*Rangel Alves da Costa
Já não sei se trem de partida ou de chegada. A estação já estava vazia, triste, silenciosa.
Os bancos estão desocupados, folhagens dançam no chão de terra. A ventania chega trazendo poeira, um cachorro late uma saudade distante.
Um cheiro diferente no ar. Não sei se de fumaça do trem ou da aparência antiga e maltratada do lugar. Mais de cem anos de adeuses, abraços, despedidas.
De um lado, ao longe, apenas a curva da montanha entreaberta para sua passagem; do outro, onde o olhar vai se perdendo na finura dos trilhos, apenas uma cor sombria de desalento.
Os trilhos não deixam marcas, não indicam da proximidade ou da já distante partida. Nos encaixes, madeira velha divisando o percurso, nenhum sinal de calor do instante.
Queria ouvir uma voz, encontrar alguém que soprasse notícia, dissesse sobre a hora do trem, falasse sobre quem chegou ou partiu, quando o próximo apito será ouvido.
Uma velha mala num canto, um chapéu alanhado esquecido num banco, um envelope retorcido já sendo levado pela ventania. Um lenço branco espalhado no meio dos trilhos, e até parecendo ainda molhado.
A portinhola dos bilhetes de viagem dança ao sabor da aragem. Passo o olhar pelo interior e vejo apenas papéis rasgados numa caixa de chão. Um velho birô, uma cadeira mais velha ainda. Um calendário amarelado de tempo na parede.
Avisto ainda uma antiga fotografia daquela estação. Tudo igual, a mesma solidão, a mesma feição, apenas um trem que desponta imponente soltando fumaça. No local de desembarque e espera apenas um cachorro magro com a língua de fora.
Imagino que as pessoas deixaram de existir na fotografia. Estavam ali com seus lenços à mão, seus buquês perfumados, seus braços prontos aos abraços. Ou talvez apenas para dizer adeus, para a despedida, envoltas em lágrimas e aflições.
Sei que não existe estação de trem tão sozinha, tão desalentada, parecendo esquecida de tudo. Ela é sempre viva, cheia de vida, tomada de passos e de olhares, ainda que fantasmas de um tempo que se foi no último vagão.
Olho a montanha adiante, lá onde o trem faz a curva, e me pergunto quantas saudades, quantas alegrias, quantas feições entristecidas já avistou pela janela.
Dentro do trem, as pessoas nem percebem que estão sendo observadas pela natureza, pelas montanhas e pedreiras, por tudo ao redor. Mas vão passando e deixando suas impressões no que fica.
Por isso mesmo aquela montanha ser tão conhecida como os olhos entristecidos da natureza. Se as pessoas avistadas estivessem sempre felizes, sorridentes, cheias de contentamento, seu nome certamente seria outro.
O mesmo acontece com as distâncias que vão sumindo do outro lado. Um descampado largo que dá passagem aos trilhos, para mais adiante ir estreitando até sumir no olhar. Se o trem vai naquela direção, certamente que os lenços acompanhavam o apito e a fumaça até tudo sumir de vez.
Mas nem avistava mais. Os olhos molhados se encarregam de nublar o horizonte, de turvar a saudade que já não olha pra trás. Melhor assim, menos dolorido assim, pois não há nada mais triste que viver tendo à mente o trem seguindo, partindo, sumindo, desaparecendo.
Não sei quantas horas são; não sei se restará outro trem para este dia. Preciso viajar pra qualquer lugar, mas também desejo ardentemente que alguém chegue à estação, ao longe me aviste e molhe o lábio para o reencontro.
Mas não sei, verdadeiramente não sei se partirei ou continuarei por aqui, esperando o trem, o apito, a fumaça do trem. O relógio parou, o horizonte está nublado, não sei da hora do dia.
Agora ouço um apito, mais um, mais outro. E como meu coração bate assim, feito apito de trem, quando está com saudade.
Escritor
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