Por Antonio
Corrêa Sobrinho
Trago aos
amigos a matéria abaixo, do “O Estado de São Paulo”, edição de 10/11/1911,
primórdio do século XX, primeiros tempos da República, para apreciação de dois
telegramas enviados ao presidente da República, Hermes da Fonseca, pelo
presidente do estado da Paraíba, João Lopes Machado, versando sobre o conflito
do governo com doutor Augusto de Santa Cruz, com destaque à relação deste com o
Padre Cícero Romão Batista.
Texto que diz um pouco do funcionamento do banditismo nordestino pela ótica dos
detentores do poder.
O BANDITISMO
NA PARAÍBA
O bacharel
Santa Cruz novamente em cena – As suas últimas proezas – Dois telegramas do
presidente da Paraíba ao senhor presidente da República.
Sobre as proezas do bacharel Santa Cruz na Paraíba do Norte, o doutor João
Machado, presidente daquele Estado, enviou ao senhor presidente da República os
seguintes telegramas:
“Paraíba, 7 – Em aditamento ao telegrama que ultimamente tive a honra de
dirigir a V. Exa., cumpro o dever de dar novos informes em relação ao movimento
anárquico que se prepara contra este Estado. Antes de tudo devo declarar que presentemente
reina a paz e não há alteração da ordem pública em todo o Estado, estando os
habitantes entregues aos seus quotidianos labores e confiantes nas garantias da
lei e nos seus direitos, desde que o bacharel Augusto Santa Cruz, após o
inaudito atentado que praticou na vila Alagoa do Monteiro, prendendo e
sequestrando as autoridades e assassinando barbaramente o fazendeiro Zeferino
Neves, cujos olhos foram vazados a punhal polos sicários do dito bacharel,
refugiou-se em Juazeiro do Estado do Ceará, protegido ali pelo padre Cícero e
outros chefes políticos da zona cearense conhecida por Cariris Novos, nenhuma
perturbação ocorreu mais digna de sensação no interior deste Estado. Agora,
porém, entrou novamente o bacharel Santa Cruz em cena, bafejado pelos seus
protetores do Ceará, conforme verá V. Exa. da exposição seguinte: Por
intervenção de um amigo no sentido de melhorar as condições de Santa Cruz,
relativamente aos danos sofridos na sua propriedade do Areal, onde se havia
entrincheirado para repelir as forças legais, resolvi adquirir por seu justo
valor, a dita propriedade, autorizando um amigo a entender-se a respeito, com o
padre Cícero para dizer a Santa Cruz que nomeasse um representante com poderes
suficientes para entrar em acordo com o governo e ser arbitrado o preço da
compra e venda da propriedade. Respondendo ao amigo intermediário o padre
Cícero declarou que Santa Cruz exigia para si e seus parentes, proprietários em
Monteiro, a importância de 529:000$000, o que foi recusado por absurdo. Então o
padre dirigiu-se a mim, em longo telegrama, em tom já ameaçador, concluindo que
não mais se envolveria em negócio com Santa Cruz, nem assumiria
responsabilidades dos atos deste, e fazendo votos que pudesse meu governo
salvar o interior do estado da Paraíba da conflagração e anarquia. Ao padre dei
a seguinte resposta:
Padre Cícero Romão, Juazeiro: recebi hoje o vosso telegrama a respeito da
situação do doutor Santa Cruz e respondo: O coronel Pedro Bezerra é incapaz de
armar ciladas, máxime tratando como intermediário do governo, e não é
responsável pelas consequências da loucura do doutor Santa Cruz. Se acedi à
solicitação de Bezerra, de adquirir para o Estado a propriedade de Santa Cruz,
não significa isto submeter-me à vontade do vendedor, que exigiu 529 contos
como preço das propriedades do sertão, sem nenhuma benfeitoria de valor.
Compreendeis que ante tamanho exagero só poderá haver negócio mediante
arbitramento de pessoa da confiança de ambas as partes. Ele poderia delegar
poderes ao irmão, doutor Artur Santa Cruz, que muito bem entender-se-ia comigo
e amigos de Monteiro. Repito que pelo seu justo valor não me recusarei a
comprar a propriedade do doutor Augusto, contra quem não tenho intuito de
perseguição; tem sido ele o provocante, obrigando o governo a defender, contra
seus atentados, a ordem pública. Agradeço a vossa solicitude por desviar o
bacharel criminoso do caminho de novos crimes. Fico certo de que não
concorrereis para perdição completa do mesmo, auxiliando de qualquer forma seus
planos tenebrosos, pelos quais não podereis jamais ser também responsável
consoante me afirmais. Saudações – Dr. João Machado.
Dois dias depois, novamente, recebi do mesmo padre o seguinte telegrama, que
como verá V. Exa. é um verdadeiro ultimato:
Juazeiro, 31 de outubro de 1911. – Sr. Dr. João Machado: recebi o telegrama de
V. Exa., datado de 28 do corrente. Respeitosamente pondero que a resolução de
adquirir para o Estado as propriedades de Santa Cruz não significa, no momento
atual, submissão do governo à vontade dele: ao contrário, V. Exa. cometeria um
ato de patriotismo, salvando o Estado de irremediável conflagração e
incalculável anarquia, adquirindo pelo menos as propriedades de Santa Cruz e
seu cunhado Hugo, por trezentos e vinte e nove contos. Admito que não tenham
tal valor, como se acham hoje, mas alega Santa Cruz prejuízos e gastos
motivados pela questão, que, vendendo-as, perderia um capital que lhe daria
juros suficientes, além do prejuízo de não poder voltar à sua terra pela
obrigação do compromisso tomado. Ora, tais alegações parecem ter algum valor e
só o fato de V. Exa., por uma quantia relativamente pequena, restituir a paz a
esse Estado, evitando desgraças, teria valor. Assim me externo, porque conheço
muito mais que V. Exa., que vive distante do que são capazes cangaceiros
desenfreados, invadindo localidades. Consta, como certo, que Santa Cruz
invadirá decididamente a Paraíba, o mais breve, se V. Exa. não resolver já tal
negócio, e garanto que isto acontecendo não terá forças em elementos imediatos para
evitar irremediáveis horrores. Penso assim pelo seguinte: chefes do Cariri,
aqui reunidos no dia 4 de outubro, lavraram ata de perseguição aos cangaceiros;
estes, perseguidos, procuraram Santa Cruz, e porque sabem que podem lucrar o
acompanhando, acompanharão Santa Cruz sem interesse de retribuição dele, só
visando o saque das localidades. Além disso, bem sabe V. Exa. que a situação em
Pernambuco, relativa à candidatura de Dantas Barreto, é um elemento de recurso
e garantia para Santa Cruz. Consta-me que, por intermédio da situação de
Pernambuco, Santa Cruz contará grande elemento e é certo, pode crer, pondero
ainda a V. Exa., que não acredite nem confie na garantia de localidades do
sertão desse Estado por cangaceiros armados pelos chefes, por ordem do governo.
É perder tempo, dinheiro e mais, facilitar a derrota; no momento mais preciso
eles abandonam o posto e unem-se aos inimigos para saquearem. Sei que o governo
terminará recuando Santa Cruz ou qualquer que anarquize o sertão; porém, só
isto conseguirá depois de anarquizado e derrotado o Estado, e é no Estado que
Santa Cruz, cioso da vingança, a tudo se expõe, até à morte. Não é justo,
portanto, que V. Exa. se exponha a semelhante contingência, podendo evitar. O
que digo não é para fazer terror, pode crer, e V. Exa. verá, se não puder
evitar. Tomo a liberdade de pedir que aceite a proposta, enquanto podemos
salvar o interior do Estado, peço como cidadão e sacerdote católico que salve
seu posto de tamanha desgraça; salve a Paraíba da anarquia nunca vista entre
nós; não é imposição, é aviso de prudência, queira desculpar a franqueza e peço
que responda definitivamente. Respeitoso o saúdo. – Padre Cícero.
“Eis, Exmo. Sr. o estado de exaltação em que se acha o doutor Augusto Santa
Cruz, presentemente encorajado pela proteção escandalosa que encontrou na zona
do Cariri do Ceará há muitos anos; o que predomina na infeliz zona é o rifle.
Ali não se respeita a lei, nem a justiça. Colhi a prova disso; o foragido
bacharel ali penetrou e encontrou imediata acolhida, sendo público e notório em
todo país ser um criminoso vulgar, pronunciado em dois processos por bárbaros
crimes de morte, ferimentos graves, incêndio de casas em São Tomé e saque de
tudo.
Então dei ciência ao governo do Ceará, a quem remeti pedido de extradição, que
até hoje não teve deferimento, apesar de viver o criminoso bacharel
publicamente transitando por toda aquela zona, tomando parte em festas e
especialmente na que fizeram a chefes políticos, celebrada no dia 4 de outubro,
da qual, estou informado, foi ele um dos oradores.
Não creio que esses chefes tenham dispersado os cangaceiros, com quem vivem há
anos e essa história de perseguição é para aparentar a proteção e o auxílio que
se dispuseram a prestar a Santa Cruz, a fim de, por tão indignante e
revoltantes ameaças, tentar contra os cofres públicos ou contra a bolsa do
cidadão laborioso e pacífico das nossas localidades. V. Exa. há de convir que
está nos brios do meu governo, na altivez e dignidade do posto, manso, pacífico
e laborioso do Estado, envidar todos os meios para repelir a prometida invasão,
de que cangaceiros da pior espécie, capazes dos maiores atentados, como os
reconhece o Padre Cícero, useiros e vezeiros no ofício de matar e roubar, que
tendo por chefe um bacharel alucinado e perverso, como se sabe e tem provado
ser o doutor Santa Cruz, nos ameaçam tão audazmente. Não devemos ficar
impassíveis diante de tão graves emergências e sim havemos de resistir com toda
a energia e dentro das nossas forças. Ordens estão dadas às forças paraibanas
para vigiarem as fronteiras com a zona de Cariri, de onde nos partem as
ameaças, e defenderem as localidades dali mais próximas, as primeiras que
deverão ser assaltadas. É do que, por enquanto, me cumpre dar conhecimento a V.
Exa., a quem trarei inteirado do desenrolar dos acontecimentos. Rogo a V. Exa.
que se digne mandar dar publicidade ao presente despacho, para o devido
conhecimento do público, na capital do país. Respeitosas saudações. – Dr. João
Machado, presidente.
Fonte:
facebook
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