filho do Coronel Rodolpho Fernandes, em carta a Nertan Macedo, neste livro
parcialmente reproduzida. Acerca de Manoel Benício de Melo nos informa o
escritor Marcos Pinto: “Amigo HONÓRIO. Bom dia. Garimpando novidades no vetusto
jornal "O MOSSOROENSE", edição de 18.03.1914, encontrei os laços da
grande amizade entre FELIPE GUERRA (Felipe Guerra era casado com uma irmã de
Tylon Gurgel) e BENÍCIO FILHO, sendo certo que o FELIPE foi padrinho de
casamento do Benício que ocorreu em 14 de Março de 1914, em Mossoró.
Escoimando-se os fatos ocorridos antes e depois do ataque de Lampião à Mossoró,
o fato de que o Benício era o Diretor Geral da Segurança Pública do RN (cargo
que corresponde ao atual de Secretário de Segurança), depreende-se que o mesmo
deveria ter tido todo o empenho para o envio de força policial para guarnecer Mossoró.
Não o fez, de sorte que o nosso bravo Rodolfo Fernandes defendeu a cidade
convocando amigos e civis voluntários. Ora, se o FELIPE GUERRA era compadre e
amigo íntimo do Jerônimo Rosado, e exercia influência sobre o Benício Melo
Filho, deve-se atribuir, dentre outros fatores, que o Felipe Guerra, já
Desembargador desde 1919 e residente em Natal tenha traficado influência para
que o Benício Filho adotasse posição pusilânime e que deixou muito à desejar,
em relação à defesa de Mossoró.
Qualquer novidade enviarei pra Vosmincê. Abraço. Marcos Pinto.”
[5][5] Gil Soares nos conta esse episódio
(“O PASSADO VISTO POR GIL SOARES”; MUINIZ, Caio Cézar; Coleção Mossoroense;
Série “C”; V. 1.477; 2005; Mossoró): “Mas Cascardo preferiu manter à frente da
Municipalidade o jovem médico Paulo Fernandes, já estudioso de problemas
econômicos da região. Nomeado na segunda fase política da Interventoria Aluísio
Moura, começara destinando à Associação de Damas de Caridade os subsídios do
cargo. Quatro anos antes, seu pai, esse admirável Prefeito Rodolfo Fernandes – depois
de sustado inexplicavelmente, à última hora, na estação ferroviária de Natal, o
embarque de contingente da Política para enfrentar o numeroso bando de
cangaceiros chefiado por Lampião (grifei) – organizara e dirigia, com
recursos locais e a decisiva cooperação de numerosos habitantes, a defesa de
sua cidade, sendo rechaçada, dentro das ruas, a horda invasora.” Raimundo
Nonato: “No dia 13 de junho, Mossoró contava só com 22 soldados” (“LAMPIÃO EM
MOSSORÓ”; Sexta edição; Coleção Mossoroense; 2005; Mossoró).
[6] Raul Fernandes em “A MARCHA DE
LAMPIÃO”; Paulo Fernandes em carta a Nertan Macedo.
[7] Raul Fernandes em “A MARCHA DE
LAMPIÃO”.
[8] Jornal dirigido por Rafael Fernandes,
principal líder político situacionista mossoroense desde o falecimento do
Coronel Francisco Pinheiro de Almeida Castro, e primo de Rodolpho Fernandes.
[9] Em quatro dias os cangaceiros cobriram
aproximadamente 900 quilômetros entre ida e volta. Raimundo Nonato observa:
“Constituída, em menor parte, de vasto descampado e larga área de terreno
plano, quase sem outras elevações importantes, depois dos prolongamentos
subordinados às ramificações e contrafortes das Serras de Luis Gomes e Martins,
a região era precariamente escassa de abrigos e desprotegida aos elementos
essenciais de amparo, defesa e esconderijos naturais” (“ LAMPIÃO EM MOSSORÓ”;
Sexta edição; Coleção Mossoroense; 2005; Mossoró).
[10] Para se ter uma idéia do valor
do montante, em 1927, 1 (hum) mil-réis valia US$ 8.457 (oito mil, quatrocentos
e cinquenta e sete dólares). Portanto Lampião exigiu US$ 3.382.800 (três
milhões, trezentos e oitenta e dois mil dólares) ao Coronel Rodolpho Fernandes.
Esse valor, corrigido pela inflação da moeda americana implicaria, hoje, maio
de 2012, em U$ 43.130.700 (quarenta e três milhões, cento e trinta mil
dólares). O cálculo foi feito de acordo com a TABELA DE CONVERSÃO DE MIL-RÉIS
EM DÓLARES constante de “OS CANGACEIROS” (PERICÁS, Luiz Bernardo; Boitempo; 1ª
edição; 20120; Rio de Janeiro) e
http://www.dollartimes.com/calculators/inflation.htm
[11] Rodolpho Fernandes residia no “Bairro
Novo”, distante do centro da cidade, quase deserto, nas vizinhanças da Igreja
de São Vicente e próximo ao Cemitério.
[12] Jornal “O NORDESTE”, e Jornal “A
REPÚBLICA”, este último colhendo depoimento do Professor Eliseu Viana (“LAMPIÃO
EM MOSSORÓ”; NONATO, Raimundo; Sexta edição; Coleção Mossoroense; 2005; Mossoró):
“O Sr. Prefeito da Cidade, Cel. Rodolfo Fernandes, a entidade mais visitada
pelos bandidos (...)”. O próprio Rodolpho Fernandes assim aludiu ao assunto em
correspondência a seu Compadre Almeida Barreto: “Pelos jornais terá lido que a
13 de junho, Lampeão atacou Mossoró, tendo de preferência cercado minha
residência pela frente, pelo lado da casa de Alfredo e pelos fundos” (“RODOLPHO
FERNANDES”; GASTÃO, Paulo; Coleção Mossoroense; Série “B”; nº 1.637; 1999;
Mossoró.
(*) Mestre em
Direito; Professor de Filosofia do Direito da Universidade Potiguar (Unp);
Assessor Jurídico do Estado do Rio Grande do Norte; Advogado (Direito Público);
Ensaísta.