Por: Rangel Alves da Costa*
UMA CASA NA MONTANHA
Na montanha, uma casa talvez não seja uma casa. Não vejo outra coisa senão um santuário, uma escada para a nuvem, uma vizinhança ainda maior com Deus, o altar dos meus dias.
Mas uma casa na montanha é muito mais. Mesmo com aquela solidão das distâncias, aquele abandono premeditado, aquele aspecto circunspecto e aflitivo daquilo que se esconde longe de tudo, uma casa na montanha é a junção do prazer espiritual com o prazer da existência.
Por tudo isso uma casa na montanha é paz, é sossego, é felicidade, é prazer, é encontro consigo mesmo, é devoção espiritual, é encantamento da alma, é alimentação da vida com a beleza da vida.
Do alto se avista tudo ao redor, mas olhando para cima se avista muito mais. E tem gente que encontra um meigo olhar, um sorriso amigo, um belo semblante e até ouve uma voz dizendo que esteja em mim que estarei contigo, acolha a minha palavra que um dia te mostrarei a porta, queira me reconhecer no mais belo que há que te darei outro olhar para enxergar muito mais.
Do alto dessa montanha a passagem do tempo é quase imperceptível. Somente cores mais vivas, mais fortes, ou mesmo aquelas de tênue luz e escurecimento, dizem se é manhã, dia ensolarado, entardecer, noite, madrugada gelada. Mas às vezes o sol surge à meia-noite e as estrelas brilham depois antes que a tarde chegue.
Ao primeiro sinal da manhã, quando é possível se ter uma manhã amanhecida, ouve-se uma bela música vinda levemente dançante na brisa. Valsa, sonata, talvez um prelúdio matinal, qualquer coisa misteriosa e inebriante que faz a natureza inteira parar para refletir, enxergar a beleza ao redor, sentir que a maravilhosa vida também tem sua trilha sonora.
Não só ao amanhecer, mas durante todo o dia parece se ouvir compassos de flautas, violinos, pianos. Mas ao anoitecer, quando o tempo deixa que a vaguidão escurecida se alastre adiante, é que surge a mais bela das orquestras: a do silêncio.
O silêncio na montanha, ao redor e dentro da casa, é orquestra realmente indescritível. E assim porque os pensamentos produzem sons, a mente chama e responde, ouve-se a voz da saudade, o murmúrio da recordação e, mais silenciosamente ainda, o grito da dor. Se uma lágrima cair será eco numa distância sem fim, se um beijo for dado o corpo ensurdecerá de tanto ouvir.
E ao abrir a porta que nunca é fechada, porque a casa no alto da montanha só precisa dos íngremes caminhos pelos penhascos e não de chaves e fechaduras, o passo se verá na fronteira entre aquele mundo e os outros mundos ao redor. Abaixo e além, a vida nas suas durezas quando se desce da montanha. No horizonte e mais acima, a contradição de tudo que ocorre lá embaixo.
Para o olhar essa fronteira é ainda mais angustiante. É manhã e a paz ao redor não consegue sequer acreditar que mais adiante, lá por baixo e mais distante, também não possa estar na tranqüilidade merecida. Ali, na montanha, se avista o passarinho, a nuvem passa bem ao lado, a brisa vem com sua música, tudo é tão maravilhoso que se chega a acreditar que o mundo inteiro é feliz.
Mas sabe que não. Sabe que as pessoas que estão noutros lugares nem sempre conseguem viver em casas no alto da montanha. Preferem viver tecendo a discórdia, alimentando a desonra, plantando o infortúnio com o grão dos imperceptíveis pecados que se acumulam.
Que bom que todos pudessem viver essa fronteira, ter o passo e o olhar nesse cume. Mas não. Apenas alguns vivem em casas no ponto mais elevado da terra, bem perto dos degraus que sobem aos céus.
Mas eis o mistério desvendado: Se o espírito e a alma fazem do passo e dos olhos meios para estar cada vez mais próximo de Deus, então qualquer casa – luxuosa, barraco ou tapera – estará no cume dessa sagrada montanha.
Rangel Alves da Costa*
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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