Por Renato Casimiro
Severo me pediu uma opinião sobre o excelente Depoimento
de Nirez, com respeito à participação de Ademar Bezerra Albuquerque na
realização do filme com Lampião. A rigor, não ouvi ali nada do que não seja o
restabelecimento da verdade. Nirez tem a seu favor um zelo muito grande por
tudo que lhe cerca, seja na fotografia, na música e em todas as suas
manifestações de grande memorialista.
Não há dúvida que o seu depoimento procura esclarecer a verdade sobre aquilo
que, historicamente, se aceitou como sendo uma ação de Benjamim Abrahão.
É perfeitamente factível que as atenções de Ademar Bezerra Albuquerque para não
perder a oportunidade de realizar o trabalho, através de Benjamim, sejam
verdadeiras e incontestáveis. E nisto o Nirez juntou detalhes fornecidos pelo
Chico Albuquerque com grande propriedade para firmar a veracidade das
afirmativas. Procurando imagens do Juazeiro antigo, não encontrei em muitos
anos uma só que pudesse ser referida ao “fotógrafo” Benjamim. E olhe que ele
tinha tudo para fazê-lo, pois no período em que foi secretário do Pe. Cícero,
Juazeiro se viu descoberto por uma quantidade enorme de visitantes ilustrados e
o dia-a-dia da casa do padre era muito favorável a isto.
Ademar Bezerra
Albuquerque
Efetivamente, este período de Juazeiro e do Pe. Cícero (época em que Benjamim
servia à casa do padre) é muito rico em imagens fotográficas e filmes. A
propósito destes filmes, reproduzo o texto que apresentei em nosso então jornal
eletrônico Juazeiro on line, na sua edição de 18.01.2009, numa coluna
denominada Juazeiro, por aí, que ainda pode ser encontrado disponível em
http://www.juaonline.info/.
FILMOGRAFIA(I)...
Numa consulta à Cinemateca Brasileira (Secretaria do Audiovisual/Minc), São
Paulo, localizei dados sobre os filmes realizados pelo sr. Lauro Reis Vidal,
durante sua visita a Juazeiro, em 1925. Foram três películas: um filme
original, de 1925, e dois outros montados nos anos 1939 e 1955.
FILMOGRAFIA(II)...
O JOAZEIRO DO PADRE CÍCERO
(Infelizmente, a Cinemateca Brasileira não possui este filme), é um
documentário inscrito na categoria de curta-metragem/silencioso/não-ficção. O
material original foi em 35mm, BP, 16q. Produção de 1925, em Fortaleza, onde
foi lançado em 08.12.1925, no Cine Moderno. A produtora foi a Aba Film, de
Adhemar Albuquerque, que fez a direção. Sinopses: "Surpreendente filme
natural apresentando magníficos aspectos da região do Cariri em que se vêem:
Joazeiro, Crato, Barbalha e outros lugares, assim como Missão Velha, Lavras,
Quixadá, Ingazeiras, Fortaleza, etc.
Impressionante vista do grande açude do Cedro". (Jornal do Comércio,
28.11.1926). "Trata-se de uma bela reportagem cinematográfica do
Cariri, zona em que o padre Cícero exerce a sua infatigável atividade e o seu
grande prestígio. O Joazeiro, a cidade do padre Cícero, é apresentada em seus
diversos aspectos, mostrando o seu progresso, o seu povo, enfim tudo o que ali
existe de importante. Além do Joazeiro, o público aprecia outros bonitos pontos
do sertão cearense, destacando-se o Crato, Barbalha, Missão Velha e o colossal
açude do Cedro, obra grandiosa da engenharia brasileira. De Fortaleza há
algumas, como sejam o porto, o passeio Público e o Parque da Liberdade.
Há também belos trechos da estrada de ferro e fotografias de Lampião e seu
grupo. É um filme digno de ser apreciado. Não fatiga o espectador. Ao
contrário, torna-se atraente pela variedade de cenas, que desenrola. Além disto
satisfaz uma curiosidade: mostra o maior domador de homens dos sertões, o padre
Cícero Romão Baptista, que se apresenta em diferentes cenas, entre o povo que o
aclama, em sua residência trabalhando, abençoando afilhados e romeiros,
discursando, enfim de diversas maneiras é ele visto na tela".
(Jornal do Comércio, 02.12.1926)
FILMOGRAFIA(III)...
O JUAZEIRO DO PADRE CÍCERO, o segundo documentário, foi realizado em 1939, na
categoria de curta-metragem/sonoro/não-ficção, a partir de um material original
anterior, em 35mm, BP, com duração de 8min, 220m, 24q. A produção foi de Lauro Reis
Vidal, no Rio de Janeiro.
FILMOGRAFIA(IV)...
PADRE CÍCERO, O PATRIARCA DO JUAZEIRO, o terceiro documentário, foi realizado
em 1955, na categoria de curta-metragem/sonoro/não-ficção, a partir do material
original em 35mm, BP, com duração de 11min, 300m, 24q. A produtora foi a Filmes
Artísticos Nacionais, do Rio de Janeiro, e a co-produção foi de Lauro Reis
Vidal, tendo como direção Alexandre Wulfes. Por exigência da época, o
documentário passou pela censura em 19.01.1955, com o certificado 31942, válido
até 19 de janeiro de 1960.
FILMOGRAFIA(V)...
Comentários: Observe que fotos de Lampião são referidas em período anterior à
sua visita a Juazeiro, em 1926. Algumas das cenas destes documentários podem
ser vistas em outras produções recentes, tanto para cinema como para TV. Na
ilustração da coluna de hoje, o arquivo do Juaonline apresenta algumas delas,
em fotos que foram obtidas por Raymundo Gomes de Figueiredo (anos 50), a partir
de fotogramas destas películas. Especialmente sobre esta primeira película,
encontro um registro cartorial firmado pelo Pe. Cícero nos seguintes termos:
1931, 13 de
Novembro
-
DOCUMENTO DO PADRE CÍCERO CONCEDENDO AUTORIZAÇÃO EXCLUSIVA, AO SR. LAURO
DOS REIS VIDAL, PARA EXIBIÇÃO DO FILME" JOAZEIRO DO PADRE CÍCERO E
ASPECTOS DO CEARÁ. "ÍNTEGRA:
" Amigo e
Sr. Laudo Reis Vidal. Saudações. Consoante os seus desejos, pela presente, dou
a V.S. a exclusividade absoluta para exibição e representação cinematográfica
em "qualquer parte do país e fora dele" de filme que diz respeito a aspectos
deste município ou fora dele, nos quais figure a minha pessoa. Assim autorizado
poderá V.S. fazer a exibição de qualquer película authentica que tenha obtido,
ou que possa obter, conforme melhormente consulte as suas conveniencias e as
aspirações gerais do povo, a exemplo da que já é de sua propriedade.
Joazeiro, 13,
de outubro de 1931.
Ass. Padre
Cícero Romão Baptista. (Lo. B-l, N° de Ordem 10, p. 18)
No dia seguinte, o Pe. Cícero faz constar no mesmo livro do primeiro
tabelionato uma outra comunicação, reafirmando a concessão do dia anterior e
ampliando suas prerrogativas:
1931, 14 de
Novembro
- DOCUMENTO
DO PADRE CÍCERO CONCEDENDO AUTORIZAÇÃO EXCLUSIVA AO SR. LAURO REIS VIDAL, PARA
IXIBIÇÃO DO FILME "JOAZEIRO DO PADRE CÍCERO E ASPECTOS DO CEARÁ.
"Integra:
"Amigo e
Sr. Lauro Reis Vidal. Local. Reportando-me a minha carta passada onde lhe
concedo a exclusividade de minha exibição cinematográfica ficando V.S. com
plena autorização por ser o único habilitado a propagar o município de Joazeiro
e minha pessoa, através da mesma exclusividade, em todos os tempos, como
proprietário do filme "Joazeiro, do Padre Cícero e Aspectos do Ceará"
ou outro qualquer filme que possa obter; sirvo-me da presente para juntar as
fotografias e documentos que solicitou, em relação separada e por mim
assignada, como elementos precisos para a via de propaganda acima citada. Encerrando,
cumpre-me, de já, agradecer a sua manifesta boa vontade para comigo, os meus
amigos e as coisas do Joazeiro.
Saudações.
Joazeiro, 14
de novembro de 1931.
Ass. Padre
Cícero Romão Baptista.( Lo.B-l, N° de Ordem 12, p. 19/20).
O ano de 1925 foi pródigo para filmagens em Juazeiro. Conhecemos a película
realizada em 11 de janeiro, quando da inauguração da estátua ao Pe. Cícero, na
Praça Alm. Alexandrino de Alencar; conhecemos a película realizada em setembro,
quando da visita da comitiva do presidente Moreira da Rocha; conhecemos a que
foi realizada por Ademar Albuquerque/Reis Vidal; mas não conhecemos uma que
teria sido realizada por iniciativa do então deputado estadual Godofredo de
Castro, neste mesmo ano.
É muito mais provável que Ademar esteja como realizador em todas estas
películas e este relacionamento teria servido para oferecer um treinamento
mínimo para o que viria anos depois com o filme de Lampião, pois é neste ponto
que o testemunho de Chico Albuquerque a Nirez é importante.
Não tenho dúvida em aceitar que Ademar e Benjamim tornaram-se parceiros, sendo
este cliente daquele e a quem poderia realizar pelo motivo apresentado por
Chico Albuquerque e Nirez, o da confiança de alguém que não o punha, e a seu
grupo, em apuros com a repressão policial.
Embora tenha feito isto, publicamente, em depoimento durante uma edição do Cine
Ceará, anos atrás, aproveito a oportunidade para relatar brevemente o que me
foi ensejado conhecer desta atividade cinematográfica de Benjamim. No início
dos anos 80, eu e Daniel Walker adquirimos uma coleção de fotografias antigas
de Juazeiro e alguns pequenos pedaços destas películas que o seu proprietário,
Raymundo Gomes de Figueiredo, cidadão juazeirense, mantinha como acervo e no
qual se incluíam livros e jornais, e a que deu o nome de Arquivo Benjamim
Abraão.
Benjamim Abraão
Quando adquirimos e isto foi divulgado pelo Diário do Nordeste, o fato foi
relevado como se tivéssemos adquirido o Arquivo “de” Benjamim Abraão. A família
de Benjamim, através de seu filho, então residente em Niteroi e comerciante no
Rio de Janeiro, Atalah Abraão, instruído por Eusélio Oliveira, resolveu mover
uma ação contra nós dois e a levou adiante nas instâncias de Juazeiro do Norte
e Fortaleza. Vencemos nas duas e o material nos foi devolvido, anos depois.
Mais adiante, numa conversa com o ex-senador da república, José Reginaldo
Duarte, cuja família criou nos arredores de Juazeiro, o filho de Benjamim, o
sr. Atalah, nos chamou para uma conversa onde algumas coisas foram faladas a
respeito da frustração que aquele ato determinou para nós e para a família,
sobretudo porque ficou demonstrado que nós não havíamos comprado nenhum roubo,
portanto, não éramos receptadores de um acervo, até então procurado.
O sr. Reginaldo Duarte nos lembrou, inclusive, que por vários anos,
encontrando-se diversos rolos de filmes pertencentes a Benjamim (não se sabe se
apenas outros que não o relativo a Lampião) num canto da casa, na localidade de
Brejo Seco, proximidades do atual Aeroporto Regional do Cariri, guardados em
latas...
...a garotada do sítio tomava aqueles rolos e os queimavam durante as festas
juninas. Certamente que por conta do material cinematográfico de então, sua
queima se assemelhava a uma chuva de prata, coisa que fazia a garotada delirar.
Este é o fim trágico, pelo qual, inclusive tivemos que pagar duramente por uma
suspeita descabida, a partir da ignorância e má vontade do então, meu amigo,
Eusélio Oliveira, que não se permitiu aceitar o convite para conhecer de perto
o que tínhamos comprado. A grande indagação que ficou, como moral da história
foi mais uma grande dúvida sobre o que teria feito ou não Benjamim Abraão, como
fotógrafo e cinegrafista, aluno de Ademar.
Em tudo o que mencionei antes e do que ouvi, destaco: Sem querer por fogo na
fornalha e já pondo, enfatizo o que registra a ficha da Cinemateca, mencionada:
Há também belos trechos da estrada de ferro e fotografias de Lampião e seu
grupo. Não é interessante que haja estas fotografias tomadas em data(s)
anterior(es) a 1926. Observar que no filme com Lampião, Benjamim aparece usando
um bornal com a inscrição Aba Film. Nunca houve omissão de que a produtora foi
a Aba Film, de Adhemar Bezerra Albuquerque, que (também) deve ter feito a
direção, à distância. Por isto, o depoimento de Nirez corrobora com as
indicações anteriores de que ele era, efetivamente, produtor, diretor e fotógrafo
destas películas em torno de 1925.
Entre 1925 e 1936, quando filma Lampião, certamente Benjamim já teria
apreendido objetivas e eficientes lições para manejar a máquina. Em mais de 10
anos de relação profissional com Ademar, Benjamim só teria feito isto? A
resposta se foi, desgraçadamente, no fogo ingênuo das crianças, em noitadas de
São João, nos arredores de Juazeiro do Norte.
Renato Casimiro
Pescado no açude do Coroné Severo: Cariri
Cangaço
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