Por Ruy Lima pesquisador do cangaço
A rixa entre a
família de Virgulino e a de Zé Saturnino continuava com tocaias e confrontos
infindáveis, de modo que houve a intercessão do coronel Cornélio Soares e do
juiz, de Vila Bela, os quais conseguiram firmar um acordo entre as duas
famílias. Os Ferreiras foram morar no Poço do Negro, cerca de 2 Km da Vila de
Nazaré (atualmente Nazaré do Pico), distrito de Floresta/PE. No acordo, nenhum
membro das duas famílias iria entrar no território da outra.
Entretanto, isso
não foi totalmente cumprido por nenhuma das duas famílias. Houve novamente
várias refregas entre Zé Saturnino e seus capangas e os irmãos Ferreira,
Antônio, Livino e Virgulino.
Na realidade o maior responsável pelos atritos
entre os Ferreiras (Virgulino) e os Alves de Barros (Zé Saturnino) foi o
fazendeiro João Nogueira, sogro de Zé Saturnino. João Nogueira queria ser o
maior fazendeiro e líder político da Região.
Ele tinha a maior inveja de outro
fazendeiro da região, Manuel Ferreira de Lima, o qual comprara grande parte das
terras dos Pereiras, os quais estavam em decadência devido às constantes lutas
com os Carvalhos.
Manuel Ferreira, que não tinha nenhum parentesco com
Virgulino, casou-se, em segunda núpcias, com Dona Joana Lopes, tia pelo lado
materno dos irmãos Ferreiras. Ele prestou bastante ajuda aos Ferreiras.
Por
outro lado, O João Nogueira deu o maior apoio a Zé Saturnino e estimulou o
confronto entre as famílias Ferreira e Alves de Barros.
Em janeiro de 1919,
Virgulino, simulando acompanhar seus irmos numa viagem de almocrevia, rumou no
destino da Vila de São Francisco, atualmente Pajeú, distrito do município de
Serra Talhada, antiga Vila Bela, território dos Pereiras, para uma visita ao
Sinhô Pereira, no intuito de obter o seu apoio e de conhecer, na observação e
convivência, a vida do cangaço.
Dez dias de convívio com aqueles homens, alguns
mercenários contratados, mas a maioria com sua história de injustiça e
perseguição, proporcionaram a Virgulino melhor entendimento e conceito sobre
aquela vida.
No começo de novembro, inventou Lampião de ir a Triunfo com seus
dois irmãos, Antônio e Livino, mas, desviou novamente o caminho e dirigiu-se à
Vila de São Francisco.
Participou, junto ao bando de Sinhô Pereira, durante um
mês, de cinco combates contra as volantes do Capitão José Caetano de Melo,
inimigo mortal de Sinhô Pereira, um em Quixaba e três em Santa Rita, no município
de Vila Bela, e um em Bom Nome, município de Belmonte, no Estado de Pernambuco.
Durante esses “estágios” com o mestre Sinhô Pereira, Virgulino demonstrou muita
habilidade no conserto de armas de fogo defeituosas e danificadas.
Nessa
atividade, Virgulino aprendeu o mecanismo acionador das armas de repetição,
mesmo sem conhecer as automáticas, inexistentes naquela época no Nordeste.
Ele
criou a famosa “peia”, ou seja, um simples lenço preso a tecla do gatilho à
alavanca de manejo, unindo de modo que, em cada movimento da alavanca o pino
percutor (agulha), liberto, picotava a cápsula fulminante, por si mesma, sem
necessidade de se acionar a tecla, transformando, deste modo, o rifle (cruzeta
ou papo amarelo/Whinchester), em arma semi-automática, isso porque não
dispensava o manejo da alavanca para colocar o cartucho na câmara.
Virgulino manejava com tanta rapidez a alavanca do rifle “peiado”, que os tiros
se sucediam formando uma tocha na boca do cano.
No combate, à noite, na fazenda
Quixaba, Dê Araújo, um dos componentes do bando de Sinhô Pereira, comentou que
a boca do rifle de Virgulino mais parecia um lampião. Daí surgiu o apelido do
Virguino cangaceiro: Lampião. Mais tarde, “Lampião, Rei do Cangaço”
Sinhô
Pereira, ante o valor de Virgulino, insistiu para que continuasse no grupo,
juntamente com seus irmãos.
Eles decidiram retornar ao convívio da família
Ferreira.
Porém o destino cruel já estava marcado para Virgulino e seus
parentes.
Já eram considerados foras-da-lei, para a polícia, com a ajuda de Zé
Saturnino, que assumira o cargo de Comissário, e dos “Nazarenos”, assim
denominados os filhos de João de Souza Nogueira, cujo “sobrenome” veio do nome
da sua mãe, Florência Felismina de Sá. Os irmãos nazarenos (corruptela de
nazarenenses, nascidos na Vila de Nazaré), Euclides, Manuel, Odilon, Ildefonso,
Américo, Luis e Hildebrando, foram os dos mais ferrenhos combatentes contra
Lampião em Pernambuco.
Num dos confrontos dos Ferreiras com a polícia e os
nazarenos, Livino foi ferido no braço esquerdo, saindo a bala no ombro. Levado
preso para Floresta, sob escolta, onde foi tratado, durante quinze dias, com
cuidado e competência pelo Padre José Dehrle, vigário da freguesia. Com a participação
de Antônio Boiadeiro, homem de preceito e muito cordato, na região, Livino foi
liberado com a condição de ir embora com seus irmãos, deixando Floresta em paz.
Já cansado disso tudo e devido os seus filhos Antônio e Livino terem sido
ferido à bala, e o precário estado de saúde da sua esposa, talvez devido a
esses conflitos, o Sr. José Ferreira resolveu, mais uma vez, retirar-se do
lugar onde morava, o que lhe trouxe novamente prejuízos com a venda de parte de
seus bens a preços abaixo do mercado. Após uma longa e cansativa viagem,
chegaram à fazenda Olho d’Água de Fora, situada no município de Água Branca, no
vizinho Estado de Alagoas (em torno de 190 Km de distância de Nazaré,
Floresta).
A família ocupou uma casinha simples de taipa, no entanto o velho
José Ferreira sentiu-se aliviado, achando que finalmente viveriam em paz.
Alugou dois burros, formando com os seus uma tropa de cinco e mandou seus três
filhos almocrevarem de Mata Grande/Al a Rio Branco (Arcoverde/PE).
“O inimigo,
porém, não dormia...
Zé Saturnino em vez de alargar de mão e em paz os
Ferreiras e que por onde eles estivessem mostrassem, por si mesmos, quem eram;
não. Começou a acatruzar (aborrecer) e provocar perseguições. Para isto,
escreveu cartas ao Coronel Ulisses da Cobra e a seu irmão, o Capitão Sinhô (não
confundir com o Sinhô Pereira), à baronesa de Água Branca e ao comissário de
polícia Amarilio Batista Vilar”, denunciando os irmãos Ferreiras e Antônio
Matilde como “bandidos perigosos”, “assassinos”, salteadores e ladrões”, contando,
nos exageros e falsos, vários “causos”” (Lampião, Seu Tempo e Seu Reinado – 1.
As origens – Frederico Bezerra Maciel).
Antônio Matilde, que sofrera muito
castigo e humilhação por parte de Zé Saturnino, morava naquela mesma região
alagoana, viu que chegou a hora de vingar-se do inimigo e convidou os irmãos
Ferreiras para essa ação.
“Na primeira quinzena de março, Antônio Matilde e
Virgulino formaram um grupo com Antônio e Livino, os três irmãos Beneditos,
Lula Marinho, Chicó de Salvador e Chico Chililim. Ao todo dez. E seguiram para
Pernambuco.
Na Vila de São Francisco, conseguiu Virgulino cinco cabras, dos
bons, com Sinhô Pereira, aumentando assim o grupo para quinze homens fortemente
armados.
Dentro de um plano fulminante traçado por Virgulino, foram arrasadas
as fazendas Serra Vermelha, de João Nogueira, Pedreira, de Zé Rufino, Mutuca de
Venâncio Barbosa, derrubas as cercas e depois incendiadas, com as casas, os
roçados e o mato.” (Frederico Bezerra Maciel. Ibid, pág. 181)
Houve uma série
de combates entre os grupos de Antônio Matilde e Virgulino e os de Zé Rufino,
com o apoio do seu tio Cassimiro Honório, um abastado fazendeiro, mas um
verdadeiro guerreiro e, por incrível que pareça, amigo e companheiro de lutas
de Antônio Matilde. Muy amigo!
Após esses refregas, Antônio Matilde, satisfeito
da sua vingança, foi embora de vez para a Paraíba.
Os membros da família
Ferreira, porém viviam normalmente em total ansiedade e inseguros.
João
Ferreira, irmão de Virgulino e o único que não pegou em armas, foi enviado a
Água Branca para comprar um medicamento para um dos filhos da sua irmã
Virtuosa. Ele era apenas um rapazote. De modo que o respeitariam.
Ao tomar
conhecimento da chegada do rapaz na cidade, o delegado mandou prendê-lo,
suspeitando que ele fora comprar munição para os irmãos.
Muitas horas depois,
sem que o irmão retornar-se, Virgulino, Antônio e Livino perderam a paciência e
foram atrás do menino, desse no que desse.
Acompanhados de dois homens, e,
armados de rifle, seguiram no rumo da cidade.
No caminho, Virgulino, descobriu
que estavam prestes a cair numa emboscada.
Houve um feroz tiroteio, e o
delegado, que prepara a emboscada, fugiu com seu pessoal.
Logo após a luta,
Virgulino, os irmãos e os dois cabras voltaram para casa, quase sem munição.
No
dia seguinte, enviou Virgulino um ultimatum ao delegado:
“Se até à boca da
noite meu irmão não chegar, vou buscar ele de qualquer modo.”
Às cinco da
tarde, João Ferreira foi solto. Voltou para casa, correndo pela estrada, com
fome e sede e apavorado.
José Ferreira resolveu mudar-se para a Fazenda Engenho
Velho, do velho Luis Fragoso, cujos filhos também eram modestos agricultores e
criadores e também almocreves, como os Ferreiras. A família Ferreira ficou
morando numa casa desocupada de morador. A fazenda ficava apenas a 30 Km de
Água Branca, porém tinha a vantagem de pertencer ao município de Mata Grande,
cujo delegado era amigo da família.
Virgulino, Antônio e Livino, ficavam oculto
no mato por causa da polícia que os perseguiam, embora, espalharam que estavam
no brejo de Triunfo, onde ainda tinham um sitiozinho.
No dia 22 de março de
1920, a mãe de Virgulino faleceu “de morte natural”, na presença das suas irmãs
e do seu irmão caçula, Ezequiel.
Mais tarde, por volta de meio-dia, José
Ferreira e João, juntamente com os três irmãos chamados de seus esconderijos,
chegaram à casa e a encontraram morta sobre uma cama de vento.
Após o
sepultamento da esposa, José Ferreira ficou cada vez mais amargurado e
recomendou que os seus três filhos, que se encontravam ocultos, a retornarem
para Pernambuco.
Seguiram então Virgulino, Antônio e Livino para Espírito Santo
de Moxotó (antigo distrito de Tacaratu- PE, atualmente município de Inajá-PE
(30 Km de Mata Grande-AL e 234 km de Vila Bela/Serra Talhada-PE), onde ficaram trabalhando
na propriedade de um fazendeiro chamado Terto.
Porém, o pior vinha a acontecer
à família Ferreira.
O delegado de Água Branca, comprado por Zé Saturnino,
enviou cartas ao Chefe de Polícia de Alagoas, informando da invasão de
perigosos bandidos vindo de Pernambuco, com um longo registro das ocorrências.
Alarmado com tudo isso, o Governo determinou ao delegado de Viçosa, 2º Tenente
José Lucena, famoso por excesso de severidade, fazer uma diligência por aquelas
bandas de conflitos.
A chegar em Água Branca, Lucena inteirou-se de tudo o que
ocorrera, inclusive da carta de Zé Saturnino, onde constavam o nome dos “três
perigosos bandidos e criminosos”!: os irmãos Virgulino, Antônio e Livino, além
de Antônio Matilde.
Era terça-feira, 29 de junho de 1920, José Ferreira
debulhava milho numa gamela, no terreiro em frente da sua casa, quando de
repente foi cercada por soldados, sob o comando de Lucena.
“A uma distância de
três braças gritou Lucena para o velho José Ferreira:
- Cadê os seus três
filhos bandidos?”
Ferido em seus brios e honra, José Ferreira retrucou, com
todo o desassombro e altivez, alto, firme e pausadamente:
- “Não, sinhô!
Bandidos, não! Meus filhos não são bandidos. Querem forçar eles a ser. Mas eles
são é home!...”
- É assim que responde a um oficial, velho malcriado, cachorro
da mulesta – revidou furioso Lucena.
E, sem mais, descarregou ele próprio a
pistola no peito daquele pobre velho, pacífico e indefeso, que caiu, por
estranha coincidência, ali, no mesmo chão onde falecera sua esposa” (Frederico
Bezerra Maciel. Ibid, págs. 194 e 195)
Após esse fato, Virgulino, Antônio e
Livino entraram definitivamente na vida do cangaço.
No princípio se juntaram ao
bando conhecido como Porcinos, para depois, em agosto de 1920, passarem
definitivamente para o bando de Sinhô Pereira.
Notas:
1. no rodapé do seu livro
referenciado acima, Frederico Bezerra Maciel registra que “é absolutamente
autêntica, com todos os seus pormenores, a descrição do assassínio do pobre,
manso e indefeso velho José Ferreira, assim como das outras circunstâncias.” 2.
Propus-me a postar neste Grupo, semanalmente, alguns dos principais fatos da
história da vida de Lampião, com base em minuciosa pesquisa e estudo dos livros
e videos que tenho e de outras informações colhidas na internet, sobre o
assunto, direcionados àqueles que ainda tem pouco conhecimento de um dos
maiores fenômenos ocorrido no Nordeste entre os séculos 18 e meados do século
20. Para alguns especialistas, uma forma de defesa dos sertanejos diante de um
governo ineficiente em manter a ordem e aplicar a lei; para outros, uma onda de
banditismo que se alastrou por quase todo o sertão nordestino. Porém, devido ao
meu exíguo tempo, fora do horário das minhas atividades profissionais, não
estou conseguindo concluir os episódios semanalmente. Entretanto, não é só a
falta de tempo que atrasa esse simples trabalho – embora complexo já que trata
da sintetização de obras de grandes pesquisadores e historiadores, para não ser
um texto muito extenso – e sim as grandes contradições entre os autores dessas
obras sobre os mesmos assuntos. No caso do pai de Lampião, por exemplo, o autor
da morte de José Ferreira foi o volante Benedito Caiçara, intempestivamente,
sem saber nem quem ele era, na hora da invasão a casa, segundo Clerisvaldo B. Chagas,
no seu livro “Lampião em Alagoas” Ruy Lima – 14/05/2018 Próxima postagem:
Parte
4 – LAMPIÃO NAS AÇÕES DO BANDO DE SINHÔ PEREIRA.
Enviado pelo pesquisador do cangaço Ruy Lima
http://bogdomendesemendes.blogspot.com