Por Luiz Lorena
Trecho da
palestra pronunciada sobre Virgulino Ferreira da Silva pelo Sr. Luiz Conrado de
Lorena e Sá, em 26 de junho de 1988.
Como a
política interfere em todas as coisas da vida no sertão, os Ferreiras
acompanhavam na política os membros da família Pereira e José Saturnino era
ligado aos adversários, a família Carvalho. Os Pereiras não estavam em estado
de graça perante o Governador. Como costumamos dizer; estavam "de
baixo" na política, e não tiveram condições de dar boa cobertura a José
Ferreira e aos filhos em Vila Bela. Os Ferreiras tiveram que se deslocar para
Nazaré. Os adversários deles foram a Nazaré fazer uma viagem qualquer, que os
Ferreiras consideraram mera provocação. Na saída, o inimigo princioal foi
emboscado e correu. Sofreu, segundo ele próprio me disse, a maior desonra do
mundo: na carreira, para não enganchar os pés no estribo, deixou as alpergatas,
que nunca mais pode reavê-las. Quando Virgulino voltou da emboscada trazia as
alpercatas de José Saturnino penduradas no dedo, como troféu.
Como os nazarenos, de Floresta não queriam desavenças com ninguém e com José
Saturnino, especialmente menos com a família Nogueira, a qual José Saturnino
estava vinculado, pediram para que os Ferreiras saíssem de Nazaré.
Houve uma série de problemas, que nós não vamos descer a detalhes. Mas, afinal,
atendendo ao chefe político de Floresta, Antônio Ferraz ou Antônio Boiadeiro,
os Ferreiras resolveram transferir-se para o estado de Alagoas.
Assim o fizeram, deixando tudo para trás. De solidão, ele perdeu logo a própria
mãe, e na terra dos marechais, o pai de Virgulino Ferreira estava debulhando
milho para o almoço do dia seguinte, foi atingindo estúpida e covardemente por
comandante de volantes da polícia estadual. Incrível, saiu de Serra Talhada,
deixou de ser tropeiro, veio para o fim do mundo. Naquela época, sair do Pajeú
para Alagoas era como se estivesse fazendo uma viagem à lua.
Com a morte de José Ferreira, rompeu-se o elo da sociedade, familiar, porque
nós sabemos que a família é constituída por pai, filho e o espírito de Deus que
a igreja católica chama de Espírito Santo. Naquela família, esta sociedade era
autêntica; o respeito dos filhos aos pais era condição incontestável, não
merecia dúvida. A morte do patriarca fez desencadear desde as forças do mal até
à quase loucura.
Os filhos, notadamente Virgulino, decidiram abraçar a vida nômade de
cangaceiro. O amor - espírito de Deus foi banido para dar lugar ao que
poderíamos chamar o reverso da moeda, o ódio. O que antes era só amor, só
fraternidade, só união, passou a ser só ódio, só desejo de desgraça.
Muitas vezes me pergunto, agora nesse fim de século, como sertanejo que sou: será
que se me acontecesse o que aconteceu a Virgulino, eu teria de fazer a mesma
coisa? Só respondendo que não, porque talvez não tivesse a coragem que ele
teve.
As consequencias desses fatos nem seria de se enunciar aqui e agora, porquanto
o código de honra do sertanejo desconhece inteiramente da tolerância à
pulsilanimidade. Tenho certeza de que não sou um pulsilânime, mas tenho dúvida
de que teria eu a coragem de Virgulino e dos irmãos.
Do livro:
Serra Talhada 250 anos de história - 150 anos de emancipação politica.
De: Luiz Lorena
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