“(...)Além de
muito religioso, Lampião dizia-se um grande justiceiro... Vejamos como aplicava
sua justiça, segundo a narrativa de um participante da tragédia. Estávamos
acampados em Lagoa do Rancho, no interior da Bahia. Depois de alguns dias,
estourou um escândalo: O dono da fazenda onde estávamos queixou-se a Lampião de
que um dos seus “cabras” havia estuprado sua filha. Lampião seguido pelo bando,
foi ver a filha do fazendeiro, e o quadro a que assistimos era triste:
a mocinha estava num estado lastimável. O autor do ato bárbaro fora Sabiá, um
rapaz com 18 anos mais ou menos, e novo no Bando. Praticado o atentado, Sabiá
fugiu para o mato. Lampião, depois de ver o estado em que ficou a filha do
fazendeiro, falou secamente:
- Volta Seca e Gavião, vão buscar o Sabiá”.
Eu e
Gavião saímos à procura de Sabiá, quando nos aproximamos do local ele estava
entrincheirado, e gritou:
- Não avancem, eu abro a cabeça dos dois com uma bala:
- Sabiá, o capitão quer falar com você!
– Se ele quer falar comigo, venha ele
mesmo me buscar!
Achei muita ousadia, mas não tentei capturá-lo... Olhei para o meu camarada e
retornamos á fazenda. Lampião quando nos viu sozinhos, perguntou indignado:
- Cadê ele?”
– Sabiá está entrincheirado, ali, embaixo atrás de uma pedra;
- Porque não trouxeram ele?
– Porque ele nos matará; nós dissemos que o Capitão
queria falar com ele. Mas ele respondeu: Pois venha ele mesmo se quiser. Foi a
conta! A testa de Lampião franziu-se, os lábios se comprimiram e, serrilhando
os dentes disse:
- Eu vou buscar esse cão.
- Não avance nem mais um passo, capitão, que eu atiro! Ninguém vai me pegar,
dizia Sabiá.
Lampião olhou-o por um momento e, de repente, falou:
- Você não atira em ninguém, menino. E avançou. Avançou resoluto, com Sabiá
fazendo pontaria para ele. A todo instante eu esperava o estampido assassino do
fuzil de Sabiá. Mas o tiro não saiu. Frente a frente com Sabiá, Lampião gritou:
-Atira, cachorro! Atira!
E Sabiá não atirou... Pelo contrário, arriou o fuzil.
Foi seu fim pois Lampião, rápido, deu com a coronha de seu fuzil na cara do
rapaz, que rolou pelo chão, ensanguentado. Eu e Gavião aproximamo-nos depressa
do local e Lampião mandou que o levássemos à fazenda. Desarmei Sabiá, eu de um lado e, Gavião do outro. Levamo-lo de volta,
enquanto Lampião ia à frente, a passos rápidos. Sabiá estava tonto, com a boca
arrebentada e todos os dentes da frente quebrados. Sangrava muito e vinha
amparado por mim e Gavião. Na fazenda, todos se acercaram de nós. Eu sabia que
a coisa ia ter um fim trágico, pois Lampião estava furioso. Foi feito um
círculo de gente e, no meio dele, Sabiá, ladeado por mim e Gavião com Lampião
na frente, que olhava sem afastar por um segundo sequer os olhos de Sabiá.
Olhava-o com ódio, sem dizer nada, e o silêncio era completo, pois ninguém ousava
falar Sabiá mal se aguentava em pé. Estava vencido. Vencido e convencido.
Lampião, então, pôs-se a falar:
- Vais morrer porque não presta, cão. É por
causa dessas coisas que falam mal da gente, por ali. Mas eu te dou um exemplo,
pra todos saberem que o bando de Lampião tem vergonha. E apontando para dois
empregados da fazenda, ordenou:
- Vocês dois ali, cavem um buraco pra enterrar esse cabra!
Os homens obedeceram e, de enxada em punho,
puseram se a abrir a cova. Sabiá não falava e tenho até impressão de que não
compreendia o que se passava. Depois de alguns minutos, a cova pronta, isto é
dada como pronta por Lampião, apesar de não ter mais de dois palmos de
profundidade, mandou ele que os dois homens parassem e, apanhando uma
“Berbere”, apontou para a cara de Sabiá, que nem moveu a cabeça. Quem estava
atrás de Sabiá correu pra se abrigar. Lampião fez a pontaria e gritou:
- Vai-te pros infernos, cão! E deu no
gatilho!
Sabiá caiu morto, mas Lampião continuou a atirar. Houve quem contasse
quinze tiros... Aquela expressão: “Vai-te pros infernos, cão” era muito comum a
Lampião, quando matava alguém naquelas condições. Saciada sua fúria assassina,
Lampião ordenou aos dois empregados que abriram a cova:
- Joga este peste aí!
Cachorro se enterra de qualquer jeito(...).
Fonte : PORTO,
Onélio José. Pingos e respingos. Gráfica Mauro Morais Ltda, 1976.
Pag. 44, 45, 46 e 47.
Fonte: facebook
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