*Rangel Alves da Costa
Eu estava revendo umas fotografias quando me deparei com uma onde eu estava sentado ao lado de um cemitério, bem na proximidade de túmulos.
Lembro-me bem como ocorreu a fotografia. Passeando pelos arredores da cidade, então cheguei a primeira capela construída em Poço Redondo, meu berço de nascimento, no sertão sergipano.
A capelinha de Santo Antônio surgiu por iniciativa das primeiras famílias que habitaram aquela região denominada Poço de Cima. O pequeno cemitério que hoje circunda a capela não nasceu para o sepultamento de pessoas das pessoas de toda a povoação, mas somente daqueles das primeiras origens.
Hoje existe a capela restaurada e o pequeno cemitério ao redor, em campo aberto, sem cercas ou muros, e com pessoas sepultadas até mesmo de outras localidades.
Mas a feição do lugar, não só da capela como das sepulturas espalhadas, acaba como um fascínio aos bons observadores, aos que gostam de história e a todos que admiram conhecer as raízes da povoação.
Por ali eu sempre andejo, pois sempre caminho pelos arredores da cidade em busca de cacos do tempo. Muitas vezes já visitei a capelinha e caminhei entre os túmulos, observando nomes e datas, imaginando coisas e situações.
E certa feita resolvi pedir a alguém que me acompanhava para tirar uma fotografia que pudesse eternizar minha visita ao local. Avistei uma pedra ao lado e fui sentar. Tirada e guardada e fotografia, então a reencontrei. E para ela escrevi o texto que segue:
Uma fotografia. Uma capelinha. Um pequeno cemitério ao redor. Eu sentado numa pedra. Túmulos ao redor. Então eu disse em seguida:
Um dia eu sentei aí, tão perto da morte, exatamente para pensar a vida. Eu não estava aí só para visitar ou fotografar, mas para compreender a vida ao redor da morte.
Um dia eu caminhei até o Poço de Cima e adentrei pelos arredores de sua igrejinha, onde túmulos foram sendo abertos desde os primórdios de Poço Redondo, exatamente para estar na presença daquelas partidas e daquelas saudades.
Certamente que eu não cheguei e nesta pedra sentei e logo pedi para ser fotografado. Calmamente caminhei entre as sepulturas, li os epitáfios, identifiquei os nomes e datas grafados nas cruzes, meditei naquele silêncio que era de voz e de grito.
Nada que ecoasse dos túmulos, mas dos meus próprios pensamentos. Um turbilhão de coisas chegando, como se não houvesse coisa mais instigante na vida do que a morte.
Perguntas e respostas, interrogações e espantos, lembranças e relembranças, diálogos com o estranho e desconhecido mundo, enfim.
Aquele silêncio de planície, aquela calma de afastamento da cidade, aquela paisagem bonita e triste. O que é a morte? Perguntei-me. Logo respondi: É a presença na inalcançável distância.
Ora, para grande parte dos humanos, a morte nunca é exatamente fim para o ente que partiu. A morte leva, distancia, mas grande parte fica no luto, na saudade, na contínua presença.
A dor pela perda de alguém é exatamente esta: o distanciamento forçado do ente amado. E quanto mais se quer a presença mais a saudade e a dor retomam o entrelaçamento.
Acaso o esquecimento fosse a consequência mais lógica, certamente não haveria saudade, tristeza, desejo de presença, o contínuo entrelaçamento.
E as cruzes, os epitáfios e as flores dos túmulos, dariam lugar ao reles esquecimento, e a voracidade do tempo logo encobriria os leitos do repouso último.
E perante os túmulos ali espalhados, a minha certeza de estar ainda diante de tantas vidas. Vidas silenciadas, mas vidas. Nomes, sobrenomes, datas, lembranças das feições em vida.
Que sono profundo, que paz no Senhor!
Escritor
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