*Rangel Alves
da Costa
Uns diziam que
era por safadeza, outros diziam que a mulher era chuvarada mesmo, mas de
qualquer modo nunca se viu nada igual: a mulher chorava tanto, mais tanto
mesmo, que enchia até tanque e açude.
Num momento
estava seca de secura da terra e estiagem, já no outro ao desabrido chuveiro de
mil soluços. Num instante e seu olhar apenas olhar, sem nada além que o molhado
dos olhos, mas já no outro com todas as comportas abertas e aquele mundão de
água querendo tudo devorar.
Mulher
choradeira da gota serena, dizia um. Já outro acrescentava: Deus me livre de
estar perto dela quando começar a chorar. E era realmente de admirar e espantar
aquela propensão ao choro e a forma de chorar. Ora, não chorava, apenas derrama
dos olhos um carro-pipa a cada segundo.
Para se ter
uma ideia, a casa dela ficava numa encosta, com o chão pendido de lado e com
abertura por quase todo o pé de parede. E assim para que as águas de suas
lágrimas escorressem adiante assim que começasse a chuvarada nos olhos.
Providência mais que necessária diante do tsunami de repente surgido.
A chuvarada
escorria dos olhos e se derramava encosta abaixo, levando em enxurrada tudo o
que encontrasse pela frente. Acaso as águas não encontrassem pronta saída, não
demorariam muito para encher a casa inteira, subindo pelas paredes até o
telhado, deixando submersa a choradeira. E o pior é que a dona do mar aberto
não sabia nadar.
Chorava por
tudo, a mulher. E chorava em demasia. Viúva, Maria das Lágrimas, como assim era
chamada, estava permanentemente proibida de chorar sua viuvez dentro de casa.
Não só a viuvez como qualquer choro. Os moradores debaixo da encosta
providenciaram abaixo-assinado para impedi-la de despejar quaisquer tipos de
lágrimas lá de riba.
Por isso mesmo
que só podia recordar do falecido esposo após descer a ladeira e se postar
rente a um riachinho que havia por ali. Levando na mão um retrato ou qualquer
peça de roupa do defuntado esposo, logo começava a chorar e a derramar água no
leito adiante. Não demorava muito e o riachinho já estava em correnteza.
Certa feita,
enquanto estava lamuriando sua saudade da vez e pensando nos dotes camísticos
de seu falecido, avistou uma cueca samba-canção num varal adiante e logo lhe
veio à mente aquele que ele mais gostava de usar para fazer safadeza. Então ela
se derramou de vez. E desta feita a cheia do riachinho derrubou mais de dez
casas pelos arredores.
Mas não
demorou muito e pessoas da comunidade encontraram um meio de proporcionar
utilidade àquelas enxurradas de lágrimas. Como a região estava seca demais, com
a terra esturricada e os tanques já rachados no barro, então resolveram que
Maria das Lágrimas poderia ser a salvação de muita gente e de muito bicho.
Tramaram, maquinaram,
resolveram colocar em prática a ação. Cremêncio foi incumbido de despertar
paixão naquele viúvo coração. Bateu à porta de Maria das Lágrimas com uma
rapadura à mão e olhar adocicado que só. A mulher se encantou na hora. No mesmo
instante se apaixonou pelo solteirão. Na mesma hora, ele tacou-lhe um beijo que
a viúva quase desmaia.
Um encontro
amoroso foi marcado na manhã do dia seguinte, bem ao lado da barragem seca que
abastecia a povoação. O safado do Cremêncio já sabia o que fazer para que em pouco
tempo a barragem novamente ficasse cheia. Chegou no horário combinado e ela já
estava lá por detrás de uma moita, toda afoita e tremelusca, doida pra dar.
O safado logo
acenou para que ela se aproximasse da beirada da barragem. Assim que ela quase
pula em seus braços, ele recuou e disse que, pensando bem, era melhor que
aquilo não acontecesse, pois ela era mulher viúva e respeitada, e por isso
mesmo não poderia trair sua honra. E foi se afastando. Ali em pé, sem acreditar
no que ouvia, a fogosa se derramou em tamanho pranto que mais parecia mil
trovoadas caindo de uma só vez.
Em dois
minutos a barragem estava cheia. Daí em diante foi uma fila imensa de homens a
encher barragens, tanques e lagoas, com as lágrimas da mulher sempre enganada.
Mas um dia ela não chorou. Não chorou por longo tempo a partir desse dia. De
tão enganada, acabou ressecando tudo por dentro. Numa tarde, abriu a porta da
casa lá no alto onde morava e olhou adiante para aquele mundo de mentiras,
falsidades e enganações.
Então chorou
toda a mágoa do mundo. E toda a cidade foi destruída e levada pelas enchentes.
Escritor
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