Seguidores

sábado, 26 de dezembro de 2015

PADRE FERREIRA

Por Francisco de Paula Melo Aguiar

A história não é invenção sem pesquisa, fato e acontecimento.
Francisco de Paula Melo Aguiar

Quem é metido a historiador deve viver pesquisando os fatos que envolvem o lócus em sua historicidade, sempre que possível retratando a verdade até onde a mesma é possível sua comprovação por dedução racional e lógica dos fatos, inclusive por analogia dentro da tese da aproximação dos acontecimentos. Isso é o mínimo que um historiador pode oferecer aos seus leitores presentes e futuros. Assim sendo, o disse me disse em Santa Rita de que o Vigário Padre Manoel Gervásio Ferreira da Silva, que aqui chegou em 1874 para tomar conta de nossa freguesia católica apostólica romana. Aquele que fundou a primeira escola de educação de adultos do sexo masculino, conforme transcrevemos que o jornal Gazeta da Parahyba, ano 1, editado na Parahyba do Norte, sexta feira, 21 de dezembro de 1888 – nº 187, folha diária, publicou na primeira página: “Club Amigos do A.B.C. Com este título acaba de fundar-se na povoação de Santa Rita uma associação, cujo fim é propagar a instrucção por meios de aulas nocturnas. Teve logar a primeira reunião no domingo ultimo, a que compareceram 43 sócios, sendo eleita a directoria que ficou composta dos Srs. : Vigário Manoel Gervasio Ferreira da Silva, presidente; Dr. Chrispim Antonio de Miranda Henriques, vice presidente; Amaro Gomes Ferraz, 1º secretario; Galdino Ignacio de Vasconcellos, 2º secretario. Mais louvaveis não podem ser os intituitos da nova associação a qual desejamos vida longa e que consiga o fim que tem em vista. No próximo domingo realisa-se a segunda reunião para discussão dos estatutos”(Transcrevemos com a ortografia da época do referido jornal). Esse acontecimento histórico municipal aconteceu em 21 de dezembro de 1888, portanto, há sete meses da libertação dos escravos nos termos da Lei Áurea assinada pela princesa Isabel em nome do Segundo Império Brasileiro. Santa Rita era apenas um povoado agregado ao município da capital da Paraíba do Norte. Isso é fato e contra fato não se tem argumento. Ressaltamos de que em 19 de março de 1890, através do Decreto nº 10, foi emancipado o município de Santa Rita, sendo Antônio Gomes Cordeiro de Mello, empossado Presidente do Conselho Municipal de Intendência com a instalação do município em 29 de março de 1890. Tudo bem. Depois o disse me disse, sem comprovação histórica fala de que no período de janeiro de 1893 a setembro de 1897, o Padre Manoel Gervásio Ferreira da Silva, se elegeu deputado estadual de Santa Rita, sic, e influenciou a restauração da emancipação política de Santa Rita, graças ao presidente Antônio da Gama e Mello. A restauração da autonomia municipal aconteceu realmente em 1897, porém, o nome do Padre Manoel Gervásio Ferreira da Silva, como deputado estadual eleito em 1896, sic, não consta em nenhuma legislatura da Assembléia Legislativa do Estado da Paraíba, inclusive na “3ª LEGISLATURA - 1896-1899”, pois na época eram os seguintes deputados estaduais: “Abdon Odilon da Nóbrega; Adelgício Cabral de Albuquerque Vasconcelos; Antônio Tomás de Araújo Aquino – faleceu; Apolinário da Trindade Meira Henriques; Apolônio Zenaide Peregrino de Albuquerque – renunciou; Ascendino Cândido das Neves; Augusto Alfredo de Lima Botelho; Augusto Gomes e Silva; Cláudio César Freire; Francisco Antônio da Silva Araújo Pereira;  Francisco Claudino de Lima e Moura; Francisco de Gouveia Nóbrega - eleição complementar; Francisco de Paula Pessoa da Costa – faleceu; Francisco Targino Pereira da Costa; Graciliano Fontino Lordão; Gustavo Mariano Soares de Pinho; Higino Gonçalves Sobreira Rolim; Inácio Evaristo Monteiro Sobrinho; João Leite Ferreira Primo; João Lourenço Porto; João Pereira de Castro Pinto - eleição complementar;  José Alves Cavalcanti de Albuquerque; José Bezerra Cavalcanti de Albuquerque; José Campelo de Albuquerque Galvão; José Fernandes de Carvalho; José Francisco de Moura; José Francisco de Paula Cavalcanti (Coronel Cazuza Trombone); Manoel Dantas Correia de Góis; Manoel Joaquim de Sousa Lemos; Manoel Soares Sarmento; Waldevino Lobo Ferreira Maia; Walfredo dos Santos Leal - eleição complementar; Wenceslau Lopes da Silva”, conforme pesquisa¹. Portanto, cai por terra o argumento de que Padre Manoel Gervásio Ferreira da Silva, foi deputado estadual por Santa Rita na terceira legislatura de 1896 a 1899 da Assembleia Legislativa do Estado da Paraíba. Isso não é verdade. Ressaltamos de que a Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro - 1891 a 1940 - PR_SOR_00165_313394, publicou em 1901 os Estados da República, inclusive cita textualmente as páginas 1346, 1347 e 1348², onde consta: “Governo do Estado – Presidente: José Peregrino de Araújo, Desembargador; 1º Vice Presidente: Affonso Lopes Machado, Dr.; 2º Vice Presidente: Manoel Gervasio Ferreira da Silva, Padre” (p. 1346). Por outro lado, é importante também afirmar de que o Padre Ferreira, apesar de ser um homem influente com vigário, chefe político e vice Presidente do Estado da Paraíba no período de 22 de outubro de 1900 a 22 de outubro de 1904, não assumiu o cargo de governador interino estadual por um grau de segundo, tendo em vista o que consta das mensagens e ou relatórios administrativos anuais enviados pelo presidente José Peregrino de Araújo nos anos de 1901³, 19024, 19035 e 19046. Mesmo assim, o padre coronel na religiosidade e na gestão pública santaritense, foi um dos idealistas ao lado de Antônio Gomes Cordeiro de Mello, dentre outros para fazer Santa Rita livre do domínio político e administrativo da capital do Estado da Paraíba.  A política circulava em suas veias como o sangue a procura da oxigenação, exerceu por diversas vezes funções públicas eletivas, dentre as quais a de Presidente do Conselho Municipal, órgão equivalente a atual Câmara Municipal no período de 1907 a 1910, tendo como vice presidente o Capitão Clementino Augusto de Oliveira e como secretário Terêncio Ferreira.  Neste período o prefeito era o coronel Francisco Alves de Souza Carvalho e o vice prefeito era Olynto Gil de Freitas. O cargo de juiz de paz era preenchido por eleição em Santa Rita e no resto do Brasil naquele tempo.

Para se ter uma noção geral da historicidade de Santa Rita no período de 1907 a 1910,  fim da primeira década do século XX, passaremos a transcreve, inclusive com a ortografia da época o que diz o Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro (1891 a 1940), a respeito de Santa Rita-Paraíba7 em 1909,

“ESTADO DA PARAHYBA DO NORTE
Santa Rita
Município pertencente á comarca da capital. Comprehende os districtos  da cidade e Livramento. Por decreto de 14 de junho de 1890 foi creado comarca. E em janeiro de 1903 foi supprimida a comarca e o município. Por lei 79 de 24 de setembro de 1897 foi restabelecido o município. O transporte é feito por via ferrea, estradas de rodagem em animaes e automoveis.
Possue 868 casas cobertas de telhas e 2936 de palha. Sua população é de 17:643 almas, sendo 8086 homens e 9557 mulheres (1909).
Administração municipal:
Prefeito: Francisco Alves de Souza Carvalho, cor.
Sub-prefeito: Olynto Gil de Freitas”.

                   O Conselho Municipal Legislativo estava assim constituído:

“Presidente do conselho: Manoel Gervário Ferreira da Costa, pad. (em vez da Costa, da Silva, correção nossa).
Vice – presidente: Clementino Augusto de Oliveira, cap.
Secretario: Terencio Ferreira.
Procurador thesoureiro: E. Ferreira do Monte Falco.
Conselheiros:
Ernesto Rodolpho Cavalcanti de Albuquerque.
Joaquim P. Ferraz de Carvalho.
Manoel Justino de Andrade”.

                     Os serviços de fiscalização, portaria e de guardas municipais estavam constituídos assim:

“Fiscal: Henrique da Silva e Albuquerque.         
Porteiro: Antônio F. da Nobrega.
Guardas:
Joaquim Teixeira de Vasconcellos.
Manoel de Sousa Maciel”.

                    Os serviços processuais municipais estavam assim organizados, segundo a legislação pertinente em vigor:


“Administração judiciária:
1º districto: Santa Rita.
Supplentes do juiz substituto seccional:
1º Clementino Augusto de Oliveira.
2º Olinto Gil de Freitas.
Ajudante do procurador da República:
Terencio Ferreira”.

                   E através de eleições livres a população habilitada  escolhiam os,

“Juizes de paz:
1º Dr. Thomaz Gomes da Silva.
2º Antônio Gomes Cordeiro de Mello.
3º José Gonçalves do Nascimento.
4º Pedro Serapião de Araujo.
Supplentes:
Chrysanto Ribeiro P. de Lacerda.
Elias Gomes da Silveira.
Genuino Thomaz de Mello.
Pedro Teixeira de Vasconcellos.
Official de registro civil e escrivão de paz: Duval Gonçalves do Nascimento”.

                       Tanto a sede Santa Rita, quanto o Distrito de Nossa Senhora do Livramento tinha seus juízes de paz:
      
“2º districto: Livramento.
Juizes de paz:
1º Hypolito de Sousa Falcão;
2º José Emilio P. de Carvalho.
3º Belino Alves de Vasconcellos Duarte.
4º Joaquim da Silva P. Ferreira.
Supplentes:
Eduardo Marques Guimarães.
José da Costa e Silva.
Losé Moreira dos Santos (Losé em vez de José).
Paulo Canuto da Paz”.

                         A segurança pública também se fazia presente assim:

“Administração policial:
Delegacia:
Delegado: Alexandre Benicio de Carvalho.
Supplentes:
1º Terencio Ferreira.
2º Marcelino Cavalcanti de Albuquerque.
3º Feliz de Mello Azedo.
1ª Sub-delegacia:
Joaquim Gomes da Silveira.
Supplentes:
1º João Ferreira de Deus.
2º Constantino José de Medeiros Correia.
3º Olynto Gil de Freitas.
2ª Sub-delegacia:
Sub-delegado: João Braz Ferreira.
Supplente: João B. de Vasconcellos Maia.
Districto do Livramento, 3ª Sub-delegacia:
Sub-delegado: Henrique Chrisostomo de Carvalho.
Supplentes:
1º Anthero Lopes de Mendonça.
2º Ulysses Toscano de Brito.
3º Elysio Lopes de Mendonça.
4ª Sub-delegacia:
Sub-delegado: Carlos Hilario de Carvalho.
Supplentes:
1º Manoel Chaves de Carvalho.
2º Francisco da Cosa Guarim.
3º Manoel Valerio de Carvalho”.

                         No período de 1907 a 1910, Santa Rita tinha duas grandes educadoras,

“Instrucção publica e particular:
Professores minicipaes:
D. Joanna Gomes da Silveira.
D. Maria Vita Ferraz de Carvalho”.

                        A mesa de renda estadual também já existia entre nós,

“COLLECTORIAS:
Collector estadoal: Francisco Moniz de Medeiros.
Escrivão: Manoel Valerio de Carvalho”.

                        Os serviços dos correios e telégrafos também já estavam implantados,

“Correio:
Dona Ana Carolina Cordeiro de Mello.
Telegrapho:
Chefe: Mnaoel Moniz de Medeiros”.

                         A Igreja Católica Apostólica Romana ainda era a única instituição religiosa existente no âmbito municipal em funcionamento, haja vista que durante o período imperial a mesma era a igreja oficial,

“Religião:
Vigário collado: Manoel Gervasio Ferreira da Silva”.

                       Os serviços religiosos eram divulgados e propagados na comunidade através das

“Irmandades:
Conceição.
Dores.
Coração de Jesus.
Rosario.
Santo Antonio”.

                         A cidade também tinha  “Sociedade Musical Carlos Gomes”, que com o passar foi extinta por seus fundadores.
                         O comércio local já era próspero e tinha diversos estabelecimentos comerciais, dentre os quais,

“Commercio:
Fazendas, seccos, molhados, ferragens, etc.
Antonio Thomaz Gomes da Silva.
Clementino Augusto de Oliveira.
Ernesto Rodolpho C. de Albuquerque.
Genuino Thomaz de Mello
Horacio de Mendonça Furtado.
José Kurth.
Luiz Correia”.

                   A história do Brasil registra que na Paraíba, o primeiro engenho de fabricação de açúcar foi o Engenho Tibiri, desde o período do Brasil Colonial, o solo santaritense foi logo ocupado com a construção de diversos engenhos de cana de açúcar, não ficou apenas no sonho realizado pela primeira fábrica do gênero, porém, Santa Rita também recebeu da iniciativa privada a primeira fábrica de tecidos do Estado da Paraíba em 1892, a “Companhia de Tecidos Tibery Parahybana”, bem como registramos em 1909 a existência de,

“Engenhos:
Angelo Custodio Correia, Santiago e Torrinha.
Antonio C. de Carvalho, Joburu (joburu não, Jaburu).
Antonio Cordeiro de Mello, Capellinha.
Antonio Furtado, Santo André.
Antonio Lyra, cor, Cumb..         
Antonio da Silva Mello Filho, Unna.
Caetano Gomes de Almeida, cor., Gargaú, Pau Dases e Clara Netto.
Companhia Commercio (sede Rio de Janeiro), Central S. João.
Guilherme Gomes da Silveira, S.Guilherme.
Francisco Alves de Sousa Carvalho, cor., Rio Preto, Coiongo, Pureza e Pameza.
Francisco Marques da Fonseca, Santo Amaro.
Dr. Francisco Barbosa Aranha Monteiro da França, S. Francisco e Medo.
Dr. Lindolpho de Assumpção , Tibery.
D. Maria Pedrosa, Engenho Velho.
Fabrica de álcool e assucar: João Augusto Moreira”.
             
                     Entre os proprietários rurais também em 1909, encontramos em Santa Rita,

“Agricultores e lavradores:
Alypio Gomes da Silveira.
Antonio da Silva Mello Filho.
Cypriano Gonçalves do Nascimento.
Francisco Alves de Sousa Carvalho, cor.
Dr. Francisco Barbosa A. Monteiro da Fonseca.
João Victorino Raposo.
Terencio Ferreira”.

                   Como não poderia faltar a presença dos principais,

“Criadores:
Caetano Gomes de Almeida.
Francisco Alves de Sousa Carvalho, cor. (coronel).
João Victorino Raposo.
Dr. Lindolpho de Assumpção Santiago.
D. Maria Pedrosa”.

                    E por fim o Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro (1891 a 1940), que menciona em suas páginas a existência de figuras importantes no mundo econômico e financeiro,
 “Capitalistas:   
Dr. Agostinho Netto.
Antonio Furtado da Motta.
Caetano Gomes de Almeida.
João Victorino Raposo”.

                    Enfim, essa é a Santa Rita até 1910 do Padre Manoel Gervásio Ferreira da Silva, falecido em 1916, que passou por morte o comando supremo da chefia política municipal ao coronel Francisco Alves de Souza Carvalho.

¹ Cf.: José Ozildo dos Santos. Deputados Estaduais por legislaturas. In.:
² Cf.: Edição digitalizada A00058, fls., 1169, 1170 e 1171. In.:
³ Cf.: Paraíba. Mensagem de 1901. In.:<  http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u534/index.html > . Acessado em, 03/04/2015.
4 Cf.: Paraíba. Mensagem de 1902. In.: <  http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u535/index.html > . Acessado em, 03/04/2015.
5 Cf.: Paraíba. Mensagem de 1903. In.:  <  http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u535/index.html  > . Acessado em, 03/04/2015.
6 Cf.: Paraíba. Mensagem de 1904. In.: < http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u537/index.html > . Acesado em, 03/04/2015.
7 Cf.: Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro - 1891 a 1940 - PR_SOR_00165_313394. Acessível in.:


Enviado pelo poeta e escritor Francisco de Paula Melo Aguiar

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

ADRIÃO PEDRO DE SOUZA


Angico: Cenário final... Aqui tombou Lampião, sua Maria, mais nove cangaceiros e ainda... Adrião.
www.cariricangaco.com

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

LAMPIÃO E OS ESCOTEIROS VENEZUELANOS – VERDADE OU FANTASIA?

Autor Rostand Medeiros

Teria realmente acontecido um encontro entre o cangaceiro Lampião e um grupo de escoteiros venezuelanos na caatinga nordestina?


Principalmente por ser um movimento que tem como objetivo apoiar os jovens em seu desenvolvimento mental, físico e espiritual, para que possam desempenhar um papel construtivo na sociedade, com um forte foco em atividades ao ar livre e habilidades de sobrevivência, foi que nas primeiras décadas do século passado o escotismo se tornou uma atividade extremamente popular em todo o mundo[1].

E tudo começou com o major-general do exército britânico Robert Stephenson Smyth Baden-Powell. Este possuía uma excelente carreira no serviço militar e tinha adquirido muito prestígio na Inglaterra pela sua atuação na Segunda Guerra dos Bôeres[2].

Robert Stephenson Smyth Baden-Powell – Fonte – wpsess.octhium.com.br

Sua ascensão à fama alimentou as vendas de um pequeno manual militar denominado Aids to Scouting. Neste trabalho lançado em 1899, Baden-Powell tratou principalmente do treinamento de soldados na função de observadores, batedores e trouxe explicações sobre orientação no campo, além de métodos de como sobreviver com a alimentação encontrada na natureza.

Em seu retorno à Inglaterra o general soube que Aids to Scouting era utilizado por professores e organizações de juventude como um primeiro manual escoteiro. Ele também percebeu que muitos garotos mostraram considerável interesse no seu trabalho e aquilo lhe apontou que deveria escrever um manual para o público mais jovem.


Baden-Powell publicou no início de 1908, em seis edições quinzenas, uma “revista” chamada Scouting for boys (Escotismo para Rapazes). Este trabalho estabeleceu as atividades e programas que as organizações de juventude poderiam utilizar em saídas no campo. 

A reação a este material foi fenomenal, além de bastante inesperada. Em um tempo muito curto patrulhas escoteiras foram criadas em toda Inglaterra, todos seguindo os princípios de Baden-Powell. No mesmo ano Scouting for boys foi lançado no formato de um livro[3].

O sucesso foi tanto que em 1909 era fundada no Chile a primeira associação de escoteiros da América do Sul. Logo jovens de outros países da região adotavam a ideia.

Escotismo na Venezuela

Foi Ramón Ocando Pérez que organizou em 1913 as primeiras patrulhas escoteiras na cidade de Maracaibo, Venezuela, sendo ele considerado o percursor do escotismo neste país. Tal como noutras partes do mundo, na Venezuela o movimento escoteiro logo conseguiu grande aceitação na sociedade e uma forte participação dos jovens.

Escoteiros venezuelanos – Fonte –http://museovirtualscoutvzla.com

Ao longo dos anos foram criados novos grupos de escoteiros no país, com intensa movimentação. Logo as patrulhas seguiam para locais cada vez mais distantes, realizando o que era conhecido na época como “Raid pedestre.

Em 12 de dezembro de 1934 um grupo de vinte escoteiros venezuelanos iniciou uma destas aventuras, cujo objetivo era sair de Caracas e chegar caminhando ao Rio de Janeiro[4]. A liderança destes escoteiros estava a cargo do “Capitán Scouts” Andrés Zambrano, um jovem oriundo de Maracaibo, então com 21 anos e filho do general Alejandro Rondón Zambrano[5].

O grupo teria então entrado pelo Brasil através da fronteira amazônica, mas infelizmente são mínimas as informações sobre o trajeto destes escoteiros, as cidades em que estiveram e o que fizeram. Mas, segundo entrevistas do próprio Andrés Zambrano, ele e seus colegas tiveram um terrível encontro nas caatingas nordestinas com ninguém menos que o cangaceiro Lampião.

A Primeira Notícia e o Desconhecimento dos Diplomatas Venezuelanos Sobre os Escoteiros.

Esse episódio da história do cangaço de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, ocorreu no último mês de 1935 e foram correspondentes na Bahia que primeiro transmitiram noticias deste encontro para o periódico carioca “A Noite”. Este era um jornal que sempre publicava notícias relacionadas a Lampião e ao cangaço que existia no distante Nordeste.


Tudo indica que o grupo de escoteiros chegou a Salvador no dia 14, ou 15 de dezembro. O certo é que já no dia 16 daquele mês a notícia era publicada na primeira página de “A Noite”. Mas, de maneira geral, as primeiras notícias divulgadas sobre estes escoteiros foram limitadas.

Informou-se basicamente que Zambrano e seus amigos haviam adentrado o território baiano em outubro de 1935. Ao seguirem a pé pela caatinga os venezuelanos ouviram várias histórias dos sertanejos sobre o temível Lampião, até que em certo momento foram surpreendidos por cangaceiros armados em um lugar chamado “Água Bella”[6].

Nesta primeira reportagem publicada o venezuelano Zambrano informou que no início houve certa confusão pela incompreensão dos cangaceiros diante dos jovens que falavam espanhol, mas ele e seus amigos passaram a noite toda presos, esperando serem trucidados. Foram duas mulheres, entre elas Maria Bonita, que pediram pelas vidas dos estrangeiros e eles foram libertados.

Notoriedade – Lampião e Maria Bonita com um exemplar do jornal carioca “A Noite Ilustrada”

O mais interessante (e estranho) nas primeiras notícias divulgadas por Zambrano, é que os venezuelanos estavam “armados” e foram despojados pelos homens de Lampião do armamento e de suas munições[7].

O texto do jornal finalizava comentando que o grupo estava Salvador e, como era praxe nesta época quando um grupo de escoteiros estrangeiros chegava a uma cidade que estava no itinerário de um “Raid pedestre”, normalmente eles foram recebidos pelas autoridades locais e tencionavam seguir o mais rapidamente possível para o Rio de Janeiro.

Enquanto os venezuelanos se preparavam para partir de Salvador, na então Capital Federal, após receberem as notícias do correspondente na Bahia, os jornalistas de “A Noite” não perderam tempo e partiram céleres para buscar informações oficiais sobre aqueles escoteiros na representação diplomática da Venezuela. A resposta dos membros da legação daquele país no Brasil foi que aquela empreitada era “um empreendimento sem caráter oficial” e “nada sabiam a respeito” [8].
Junto a Polícia Mineira

Mas somente com a chegada do novo ano de 1936 é que vamos ter mais detalhes deste encontro dos escoteiros com Lampião e alguma nova notícia dos venezuelanos.

No final de fevereiro o “Capitán Scouts” Andrés Zambrano estava sozinho em Belo Horizonte, onde deu uma declaração ao correspondente do jornal “A Noite” lotado naquela cidade[9].


Zambrano comentou que estivera na cidade mineira de Corinto, mais de 1.200 quilômetros de Salvador, onde passou por vários problemas. Ali o delegado Oswaldo Machado prendeu o escoteiro que “pregava” para a pequena comunidade. O delegado tinha a suspeita que o venezuelano fardado fosse um “elemento extremista”. O jovem escoteiro foi conduzido sob escolta para a capital mineira, distante cerca de 240 quilômetros de Corinto[10].

Na sede da Polícia Central o estrangeiro aparentemente passou nos policiais mineiros uma versão venezuelana do brasileiríssimo “sabe com quem tá falando?”. Pois junto às autoridades presentes Zambrano informou que “era filho do general Alejandro Rondón Zambrano” e foi “prevenindo” os policiais que estes não poderiam detê-lo por “mais de 24 horas”, que ele “conhecia direito internacional” e que se necessário faria “valer seu direito se fosse preciso”.

Lampião – Fonte – lounge.obviousmag.org

Talvez pelo uniforme, ou pela segurança nas palavras, o certo é que o escoteiro venezuelano “não esquentou a cadeira” na chefatura de polícia. Logo suas declarações foram registradas no então Cartório de Vigilâncias e Capturas e ele foi liberado. 

Da polícia seguiu para ser entrevistado pelo jornalista correspondente de “A Noite”. Que por sinal estava muito mais interessado sobre o encontro de Zambrano com Lampião, do que as suas peripécias junto aos “homens da lei”.

“-Toca, Negrada, Levanta. Vamos ao Chefe”

Durante a entrevista Zambrano se apresentou vestido de uniforme cáqui, com galões de capitão e um grande chapéu de feltro escuro e abas largas. Já o correspondente de “A Noite” mostrou ao venezuelano a edição de dezembro de 1935 daquele jornal, onde estava a primeira reportagem sobre a aventura dos escoteiros venezuelanos. Zambrano também apresentou ao jornalista uma caderneta com anotações e declarações de autoridades brasileiras, comprovando a sua passagem por vários locais do nosso país.

Para Zambrano a viagem pelo Brasil seguiu sem maiores problemas, mas que o nome e o medo que existia em relação a Lampião era comentado em vários locais por onde ele passou. Entretanto Zambrano e seus amigos fizeram pouco caso das façanhas do cangaceiro. Pensavam até que Lampião seria uma espécie de “superstição” dos brasileiros incultos do norte.

Zambrano entrevistado em Belo Horizonte.

Superstição, ou não, Zambrando conta que em uma manhã tranquila, quando ele e seus camaradas se encontravam a “14 léguas” (84 quilômetros) de “Água Bella”, pararam todos embaixo de algumas árvores para beber água e comer bananas, foi quando o grupo foi cercado por 24 cangaceiros fortemente armados “de fuzis e facas” e montados em alimárias.

Os guerreiros encourados apearam e o que comandava o grupo falou com extremo autoritarismo “-Toca, negrada, levanta. Vamos ao chefe”. Na mesma hora Zambrano entendeu que iria ficar frente a frente com Lampião.

Os venezuelanos então acompanharam o bando de cangaceiros por cerca de cinco léguas (30 quilômetros), em meio a uma caatinga fechada.

No esconderijo Zambrano descreveu que Lampião recebeu os estrangeiros no final da tarde, muito a vontade, embalando-se “em uma rede vermelha e amarella” e que entre suas pernas estava “um fuzil cravejado de libras”, que após a “análise” do venezuelano, constatou serem “canadenses”[11].

Sem perda de tempo Lampião ordena autoritariamente aos estrangeiros explicarem quem eles eram e Zambrano cai na besteira de responder em espanhol. No seu relato o escoteiro afirma que nesse momento o cangaceiro deu um salto da rede e gritou “-Vocês são é polícia paulista. Morrerão todos amanhã!”.


Manchete do Diário de Pernambuco, de 4 de outubro de 1935, sobre a morte de quatro cangaceiros na propriedade Cachoeirinha. Provavelmente foi sobre estas mortes que Lampião comentou com Zambrano.

Em meio a muitos impropérios Lampião continuou vociferando “-Vocês já mataram quatro tenentes meus, cada tenente meu vale cem de vocês, logo, são quatrocentos que eu tenho de vingar” [12].

Na sequência o chefe ordenou ”-Passa a revista” e os escoteiros foram despojados de quatro contos e quinhentos mil réis, chapéus, suas fardas de cor kaki e ficaram amarrados “apenas de cuecas”. Zambrano não relatou nesta entrevista em Minas Gerais, conforme tinha dito anteriormente em Salvador, que ele e seus amigos entregaram armas e facas aos cangaceiros.

Lampião também comentou com o venezuelano que ele parecia com “Manoel Neto”, um valente policial, membro do famoso grupo dos Nazarenos, que infligia séria perseguição aos cangaceiros. Zambrano, logicamente, se derramou em negativas.

Lampião e Maria Bonita – Fonte – blogdomendesemendes.blogspot.com

Em outro momento, buscando ser extremamente polido com seu algoz, Zambrano o chamou de “-Sr. Lampião”, mas a resposta veio rápido, indignada e transmitida na base do grito: “-Meu nome é Virgulino Ferreira, seu malcriado!”.

Amarrados e despidos, por volta das seis da noite a fome e a sede apertaram os estrangeiros, que clamaram por água e comida. Lampião não estava sendo um bom anfitrião e mandou para os escoteiros algumas canecas com café com sal e água com pimenta. No que Zambrano esboçou gesto de repulsa pelo que lhes foi oferecido, Lampião comentou aos gritos “-Não gostou? Aqui se trata bem assim os que vão morrer”. Depois completou ameaçadoramente para o grupo: “-Ou bebem, ou parto a testa de vocês na bala. Aqui tenho a minha lei”. E abriu fogo para o alto com uma pistola Parabélum.


Salvos Pela Maria do Capitão e as Contradições do Escoteiro

Os escoteiros venezuelanos passaram parte da noite amarrados e, segundo declarações de Zambrano, por volta da meia noite chegou ao coito de Lampião um grupo com cerca de quinze cangaceiros. Dentre estes estava uma jovem cabocla, esbelta, trajando camisa branca, culotes, perneiras, com várias joias, um punhal na cintura e que ele a considerou de estatura “alta”.

A Maria do Capitão Lampião

Esta perguntou a um dos cabras de Lampião que vigiava o grupo quem eram eles e o que pretendiam fazer com aqueles estranhos? “-Liquida-los” foi a resposta[13].

A cabocla então se aproximou do venezuelano e este lhe fez rogos pela sua liberdade e de seus amigos. A jovem brasileira pegou no queijo do venezuelano, balançou sua cabeça e disse “-Não se assuste. Não lhe faremos mal. Você é bonitinho, rapaz”. Na sequência a mulher seguiu faceiramente para perto do chefe. Depois os escoteiros souberam que ela era Maria Bonita, a mulher do chefe, a Maria do Capitão Lampião.

Zambrano afirmou que considerou “esquisita” a atitude daquela mulher. Mas o que deixou a ele e seus companheiros verdadeiramente “estupefatos” foi que dez minutos depois do encontro com Maria Bonita eles foram desamarrados pelos cangaceiros, que lhes entregaram suas roupas, seus chapéus e os mandaram embora. Como pilheria final dos “Guerreiros do Sol” nos escoteiros venezuelanos, cada um dos estrangeiros foi contemplado com um belo chute na bunda como forma de despedida[14].


Como apontamentos finais sobre esta entrevista concedida por Zambrano em Belo Horizonte, se insere algumas declarações bastante contraditórias.

Segundo consta nas notícias transmitidas de Salvador em dezembro de 1935, e publicadas no jornal carioca “A Noite”, Zambrano e seus amigos iriam partir de Salvador em direção ao sul do Brasil[15]. Mas, contradizendo o que foi escrito anteriormente, Zambrano afirmou ao correspondente mineiro que o medo dos seus companheiros foi tanto após o encontro com Lampião, que os outros retornaram para a Venezuela de navio e apenas ele seguia na jornada a pé pelo nosso país.
Mas estranho ainda está no fato de Zambrano, mesmo com ele e seus companheiros tendo sido revistados pelos cangaceiros, pedir publicamente no final da reportagem que Oswaldo Machado, o delegado da cidade de Corinto, lhe devolvesse um revólver tomado por esta autoridade quando ele foi detido na pequena cidade mineira. O venezuelano justificava a devolução da arma pelo fato dela ser um presente do Dr. Aquiles Lisboa, então governador do Maranhão.

Bem, ou esse correspondente de “A Noite” falseou as declarações do escoteiro venezuelano, ou os cangaceiros de Lampião eram muito incompetentes na hora de revistar os prisioneiros do grupo, ou Zambrano era um grande de um mentiroso!

Outra Entrevista e Novas Contradições

Aparentemente a direção do jornal “A Noite” achou que valia a pena investir um pouco mais no escoteiro, pois ele concedeu uma nova entrevista na sede deste periódico no Rio. Ele chegou a então Capital Federal em 15 de fevereiro e veio de Minas Gerais por via férrea[16].

Zambrano concedendo uma entrevista na sede do jornal “A Noite”, no Rio.

Sobre o local de sua captura voltou a afirmar que tinha sido a “14 léguas” de “Água Bella”, mas agora informou que o grupo partiu de Aracaju, Sergipe, e durante a jornada houve o encontro com os bandoleiros[17].

Já em relação ao seu encontro com o chefe cangaceiro no meio da caatinga, o escoteiro acrescentou que viu o mesmo retirando de uma bolsa, e contando, uma grande quantidade de dinheiro em cédulas e todas amarradas em volumosos maços.

Lampião e seus cangaceiros

Descreveu que o “Rei do Cangaço” estava com uma “gravata vermelha” (provavelmente um lenço) com um rico alfinete brilhante, caçava botas, culotes, camisa kaki e tinha nos dedos das mãos vários anéis de fina qualidade, todos com valiosas pedras preciosas.

Lampião perguntou quem eram aqueles rapazes fardados. “-Quem é o chefe deste batalhão?”, inquiriu Virgulino. Foi quando Andrés Zambrano se apresentou, afirmando ser da Venezuela e não trabalhar para a polícia. Como o venezuelano Zambrano insistia em dialogar no seu idioma nativo com Lampião, este último pegou um fuzil e lhe deu uma coronhada no peito e o estrangeiro foi ao chão. Após o escoteiro se colocar de pé, seguro por dois cangaceiros, este dispara na cara do “Rei do Cangaço: “O senhor deve me tratar como eu mereço. Sou um estrangeiro e tenho direito a ser respeitado. O senhor está desrespeitando a sua lei e o seu governo”.

Realmente nessa nova entrevista o jovem escoteiro Zambrano se apresentou ao jornalista como um homem muito mais decidido e “macho” na ocasião do seu encontro com o maior bandoleiro da história do Brasil.

Chamou atenção do jornalista que entrevistava Zambrano a declaração que o cangaceiro Lampião dormia uniformizado, com a sua arma muito próximo, tinha o sono “levíssimo” e acordava ao menor barulho. Para o estrangeiro o chefe cangaceiro desconfiava de todos, pois ele presenciou Lampião inicialmente dormindo em uma rede e depois de algum tempo este se levantou, pegou uma lona e foi dormir em um local escuro. Outro fato comentado sobre Lampião foi que, na opinião do venezuelano, ele poderia “está tuberculoso” por ter uma tosse seca.


Quanto a Maria Bonita o venezuelano acrescentou que ela vinha acompanhada de “um menino de onze anos de idade”, mas não disse quem seria esse garoto. Desta vez também informou que a mulher de Lampião convenceu o chefe a soltá-los, depois dos “visitantes” terem dado sua palavra de honra de que não informariam à polícia o paradeiro do bando.

Talvez isso explique, mesmo em parte, informações tão desencontradas de Zambrano sobre o local onde se deu o encontro com os cangaceiros.

Mas nesta nova entrevista existe algo de chega a ser verdadeiramente hilário nas declarações do venezuelano, que mostra claramente seus exageros e contradições. Na primeira entrevista ele afirmou que ele e seus colegas ficaram amarrados “apenas de cuecas”. Já nesta segunda declaração os venezuelanos ficaram presos totalmente “nus”.

Fonte – www2.uol.com.br

Se, diante do antigo e tradicional recato sertanejo em relação às mulheres, já era complicado aceitar que os cangaceiros deixaram estes homens presos em pleno acampamento, com cangaceiras presentes, amarrados em “trajes menores”, mais difícil ainda é aceitar a segunda declaração de Zambrano. Poder-se-ia até mesmo ser comentado que eles ficaram presos com poucas roupas para, no caso de uma fuga, a tentativa ser dificultada pelas plantas cortantes da caatinga. Mas as mudanças de versões de Zambrano atenta contra suas declarações.

Ao final da entrevista Zambrano informava que considerava sua aventura concluída, iria se apresentar as autoridades consulares venezuelanas lotadas no Rio e retornar ao seu país de navio[18].

Zambrano em São Paulo Com Seus Companheiros

Mas, segundo noticiaram dois jornais brasileiros, o “Capitán Scouts” Andrés Zambrano não voltou para sua terra natal.

Dez dias depois de conceder a entrevista no Rio para o jornal “A Noite”, Zambrano estava em São Paulo, onde inclusive foi recebido em audiência oficial pelo engenheiro Fabio Prado, então prefeito da capital paulista.

Nota do jornal Correio da Manhã 23 de fevereiro de 1936

Um detalhe interessante deste encontro foi que desta vez Zambrano estava acompanhado dos seus amigos escoteiros, os mesmo que haviam supostamente retornado de Salvador para Venezuela.

Depois destas notícias dos escoteiros venezuelanos em São Paulo, não consegui mais nenhuma informação deste grupo no Brasil.

Depois de tantas contradições, tantas histórias estranhas, são muitas as conjecturas e dúvidas em relação ao que Zambrano comentou sobre os cangaceiros.

Nota da Prefeitura de São Paulo, publicado no Diário de São Paulo em 21 de fevereiro de 1936

Será que estes escoteiros realmente estiveram no coito de Lampião?

Ou será que talvez, em meio às andanças pelo sertão, Zambrano tenha recebido várias informações sobre Lampião de pessoas que estiveram com o cangaceiro e, buscando a fama no Brasil, criou toda essa história?

Ou seria possível que tudo tenha sido uma criação dos jornalistas de “A Noite”, com o intuito de vender exemplares no Rio e o venezuelano participando da farsa para ganhar notoriedade?

E os outros escoteiros venezuelanos, onde estavam enquanto Zambrano aparecia nas páginas dos jornais brasileiros? 

No final das contas percebemos, por razões óbvias, que todos os relatos apresentados por Zambrano eram informações sumamente difíceis de serem averiguadas junto a Lampião, Maria Bonita e os outros cangaceiros[19].

O fato que mais me intrigou em toda esta história foi a total ausência de quaisquer referências sobre o “Capitán Scouts” Andrés Zambrano, seus companheiros e a sua rocambolesca aventura por terras brasileiras nos inúmeros sites da internet que tratam da história do escotismo na Venezuela.

Ao realizar esta pesquisa descobri que os escoteiros venezuelanos valorizam muito a história deste movimento em seu país e fazem questão de divulgar a maior quantidade possível de informações. Inclusive os sites que encontrei são extremamente informativos, realizados com esmero, qualidade e trazendo uma grande quantidade de informações históricas produzidas e dispostas de maneira clara e ágil.

Bem diferente do caso dos escoteiros que estiveram no Brasil, temos inúmeras referências sobre o “Raid pedestre” que ligou Caracas e Washington, capital dos Estados Unidos.


Jornal venezuelano El Heraldo, 17 de junho de 1937

Em 11 de janeiro de 1935 partiram a pé de Caracas, a capital venezuelana, em direção a Washington, a capital dos Estados Unidos, os escoteiros Rafael A. Petit e Juan Carmona. Este evento, ou teve uma grande repercussão no país, sendo a aventura dos dois escoteiros reproduzida extensamente pela imprensa local, sendo cultuada até os dias de hoje[20].

Mas nada sobre Zambrano, seus companheiros e sua passagem pelo Brasil.

NOTAS

[1] Sobre a história do escotismo verhttps://en.wikipedia.org/wiki/Scouting (Em inglês).
[2] As Guerras dos Bôeres (ou Guerras de libertação na historiografia bôer) é o nome dado aos dois conflitos travados entre o Reino Unido e as duas repúblicas bôeres independentes, o Estado Livre de Orange e a República Sul-Africana (República do Transvaal). Os dois conflitos ocorreram, respectivamente de 16 de dezembro de 1880 a 23 de março de 1881 e de 11 de outubro de 1899 a 31 de maio de 1902. O cerne do conflito estava na gradual expansão britânica pelo sul do continente africano, em territórios previamente ocupados por descendentes de antigos colonos holandeses.
[3] Sobre a vida de Baden-Powell verhttp://www.scatacook.org/HistoryBadenPowell.htm (Em inglês).
[4] Ver jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de segunda-feira, 16 de dezembro de 1935, Pág. 1.
[5] Ver jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de quinta-feira, 30 de janeiro de 1936, Pág. 1.
[6] Zambrano declarou que este encontro aconteceu no sertão baiano, a “14 léguas” (84 quilômetros) de um local chamado “Água Bella”. Efetivamente existe uma localidade denominada Água Bela  na Bahia, entretanto esta comunidade fica localizada na Mesorregião do Centro Sul Baiano, na área territorial do município de Bom Jesus da Serra, a 120 km da cidade de Vitória da Conquista e a 470 de Salvador. Uma área na qual Lampião e seu bando jamais pisou. Em relação à história do cangaço, o local mais comentado e com um nome mais parecido ao narrado por Zambrano é o município pernambucano de Águas Belas. Mas este está localizado a cerca de meros 20 quilômetros da fronteira alagoana e a mais de 100 da fronteira baiana.
[7] Não foi informado o tipo de armamento que os escoteiros levavam. Ver jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de quinta-feira, 16 de dezembro de 1935, Pág. 2.
[8] Ver jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de quinta-feira, 16 de dezembro de 1935, Páginas 1 e 8.
[9] Zambrano concedeu a entrevista em Belo Horizonte na manhã de sexta-feira, 30 de janeiro de 1936, tendo sido publicada uma pequena nota sobre o escoteiro venezuelano na edição carioca do jornal naquele mesmo dia. Mas na edição do sábado houve uma publicação bem mais detalhada e destacada. Ver jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de sábado, 1 de fevereiro de 1936, Pág. 1 e 2.
[10] Não podemos esquecer que menos de dois meses antes, em 23 de novembro de 1935, eclodira em Natal a fracassada Intentona Comunista e as forças policiais do país estavam em total estado de alerta e a caça de elementos suspeitos de colaboração com os comunistas.
[11] Parece meio improvável que o “Rei do Cangaço” tenha deixado este escoteiro estrangeiro examinar as moedas presas na bandoleira de sua arma pessoal. A não ser que Zambrano tenha ficado muito próximo ao cangaceiro e do seu fuzil.
[12] Provavelmente Lampião comentou para os venezuelanos sobre a morte de quatro cangaceiros ocorrida três meses antes. Mas neste caso, entre os algozes dos bandidos, não existiu nenhum policial. No dia 19 de setembro de 1935, no município alagoano de Mata Grande, na fazenda Aroeirinha, o proprietário Felix Alves Rocha, seus quatro filhos, dois sobrinhos e outro proprietário rural da região, montaram uma emboscada contra os cangaceiros Limoeiro, Suspeita, Fortaleza e Medalha. A ideia desta ação se deveu ao fato de Felix Alves ser suspeito de proteger e dar apoio a cangaceiros e, para evitar as fundamentadas suspeitas dos policiais, nada melhor do que matar alguns bandoleiros. Apesar da ação violenta ter redundado na morte dos quatro cangaceiros, Felix Alves também pereceu neste combate. Ver “Diário de Pernambuco”, Recife, edição de quinta-feira, 10 de outubro de 1935. Pág. 10.
[13] Diferentemente da primeira entrevista concedida em Salvador, quando “duas mulheres” pediram pela vida dele e de seus companheiros, nas entrevistas que Zambrano concedeu então só relatou que foi salvo por Maria Bonita.
[14] Ver jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de sábado, 1 de fevereiro de 1936, Pág. 1 e 2.
[15] Ver jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de quinta-feira, 16 de dezembro de 1935, Páginas 1 e 8.
[16] Para a imprensa do Sudeste do país, relatos sobre a brutalidade de Lampião sempre atraíam leitores e a existência de um estrangeiro que conseguiu ser libertado depois de encarar o maior dos cangaceiros era mais do que o esperado. Era valioso!
[17] Se a declaração de Zambrano é verdadeira, dificilmente o município pernambucano de Águas Belas poderia ser o ponto de referência para saber com alguma segurança o local de encontro dos venezuelanos com os cangaceiros. Pois é sumamente ilógico, em termos geográficos, para o viajante que parte de Aracaju e deseja seguir em direção a Salvador, ou ao sul do país, tomar o rumo até este município pernambucano. Talvez essa informação com tamanho erro geográfico fosse uma ação deliberada do venezuelano, conforme o leitor pode encontrar a razão na continuidade do texto.
[18] Ver jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de sábado, 16 de fevereiro de 1936, páginas 1 e 3. Esta reportagem foi reproduzida integralmente em vários jornais brasileiros. Entre estes ver “Diário de Pernambuco”, Recife, edição de sábado, 22 de fevereiro de 1936, páginas 1 e 8.
[19] Ver os jornais “Diário de São Paulo”, São Paulo, edição de terça-feira, 21 de fevereiro de 1936, página 3 e “Correio da Manhã”, Rio de Janeiro, edição de quinta-feira, 23 de fevereiro de 1936, página 4.
[20] Petit e Carmona finalizaram com sucesso a aventura e chegaram em Washington em junho de 1937, depois de 29 meses de caminhada. Ver http://myslide.es/documents/historia-del-escultismo-venezolano.html
Sobre o escotismo na Venezuela ver –
http://blogs.diariodepernambuco.com.br/diretodaredacao/2015/09/14/o-estrangeiro-que-peitou-lampiao/

Extraído do blog Tok de História do historiógrafo e pesquisador do cangaço Rostand Medeiros - http://tokdehistoria.com.br/

http://blogdomendesemendes.blogspot.com