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sábado, 25 de agosto de 2018

JOÃO TORQUATO X CORISCO ENCONTRO DE GIGANTES

Por: Alcino Alves Costa

Outrora, Poço Redondo era um arruado pertencente ao vasto município de Porto da Folha. Com sua emancipação em 25 de novembro de 1953 quase todas as fazendas nascidas nos escondidos daquelas brenhas caatingueiras passaram a pertencer ao novo município. Dentre elas uma fazenda chamada Pia Nova. Nos idos do cangaço o proprietário da Pia Nova era um caboclo de “boa cepa”, “raiz de braúna”, verdadeira “madeira de lei”, “homem atutanado”, sertanejo de “peso e medida”, chamado Torquato José dos Santos.

João Torquato

Já caindo para a idade seu Torquato cuidava com esmerado carinho e zelo de sua terrinha, de sua família, especialmente de sua numerosa filharada. No meio dela um rapazinho saindo da puberdade, chamado João. Este jovem caboclo carregava orgulhosamente o nome de seu pai junto ao seu nome de batismo. Vindo, com o passar dos anos, a se tornar no célebre João Torquato, o homem que derrotou Corisco, o “Diabo Louro”, na famosa medição de força acontecida na fazenda Queimada de Luís. 

O sofrimento, dores e provações de João Torquato começaram acontecer naquele entardecer do triste dia 02 de maio de 1937, quando chegou a sua casa um bando de malvados cangaceiros comandados por Zé Sereno e Mané Moreno.Numa atitude injusta e perversa, os cruéis cangaceiros assassinam o velho Torquato e seu genro Firmino. Medonha tragédia que destroçou a vida de João e todos da família. 

Desatinado com tamanha injustiça, João Torquato só pensava em vingar a morte do papai amado e de seu cunhado Firmino. Só lhe restava uma alternativa. Mesmo sabendo que sua mãe iria acrescentar ainda mais as suas dores e sofrimentos se decidiu por procurar uma das “forças do governo” que combatiam Lampião e nela se engajar. Só assim teria oportunidade de caçar e se vingar dos monstros que tiraram a vida de seu pai.

Foi o que fez. Procurou a volante comandada pelo famoso Zé Rufino e nela deu início a uma nova e inesperada etapa de sua vida; a vida de caçar cangaceiro. Pouco se demora sob o comando de Zé Rufino. O seu destino é a volante do temido Antônio Recruta, onde perseguiu cangaceiro por longo tempo. Nesta volante, João Torquato participou de vários confrontos com os cangaceiros.

Um deles, no entanto, se tornou célebre. Aquele em que sozinho enfrentou a cabroeira de Corisco, baleando-o e tirando a vida dos cangaceiros Guerreiro e Roxinho.

Como se sabe Corisco, após a morte de Lampião, ficou “atuleimado” e “atarantado” da cabeça, sem tino e sem razão. Ensandecido, cometeu diversas atrocidades, dentre elas as monstruosas execuções e degolamento de Domingos Ventura e mais cinco pessoas da família do vaqueiro da fazenda Patos, nas Alagoas, e como requinte final, após cortar as cabeças de suas desventuradas vítimas, as enviou para a cidade de Piranhas, aonde foram entregues ao prefeito João Correia Britto. O mesmo acontecendo, já em Sergipe, na fazenda Chafardona, em Monte Alegre de Sergipe, quando em mais um ato brutal assassinou Sinhozinho de Néu Militão, cortou a sua cabeça colocando-a em uma gamela e a enviando para o então povoado de Monte Alegre, por um rapaz chamado Santo e entregá-la ao cabo Nicolau que ali destacava.

Foi logo após esse crime que Corisco se deslocou até as caatingas da linha divisória entre Sergipe e Bahia. Existem duas versões sobre o local em que aconteceu o extraordinário combate travado por João Torquato e Corisco.

O notável historiador Antônio Amaury, em seu livro “Gente de Lampião: Dadá e Corisco”, no capítulo “Agonia do cangaço”, páginas 113, 114 e 115, seguindo as acreditáveis informações de Dadá, diz que este confronto entre Corisco e João Torquato, aconteceu na fazenda “Lagoa da Serra”, residência do coiteiro Geraldo. Ocorre que João Torquato afirmava convicto que o seu embate com Corisco se deu em uma fazendinha abandonada chamada “Queimada de Luís”. Está em muitos livros a história deste confronto. Como se sabe o cangaceiro Guerreiro foi morto pelas balas do fuzil de João Torquato quando caminhava ao lado de Dadá e Roxinho pela malhada da fazendinha.

Imaginando que Guerreiro fosse Corisco, João Torquato faz pontaria em seu corpanzil e dispara a sua mortífera arma. O bandido tomba gravemente ferido. Não é Corisco é o cangaceiro Guerreiro. Corisco e os que lhe acompanhavam pensaram ser uma volante. A cabroeira corre e se ampara no paredão de um tanque. Prepara-se para enfrentar os agressores. Assim pensando, Corisco grita raivoso: 
“- Macacos covardes! Venham! Vamo brigar. Vocês tão pegados é com Corisco” 
Jamais poderia imaginar que estava sendo atacado apenas por um soldado. João se surpreendeu ao ouvir aquela possante voz. Pensava que o bandido que havia derrubado na malhada da fazenda fosse justamente Corisco, mas estava enganado. Os cangaceiros estão amparados no paredão do tanque. No outro lado do paredão está João Torquato que os enfrenta como desmedida coragem. Troca tiros com os bandidos. De repente divisa um cangaceiro que como se fosse uma cobra – e cobra ele era – se arrasta cautelosamente a sua procura. Sem perda de tempo o “contratado” dispara seu fuzil e o assecla despenca, rolando em sua direção. O “cabra” é muito jovem. Mais parece um menino. É Roxinho, o mesmo que estava ao lado de Guerreiro e Dadá na malhada da fazenda.

Grupo de Zé Rufino, primeiro a esquerda.

O menino é valente. Tenta pegar a sua arma que havia escapado de suas mãos. Não consegue. João Torquato com o coice de seu fuzil esbagaça a sua cabeça.Temendo o cerco da volante, assim imaginava Corisco, o mesmo e sua Dadá deixam o paredão do tanque e procuram a proteção da caatinga. João Torquato grita para o “Diabo Louro”:
- Tá correndo covarde? Num diz que é valente, cabra frouxo. Num corra! Vamo brigar”.  
O famoso alagoano escuta as palavras desafiadoras do soldado. É um valente. Vira-se para enfrentar a volante. Surpreso se depara apenas com um inimigo. Cadê os outros? Fica a se indagar por segundos. É a sua perdição. João Torquato aproveita aquela momentânea indecisão e dispara a sua arma. Naquele dia o filho de seu Torquato estava totalmente protegido pela sorte. Uma bala atingiu justamente os dois braços de Corisco deixando-o fora de combate.

O balaço fez com que o fuzil do companheiro de Dadá caísse por terra. Sem forças para segurá-lo o cangaceiro se desespera e procura se proteger na mataria. Percebendo a situação do famoso bandoleiro, João Torquato grita desafiador: 
“- Não corra covarde. Espere pra morrer”.
Mesmo com os braços destroçados Corisco pára. Mostra o quanto é valente. Sabe que irá morrer, mas morrerá como um verdadeiro homem. João Torquato aponta-lhe a sua mortífera arma. Será o fim de um dos mais famosos companheiros de Lampião.

Dadá e Corisco

É neste instante tão decisivo que entra em cena a figura de Dadá. Sem temer o inimigo o enfrenta com inusitada coragem. Nele atira, fazendo-o desviar a sua atenção em Corisco e ter que trocar tiros com ela. Dadá não pára de atirar. Atira no feroz inimigo e empurra Corisco na direção de uma baixada protetora ali nas proximidades. As balas de sua arma se acabam. Eis que numa atitude gigantesca e inesperada, a companheira de Corisco o defende jogando pedras em João Torquato, o homem dos olhos grandes e “abotecados” como ela dizia.

Continua empurrando o companheiro. Escorrega e cai. O vingador da morte do pai sorriu. Apontou-lhe o seu fuzil. Iria matá-la sem piedade. Errou o alvo. Com raiva se prepara para o segundo tiro. Percebe então que a sua arma estava sem munição. Enfia uma das mãos no bornal. Tem que recarregar rapidamente o seu fuzil. Ao retirar a mão do bornal com as balas o nunca esperado aconteceu. Seus companheiros vinham chegando e sem medir as consequências atiraram justamente em João Torquato ferindo-o na mão que ele segurava as balas. Os pedidos que naquela agonia Dadá rogava a Nossa Senhora foram atendidos. Na confusão que reinou no meio dos da volante, Corisco e sua valente companheira conseguiram se salvar. 

Como se sabe, Corisco deixou esse mundo no dia 25 de maio de 1940, assassinado pelas armas de Zé Rufino. Baleada, Dadá teve a sua perna amputada.

João Torquato deixou à volante e retornou a sua amada Pia Nova, onde viveu até o final de seus dias. Em 1958 vamos encontrá-lo ao lado de Zé de Julião. (Foto à direita) Havia se tornado um de seus fiéis aliados, naquela famosa disputa política entre o antigo cangaceiro Cajazeira e o seu oponente Artur Moreira de Sá, quando os dois eram candidatos a prefeito de Poço Redondo.

Desesperado com a monstruosa perseguição que lhe movia o governador do Estado, Zé de Julião roubou a urna no dia da eleição, ou seja, em 03 de outubro de 1958, e João Torquato ali estava de arma em punho, pronto para matar ou morrer defendendo um dos antigos “cabras” de Lampião, cangaceiros que ele tanto odiava. 


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Para conhecer mais detalhes sobre essa história de sofrimento do povo sertanejo de Poço Redondo, em especial da família Torquato, leia-se os capítulos “Combate da Arara – morte de Zepelim”, página 249; “Os cangaceiros se vingam e matam Torquato e Firmino”, página 259; “A traição se consuma”, página 261; “Um milagre salva a volante”, página 265; e “A vingança de João Torquato, o filho de Torquato e o tiroteio com Corisco”, página 273, da terceira edição do livro “Lampião além da versão – Mentiras e mistérios de Angico”, que se encontra a venda com professor Pereira, em Cajazeira, na Paraíba. através do E-mail fplima1956@gmail.com
Ou pelos tels. (83) 9911 8286 (TIM) - 8706 2819 (OI)


Alcino Alves Costa
Caipira de Poço Redondo
Sócio da SBEC, Conselheiro Cariri Cangaço

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EM 24 DE AGOSTO DE 1954 GETÚLIO VARGAS DEIXAVA A VIDA PARA ENTRAR NA HISTÓRIA


No dia 24 de agosto de 1954, o presidente GETÚLIO VARGAS comete suicídio no Palácio do Catete, Rio de Janeiro, com tiro de revólver no peito.

Diante da crise institucional que se agigantava em seu governo, forçando sua renúncia, Vargas havia dito que do Catete só sairia morto.

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CURIOSIDADES

Por Geraldo Antônio De Souza Júnior

Você sabia? 


Lampião tinha por costume incentivar lutas corporais as chamadas “Queda de corpo” entre Cabras de menor expressão e entre recém-chegados ao bando e veteranos a exemplo do que aconteceu com José Ribeiro Filho “Zé Sereno”, que para ser incorporado ao bando do primo Zé Baiano, grupo subordinado a Lampião, teve antes que disputar uma queda de corpo com o jovem cangaceiro Volta Seca (Antônio dos Santos). Segundo Zé Sereno, após derrubar Volta Seca no chão por algumas vezes, foi aceito por Lampião e incorporado ao subgrupo liderado por seu primo, Zé Baiano (José Aleixo Ribeiro da Silva). 

Outra prática comum nos bandos cangaceiros era a luta entre cães. Ocasião em que os animais eram estimulados por seus donos para brigarem com cães adversários, onde saía vencedor o cão que conseguisse afugentar o oponente. 

Tanto na luta entre homens, quanto em lutas entre cães eram realizadas apostas. 

As lutas serviam para quebrar a rotina e garantir o divertimento dos cangaceiros durante suas longas jornadas em meio à caatinga ou durante as estressantes paradas nos coitos.


Um fato interessante ocorreu durante uma briga ocorrida entre os cães de Lampião e do cangaceiro Luiz Pedro, onde na ocasião o cão de Lampião foi derrotado e esse furioso pegou sua arma para matar o cão de Luiz Pedro. Luiz Pedro ao ver o Capitão furioso indo em direção ao seu cão, cruzou o caminho de Lampião o impedindo de descarregar sua fúria sobre o animal. Acalmado os ânimos, ficou o dito pelo não dito. 

Nas quebradas do Sertão. 

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NOS TUFOS DO MATO, A TOCAIA

*Rangel Alves da Costa

Tocaia, emboscada, armadilha, cilada, espreita, é tudo a mesma coisa: esconderijo de onde se espera a passagem do escolhido para lhe dar cabo da vida. Por outras palavras, o local onde o jagunço, o assassino ou matador, se mantém escondido, com arma apontada e gatilho pronto para ser apertado, esperando somente o surgimento daquele que será vitimado pelo ódio, pela desforra, pela desfeita, pela vindita de sangue.
Ainda acontece, mas o ofício da tocaiagem era grandemente característico no passado coronelista, num tempo de senhores de instintos abomináveis, de crueldade desenfreada, onde qualquer ameaça ao seu poder era resolvida na bala. Mas também nas relações odiosas entre pessoas comuns, quando as rixas e as discórdias provocavam somatórios de mortes por emboscada. Noutras situações de vinditas também o recurso da espera assassina, assim nas lides cangaceiras e nas revoltas sangrentas sertões adentro.
Morte de tocaia é morte à traição, perpetrada sem que a vítima sequer imagine que o inimigo o espera numa curva de estrada, por detrás de um pé de pau, dentro de um tufo de mato, em qualquer lugar onde possa se manter escondido e a arma mirada em linha certeira. Impossível de se defender quando apenas a boca faminta da arma vai no encalço esperando o instante certo para cuspir fogo.
Como aconteceu tantas vezes, o sujeito vai caminhando armado até os dentes ou mesmo galopando em cavalo ligeiro com verdadeiro arsenal, mas não sabe que mais adiante alguém aguarda sua passagem de arma já preparada. Não consegue avistar nada porque o jagunço está encoberto pelas folhagens, pelas árvores ou outra mureta nativa. Mesmo a dois metros não consegue avistar nada. Mas a arma já mirando sua chegada e ávida para ser disparada. E num instante basta apertar o gatilho, e pronto. O sujeito cai estrebuchando no chão.
Tal o modus operandi no ofício da jagunçagem e da tocaiagem, mas que não se imagine ser tarefa fácil de matador. A tocaia exige profissionalismo, preparo, segurança, firmeza e frieza. E assim porque exige não só a pontaria certeira, mas também preparação e conhecimento de campo. O jagunço matador precisa escolher o local da ação, necessita conhecer a vegetação da região, bem como saber a hora aproximada que o futuro defunto passará diante de sua mira.


Escolhido o local, resta a parte mais difícil e demorada: a espera. O jagunço nunca chega pela estrada comum ou pela vereda aberta, mas por dentro da mataria, de modo silencioso e lento. Ao chegar, o passo seguinte é procurar um lugar onde fique escondido e ao mesmo tempo possa avistar tudo o que acontece mais adiante. E também a colocação do cano da arma de tal modo que, estando com a boca livre, ainda assim não possa ser avistada.
Contudo, a espera em si é o mais angustiante, fazendo mesmo que muitos jagunços tenham desistido antes do evento fatal. Em primeiro lugar, porque só suporta esperar sem refletir sobre as consequências de sua ação aquele matador que já é movido pela cegueira da ação, pela cruel insanidade ou pela contumaz covardia. Em segundo lugar, porque qualquer sentimento surgido na espera pode provocar desistência. Daí que o jagunço não pensa em outra coisa senão preparar comida de urubu e retornar para dar notícia ao mandante, seu patrão.
Foi porque o marcado para morrer demorou a passar e o matador começou a pensar num monte de coisas, principalmente na sua sina de viver para a morte do outro, que se deu a última tocaia, ao menos para este mando. Enquanto esperava, sempre em posição de disparo, o jagunço olhou por cima do cano e apo final era como se avistasse um espelho adiante: ali um defunto sendo velado, uma família chorando, pessoas entristecidas, crianças sem pai e vidas ao desalento.
Logo cuidou de mudar de pensamento, mas ainda no espelho logo lhe surgiu sua própria face, suas mãos sujas de sangue, sua cama de capim, seu rosto entristecido, sua mão recebendo vintém, o dente de ouro do coronel brilhando na boca maldita, uma cova rasa e sem cruz no meio do mato. Aquela era sua vida, aquele seria o seu destino. Em seguida avistou, ao longe, cavalo e cavaleiro se aproximando.
De arma apontada, na mira certa, mas não teve coragem de apertar o gatilho. Desistiu. Ali a última tocaia, sem tiro, sem sangue, sem morte. E um jagunço seguindo por uma estrada distante do casarão do coronel.

Escritor
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MUDOU DE LADO

A entrevista de um suposto Ex-Cangaceirodo Bando de Lampião em 1931 


Durante o período de atuação de Virgulino Ferreira da Silva, o “Lampião” como chefe cangaceiro, chama a atenção de quem deseja conhecer a sua história através dos jornais, a quantidade de notícias que se pode encontrar na hemeroteca do Arquivo Público do Estado de Pernambuco.
 
Em alguns dos muitos jornais que circulavam em Pernambuco no período compreendido entre os anos de 1918 a 1938, quase todos os dias, principalmente entre os anos de 1922 e 1933, é difícil não se encontrar alguma notícia sobre o “rei do cangaço” e o seu bando. 
 
Muitas das antigas coleções destes jornais, proveniente de diversos pontos do Estado de Pernambuco, estão devidamente encadernados e abertos à pesquisa, que pode ser feita de forma tranquila, com pessoal especializado assessorando os pesquisadores, farto material, seguindo regras básicas de manuseio e correta utilização. 


Localizado na Rua do Imperador D. Pedro II, número 371, no bairro de Santo Antônio, próximo ao Palácio do Campo das Princesas, sede do governo pernambucano, esta repartição pública é um verdadeiro oásis de informações, onde aqueles que desejam se aprofundar nas pesquisas sobre o cangaço, certamente deverão sair deste local com alguma nova informação.
 
Recentemente estive em Recife para mais uma pesquisa sobre o cangaço neste local. Manuseando cuidadosamente o grande volume onde estão encadernadas as edições do primeiro semestre de 1931, o jornal recifense “A Notícia”, na edição do dia 8 de março, que em meio a muitas notícias da famosa e malfadada tentativa do capitão-aviador Chevalier, de utilizar um avião para dar combate a Lampião e seu bando no interior da Bahia, na primeira página, traz uma nota que chama a atenção pelo título; “Lampião, O soberano Sinistro - Um Ex-Companheiro do Famoso Cangaceiro, Faz Interessantes Declarações a Imprensa Carioca”. 

Capitão Carlos Chevalier
Cortesia de Nildo Alexandrino

Uma Interessante Entrevista

O jornal pernambucano transcreve uma reportagem do periódico carioca “Jornal de Notícias”, com uma entrevista do então soldado do exército brasileiro, Otaviano Pereira de Carvalho. Ele é apresentado como “um homem que conhece os esconderijos de Lampião, os seus processos, as suas táticas”. 
Otaviano, informa haver nascido na cidade cearense de Iguatu, estava agora, segundo o jornal, “incorporado à civilização”. Infelizmente a entrevista não informa como se deu a sua entrada no bando.
 
Afirmou que Lampião era um “bom homem”, que vivia na espingarda, mas era educado, possuía gestos de generosidade, distribuía dinheiro com os pobres, os cegos e falava pouco. 
 
Otaviano informou que no assalto a casa da baronesa o cangaceiro teria conseguido a fortuna de 150 contos de réis, brilhantes, rosários de ouro, onde o rosário principal estaria com uma suposta amante de Lampião, que vivia “na fazenda do Maxixe, em Pernambuco”. Informa o modo como a ação ocorreu através de um falso cortejo fúnebre que entrou na vila pela manhã cedo, onde as armas são retiradas de uma rede que supostamente traria um defunto, passando o grupo a atacar a casa do delegado e exterminam a vida deste militar. 
 
Seguramente este pretenso ex-cangaceiro comentava sobre o famoso assalto ocorrido em 26 de junho de 1922, a casa da senhora Joana Vieira Sandes de Siqueira Torres, a Baronesa de Água Branca, moradora deste município alagoano, homônimo ao seu título de nobreza. Fato este que gerou forte publicidade para a atuação de Lampião e do seu bando. 
Mas quem seria a amante da “fazenda do Maxixe”, em Pernambuco?

Detalhes sobre Lampião
 
 

O ex-cangaceiro Otaviano em nenhum momento fala algo negativo sobre seu suposto ex-chefe. Já em relação ao irmão deste, Levino, não nega palavras desaforadas;  
“Levino é um impossível. Eu queria ter um tostão, por cada moça que ele deixou a toa. É Malvado. Mata só para ver a queda”.
Sobre os protetores e coiteiros de Lampião, o então militar narrou que um certo “Véio Praxedes”, que vivia próximo à cidade de Custódia, em Pernambuco, lhe guardava muitas munições. 
 
Sobre as armas o ex-cangaceiro comentou que os fuzis do bando sempre eram utilizados serrados, transformando-os em “carabinas”, tornando o amamento mais leve e ágil na sua utilização. O armeiro que deixava as armas preparadas, um “mestre” na definição de Otaviano, seria um certo ferreiro de nome “Zuza”, do município cearense de Jardim, localizado na fronteira de Pernambuco.
 
Comentou que “o melhor esconderijo de Lampião fica na Serra da Forquilha”, que teria sido descoberto pelo então falecido cangaceiro paraibano Cícero Costa. No local, Otaviano informou existir um precioso caldeirão de água. Sobre este esconderijo, existe na região da Serra do Catolé, na zona rural do município pernambucano de São José do Belmonte, em direção à fronteira paraibana, um lugar conhecido como “Serra da Forquilha”. Estaria este pretenso ex-cangaceiro comentando sobre este lugar?
 
Sobre a medicina típica do bando, ele comentou a reportagem que para ferimentos de bala, Lampião e seus comandados utilizavam água de caroá para lavar o ferimento, depois colocavam leite de favela e entre quatro a cinco dias a ferida cicatrizava satisfatoriamente.
 
A reportagem enalteceu o comentário de Otaviano sobre o fato de Lampião não haver perseguido em 1926 a Coluna Prestes, na época do governo Artur Bernardes,. Disse que o ex-chefe era francamente favorável às revoluções no país, pois nestes períodos aproveitava para “descansar das perseguições”.
Sobre a propalada pontaria de Lampião, o jornal transcreveu as palavras do militar sertanejo na íntegra; “com um ôio só faz o servicinho míó do que com dois óio,,,”. Perguntado se ele era valente, comentou que Lampião “não tem preguiça de brigar, não”.
 
Já em relação à questão de onde surgiu à alcunha de Virgulino Ferreira da Silva, o ex-cangaceiro comentou sobre uma interessante tese. Segundo ele, em uma ocasião que Virgulino estava na vila pernambucana de Nazaré, local de onde surgiram seus mais ferrenhos perseguidores, ele teria feito um grande escarcéu, “quebrando todos os lampiões que existiam no lugar” e daí surgindo o nome que tornaria este cangaceiro famoso. Aqui temos uma versão bem diferenciada e original da origem do apelido. 
 
Sobre a ação da polícia, chama a atenção os extensos e satisfatórios comentários feitos pelo ex-cangaceiro Otaviano, sobre a valentia e a forma de agir do então capitão Lucena, da polícia alagoanaEra o mesmo oficial José Lucena que em uma desastrada ação policial ocorrida em território alagoano, no ano de 1921assassinou o pai de Virgulino, o pacato José Ferreira.
 
Durante toda a entrevista, Otaviano Pereira de Carvalho em nenhum momento comenta o seu nome como ficou conhecido no meio dos cangaceiros

Dúvidas

 

Esta interessante entrevista chama a atenção pela falta de fotografias do entrevistadomaioresdados sobre o militar Otaviano no Exército Brasileiro e outras notas mais detalhadas sobre a sua vida como cangaceiro. Seria para este pretenso ex-combatente do bando de Lampião se proteger
 
Mas seria este entrevistado e sua história verdadeira? Otaviano Pereira de Carvalho era quem ele realmente afirmava ser na entrevista? Seria tudo isso uma grande farsa?
 
 só mais outras pesquisas para corroborarou não, a reportagem de capa do jornal pernambucano “A Notícia”, do dia 8 de março de 1931. Não podemos esquecer que em 1931, o militar e político cearense Juarez Fernandes do Nascimento Távora havia comandado as forçasnordestinas que apoiaram Getúlio Vargas na implantação do movimento revolucionário de 1930na região. Seu poder era tanto que Juarez Távora ganhou o apelido de “Vice-Rei do Norte”
 
Távora e a Revolução de 1930 desejavam alterar as bases políticas e econômicas existentesentão no Sertão nordestinoretirando tudo que representasse o atraso, daí se enquadravamdesde os coronéis aos cangaceirosNeste sentido, uma entrevista com um ex-cangaceiro, agora militar do Exército Brasileiro, “um homem recuperado das hostes de Lampião”servia de maneiraextremamente positiva ao novo regime
Uma outra coisa que chama a atenção é o fato que todas as informações apresentadasprovavelmente  eram de conhecimento dos órgãos oficiais de repressão ao cangaceirismoNão se pode esquecer que em 1931 um certo número de cangaceiros estavam atrás das grades, a maioria cumprindo pena principalmente na Penitenciária de Recife. 
 
Estes “cabras de Lampião” haviam sido presos na época da campanha de repressão comandadapelo então Chefe de Polícia de Pernambuco, Eurico Souza LeãoEsta campanha repressiva teveseu auge entre 1927 e 1929sendo um dos principais fatores para Lampião e um reduzidonúmero de homenscruzarem o rio São Francisco e atuarem principalmente nos sertões da Bahia, Alagoas e Sergipeaté a sua morte em 1938. 
Estes cangaceiros poderiam (talvez até sob tortura?) terem fornecido estas informações à polícia e elas terem sido utilizadas para a reportagem?

Conclusão

Estas conjecturas, sobre uma simples e antiga reportagem, mostra o quanto é interessante e difícil este tipo de trabalhoEvidentemente que para aqueles que trabalham com a pesquisa históricaseja em relação ao cangaço ou outros assuntosvenha à informação pesquisadaoriunda de fontes orais ou documentaisconseguidas através de um diálogo com um informanteou em uma hemeroteca de algum arquivo, não é nenhuma novidade comentar que o material analisado deve ser sempre visto com ressalvas e exaustivamente analisado.
 
Entretanto visitar arquivos, em um futuro não muito distantedeverá ser a principal forma de se pesquisar sobre o cangaço. Pois enfim o tempo não para, e as últimas testemunhas reais dos fatos relativos ao cangaço estão seguindo seu caminho natural.


Por Rostand Medeiros
Pesquisador
 
Ops! Não tirem conclusões antes de ler os comentários.

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A LENDÁRIA CASA DE PEDRA DA FAZENDA CACHOEIRA, PÁGINA DA RICA HISTÓRIA DE SÃO JOSÉ DO BELMONTE-PE


Por Valdir José Nogueira - pesquisador/escritor

Daqui partiu em maio de 1838 Simplício Pereira para se juntar a seus irmãos Manoel, Alexandre e Cipriano e destruir o arraial sebastianista do Reino Encantado.


Ao sopé da Serra do Reino, no meio da caatinga, na zona rural, paralela a estrada velha do Carmo adormece um pedaço da história de São José do Belmonte. Entre marmeleiros e canafístulas frondosas ergue-se um paredão e o esqueleto de pedra de uma casa. Estima-se que a famosa Casa de Pedra, bastante referenciada em documentos antigos, tenha sido construída no ocaso do século XVIII. Pertenceu ao Coronel Simplício Pereira da Silva. Foi ele quem deixou a propriedade de herança para sua neta Antônia Pereira da Silva (falecida a 17/05/1907 aos 53 anos de idade), casada com o coronel José Sebastião Pereira da Silva (Cazuzinha da Cachoeira), 1º Prefeito de São José do Belmonte e segundo dono da fazenda. Sede patriarcal, construção em alvenaria de pedra e barro, essa casa foi edificada por escravos e vaqueiros. Fazenda sede das mais antigas da região, localizada no latifúndio da Fazenda Coroas, e uma das 7 fazendas que originou o município de São José do Belmonte, a fazenda Cachoeira no princípio, foi propriedade dos Viscondes da Casa da Torre de Garcia D’Ávila da Bahia, e onde também se fixou um dos principais núcleos da família Pereira do Sertão do Pajeú.




A Casa de Pedra da Fazenda Cachoeira por várias vezes acolheu Sinhô Pereira e Luiz Padre durante as suas incursões pelo cangaço. Em volta dela, contam-se que tempos depois foram desenterradas várias botijas.


Grande vulto da história sertaneja, Simplício Pereira da Silva nasceu em 1784 e faleceu na fazenda Cachoeira a 10 de janeiro de 1859, este senhor tornou-se uma lenda em sua época, os seus feitos são extensos, participou ativamente no sertão de várias convulsões políticas que se sucederam após a abdicação de D. Pedro I, tendo recebido a aprovação a tenente-coronel da "Guarda Nacional" no dia 19 de novembro de 1842, quando prendeu os implicados na "Revolta de Exu" que denominamos de "Pré-Praieira". 




Além da fazenda Cachoeira onde residia, o coronel foi também proprietário em Belmonte da fazenda Olho d'Água da Boa Vista, cuja fazenda foi ofertada como dote de casamento a sua filha Generosa Pereira da Silva. Por sua pequena estatura, foi apelidado de "peinha de mão". Simplício meteu-se em muitas aventuras. Ao que relatam, gostava de matar índios. Entre batizados e pagãos, matou até perder a conta. Não satisfeito, o "peinha de mão" entrou de rijo na rude política do tempo, lutando com um bando de cabras do Pajeú contra o coronel-de-milícias Joaquim Pinto Madeira, o homem da coluna do Trono e do Altar, que sonhou um dia restaurar Pedro Primeiro. Simplício foi um dos principais "desencantadores" das Pedras do Reino Encantado del-rei dom Sebastião. Da fazenda Cachoeira, em maio de 1838 marchou ao encontro dos seus irmãos para destruir o arraial sebastianista, massacrou o quanto pôde os fanáticos da inusitada monarquia, vingando a morte de dois irmãos, Alexandre e Cipriano.



O coronel Simplício Pereira da Silva foi casado duas vezes, a primeira com Maria José Barbosa e a segunda com Ana Joaquina do Amor Divino (filha de Aniceto Nunes da Silva, e falecida em 12/6/1878 aos 74 anos de idade, na fazenda Baixa Grande, freguesia de Jardim-CE e sepultada no cemitério de Belmonte. Esta não deixou descendentes). Do primeiro casamento com Maria José Barbosa nasceram dois filhos: Antônio Simplício Pereira da Silva e Generosa Pereira da Silva, esta era mãe de Antônia Pereira da Silva, herdeira da fazenda Cachoeira e esposa de José Pereira da Silva (Cazuzinha da Cachoeira), 1º Prefeito de São José do Belmonte. Leal ao Império do Brasil e membro do Partido Conservador, José Sebastião Pereira da Silva recebeu a comenda imperial da Ordem de Cristo em 24 de janeiro de 1872, pela princesa Imperial Regente Dona Izabel de Bragança. Cazuzinha faleceu na Cachoeira no dia 25 de dezembro de 1892 em pleno mandato de prefeito.


Do local onde existiu a Casa de Pedra da Cachoeira, tem-se uma espetacular visão da Serra do Reino, onde se ergue majestosa a lendária Pedra do Reino, hoje símbolo do município de São José do Belmonte.




Ao contrário do que se pode imaginar, a vida na fazenda Cachoeira em tempos idos estava longe de ser tranqüila, principalmente nos períodos de seca. Algumas tribos indígenas da nação Cariri, que viviam na região da Serra do Catolé, julgando de sua propriedade tudo que a terra produzisse ou sobre ela vivesse, atacaram inúmeras vezes a fazenda Cachoeira, matando vaqueiros, gados, escravos e até incendiando-a. Durante décadas foram travadas diversas guerras pela região, em que os indígenas, incapazes de fazerem frente ao poderio bélico dos fazendeiros, eram severamente perseguidos.

Onde hoje é um curral, no passado era o velho cemitério da Fazenda Cachoeira. Nesse local foram sepultados muitos escravos.


Na velha fazenda também foram celebradas várias cerimônias de casamentos, dentre as quais o casamento de dona Generosa Pereira da Silva, com 19 anos de idade (filha do coronel Simplício Pereira), realizado no dia 21 de novembro de 1845, com José Nunes Pereira, seu primo legitimo, também com 19 anos de idade, filho do Comandante Superior Manoel Pereira da Silva. Foram testemunhas das bodas, Vitorino Pereira da Silva e Sebastião Pereira da Silva.



A Casa de Pedra da Fazenda Cachoeira por várias vezes acolheu Sinhô Pereira e Luiz Padre durante as suas incursões pelo cangaço. Em volta dela, contam-se que tempos depois foram desenterradas várias botijas.
Até ser devorada pela ação do tempo, os últimos moradores da Casa de Pedra foram os filhos do coronel Cazuzinha da Cachoeira: Sebastião (Baiãozinho), solteiro; Simplício, solteiro; Generosa (Sinhazinha), solteira; Arcôncio, casado com Januária filha de Lúcio Pereira e Francisca Pereira, e Antônio (Toinho da Cachoeira), solteiro, morto no dia 22 de outubro de 1922, durante o assalto à casa do coronel Luiz Gonzaga Gomes Ferraz . 




Machado de Assis deu o nome de Relíquias da Casa Velha a um livro de contos, mas bom seria que tivesse escrito um belo conto com esse nome, pois as casas velhas, e até as ruínas de uma casa velha como as ruínas da Casa de Pedra da Fazenda Cachoeira guardam histórias, lembranças, segredos, tristezas, alegrias e às vezes tragédias.



No passado, a Fazenda Cachoeira foi marcada por histórias de gerações da família Pereira, fundamental para a memória de São José do Belmonte.

Valdir José Nogueira de Moura

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