Material do acervo do historiógrafo e pesquisador do cangaço Rostand Medeiros
Soldado
carrega nas costas o irmão de Castelo Branco – Fonte –http://mobile.opovo.com.br/jornal/dom/2017/07/morte-de-castelo-branco-misterio-que-dura-meio-seculo.html
Autor – Thiago
Paiva
Jornal O POVO
– Fortaleza-CE
Em 18 de julho
de 1967, dois aviões se tocaram no céu e deixaram no ar um rastro de mistério
que perdura há 50 anos. Foi numa terça-feira de tempo bom, visibilidade
praticamente ilimitada e nebulosidade insignificante. Retornando de Quixadá
para Fortaleza, a bordo de um bimotor Piper Aztec e acompanhado de outros três
passageiros, além do piloto e copiloto, estava o ex-presidente Humberto de
Alencar Castelo Branco, único cearense a ter cumprido um mandato presidencial
(1964-1967).
Bimotor Piper
Aztec, similar ao avião em que morreu Castelo Branco – Fonte – https://br.pinterest.com/pin/570972058984992062/
O primeiro
governante da ditadura militar (1964-1985) tinha perfil considerado “moderado”
entre os altos escalões das Forças Armadas. Em seu discurso de posse, em 15 de
abril de 1964, o cearense falava de “eleições em 1965”. Quando do acidente,
havia deixado o poder em um momento de ascensão do grupo chamado “linha dura”,
cuja liderança foi também exercida por seu sucessor, Arthur da Costa e Silva.
Era a primeira vez que Castelo visitava o Ceará desde sua saída da presidência.
Na noite anterior, havia visitado a escritora Rachel de Queiroz, sua amiga.
Marechal
Humberto de Alencar Castelo Branco (trajes civis) junto a oficiais generais do
Exército Brasileiro – Fonte – http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/a-democracia-ultrajada/277962
Na viagem de
volta, depois de aproximadamente 40 minutos de voo, ocorreu o incidente que
dividiria os brasileiros. De um lado, aqueles que acreditavam (e ainda
acreditam) em conspiração seguida de assassinato. Do outro, os que creem em
fatalidade.
Vários fatores
e imprevistos ocorridos, como atrasos de passageiros e alterações no horário da
viagem, tornam improvável que o choque tenha sido intencional. Porém, a falta
de transparência na condução das investigações e perguntas até hoje sem
respostas alimentam especulações de crime com motivação política. Unanimidade,
o caso se tornou uma das maiores tragédias da aviação cearense e é a mais
controversa morte de um ex-presidente brasileiro.
Desenho do
Lockheed TF-33A, prefixo 4325 da FAB, que abalroou o avião de Castello Branco –
Fonte – http://culturaaeronautica.blogspot.com.br/2009/09/o-estranho-acidente-que-matou-o.html
A queda
Enquanto se
aproximava do aeroporto, já sobrevoando o bairro Mondubim, o avião cedido pelo
Governo do Ceará foi subitamente colhido por um jato TF-33A, da Força Aérea
Brasileira (FAB). O caça compunha esquadrilha de quatro aeronaves e bateu “com
precisão cirúrgica” com a ponta da asa esquerda no leme de direção e quilha do
piper, arrancando parte da cauda da aeronave civil.
Do choque até
o solo, a queda em giros de parafuso chato foi acompanhada por uma agonia que
durou aproximadamente 1 minuto e 30 segundos. Desfecho mortal para o
ex-presidente, a educadora Alba Frota, o major Manuel Nepomuceno, o irmão do
marechal — Cândido Castelo Branco, e o comandante Celso Tinoco Chagas. Somente
o copiloto Emílio Celso Chagas, filho do piloto, sobreviveu.
Manchete do
jornal Folha de São Paulo em 20 de julho de 1967 – Fonte – http://www.desastresaereos.net/ac_br_1967.htm
Enquanto isso,
o caça retornou ao aeroporto, onde pousou normalmente, sem os tip-tanques, que
ficavam nas pontas das asas da aeronave. Um dos equipamentos foi arrancado na
colisão e o outro automaticamente ejetado, para evitar o desequilíbrio do
TF-33A.
Em seguida,
vieram as investigações e conclusões duvidosas que atravessaram meio século sem
que ninguém fosse responsabilizado pelo episódio. As apurações da Aeronáutica e
órgão correlatos apontam para acidente. Testemunhos de familiares e amigos das
vítimas também. Mas as teorias da conspiração ainda pairam sobre aquilo que não
foi dito e sobre o que ainda permanece oculto, sob a guarda dos militares.
O Aztec PP-ETT
parcialmente restaurado e sem a deriva, preservado em Fortaleza Foto:
culturaaeronautica.blogspot.com.br – Fonte – http://www.desastresaereos.net/ac_br_1967.htm
Fatos que
alimentam teoria da conspiração
A tripulação
do piper alertou à torre de controle quando estava a dez minutos da área de
pouso. Desceriam na pista 13. Minutos depois, torre autorizou passagem dos
jatos da FAB sobre a pista 31, informando que não havia “tráfego conhecido ou à
vista que interferisse com a passagem solicitada”.
Em 20 de junho
de 2004, O POVO mostrou, com base na Carta de Tráfego dos Aeródromos
Pinto Martins e do Alto da Balança e Publicação de informação Aeronáutica, que
os jatos deveriam virar à direita. Em 21 de junho de 2004, O POVO publicou
entrevista com Emílio Celso de Moura, copiloto e único sobrevivente do
acidente, após as revelações. Ele culpou à FAB e ao Controle do Tráfego pelo
acidente. Antes, no O POVO de 18 de julho de 1997, ele havia dito que
não invadiu a área dos jatos, mas tinha descartado a possibilidade de atentado,
justificando que ocorreram pequenos atrasos que influenciaram nos horários de
voo.
Morte de
Castelo Branco noticiada no Diário de Natal.
Manuel Cunha,
do O POVO, fotografou Castelo Branco sendo socorrido. O filme foi
recolhido pelos militares e jamais devolvido.
Indícios que
corroboram tese de acidente
Na ida a
Quixadá, Castelo usou um trole (pequeno carro que anda sobre a linha férrea),
mas ficou com dores na coluna e alguém deu a ideia de solicitar o avião do
Estado. A viagem aérea, portanto, não era planejada.
A saída do voo
de Quixadá atrasou cerca de 30 minutos. Eventual atendado poderia ser
atrapalhado pela mudança de cronograma.
Castelo Branco
(de terno escuro) no Rio Grande do Norte, tendo a sua direita o então
governador potiguar Monsenhor Walfredo Gurgel.
Em 1997, o
copiloto confirmou que voava em condições visuais e que somente os jatos
poderiam tê-los avistado. E queixou-se da torre não ter os alertado da presença
dos caças, mas declarou que nada havia a ser esclarecido.
Após a
passagem, a esquadrilha fez curva à esquerda para também pousar na pista 13,
que possuía tráfego pelo sul destinado às aeronaves de caça, e norte para os
demais aviões. A manobra, conforme o Cenipa, foi correta, tendo o piper
invadido a área dos jatos. (Em 2004, com base na Carta de Tráfego, O
POVO mostrou que ocorreu o contrário).
O jato
Lockheed TF-33A, prefixo 4325 da FAB, também foi restaurado e preservado –
Foto: Escuta Aérea Fortaleza – Fonte – http://www.desastresaereos.net/ac_br_1967.htm
O piloto que
colidiu no piper era o primeiro-tenente Alfredo Malan D’Angrogne, hoje coronel
aviador, filho do general Alfredo Malan, grande amigo de Castelo. Conhecia o
piloto Celso, que morreu na mesa em que seria operado. Ele também foi
entrevistado pelo O POVO. Disse que o acidente o “chocou muito” e refutou
a possibilidade de choque intencional. “Existem maneiras menos complicadas de
derrubar um avião que se chocar contra ele”.
Infográfico do
jornal O POVO, de Fortaleza, Ceará – Fonte – http://mobile.opovo.com.br/jornal/dom/2017/07/morte-de-castelo-branco-misterio-que-dura-meio-seculo.html
História.
Aeronáutica não disponibilizou material sobre queda de avião
Com base na
lei nº 12.527/2011, a chamada Lei de Acesso à Informação ou Lei da
Transparência, no último dia 22 de março, O POVO requereu ao
Ministério da Defesa (MD) todos os documentos relacionados à investigação do
acidente aéreo. Foram solicitadas fotografias, laudos periciais, resultado de
inquérito, investigações adicionais, conteúdo de depoimentos colhidos e
conclusões de órgãos correlatos, como o Centro de Investigação e Prevenção de
Acidentes Aeronáuticos (Cenipa).
No mesmo dia,
a demanda foi direcionada pelo MD ao Comando da Aeronáutica (Comaer), apontado
como órgão detentor das informações. Em 11 de abril, a solicitação foi
respondida. Os militares encaminharam ao O POVO apenas um relatório,
de dez páginas, com selo de “Reservado”, feito à época pela Inspetoria Geral da
Aeronáutica.
O documento é
o mesmo encaminhado ao procurador da República Alessander Sales, em agosto de
2004. Após a publicação de uma série de matérias do O POVO, em junho
daquele ano, apontando a possibilidade de ter havido falha de comunicação por
parte da torre de controle, o procurador resolveu verificar e tornar públicas
as causas do acidente.
Alessander,
assim como O POVO, solicitou cópias do inquérito militar que apurou as
causas da colisão entre o caça TF-33 e o piper PP-ETT, além do detalhamento do
relatório final sobre o acidente. Mas o documento enviado não contém
informações relevantes e não responsabiliza ninguém pela colisão. O relatório é
apontado como única peça existente sobre a investigação, realizada há 50 anos.
No dia
seguinte, 12 de abril, O POVO encaminhou recurso ao Chefe do
Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, almirante de Esquadra Ademir
Sobrinho, alegando que as informações estavam incompletas e eram insuficientes.
A reportagem
questionou onde foram parar os depoimentos de testemunhas ouvidas na fase do
inquérito (pilotos e até jornalista afirmam que foram ouvidos), bem como o rolo
de filme de um dos nossos fotógrafos à época, Manuel Cunha. A equipe do O
POVO foi a primeira a chegar ao local do acidente.
Castelo Branco
ao volante do seu carro no Rio em 1967.
É de Cunha o
registro em que o então soldado Francisco Uchôa Cavalcante aparece carregando
nas costas o corpo de Cândido Castelo Branco, irmão do ex-presidente, também
morto no acidente. Na ocasião, Cunha também fotografou o momento em que o
próprio Castelo era carregado, mas foi obrigado, pelos militares, a entregar o
filme. As fotografias estavam divididas em dois rolos. Involuntariamente, Cunha
entregou justamente aquele que continha as fotos do ex-presidente.
O material foi
recolhido pela Aeronáutica como parte da investigação e jamais foi devolvido.
Além disso, o relatório não revela quem eram os demais pilotos que compunham a
esquadrilha da qual o caça fazia parte, se houve falha de algum funcionário da
torre de controle, quem era o controlador, na ocasião, ou se alguém foi punido.
Entretanto, no
dia 17 de abril, o pedido foi analisado e as informações prestadas
anteriormente pelo órgão foram ratificadas. O Chefe do Estado-Maior reafirmou
que “todos os documentos relativos ao acidente, disponíveis no Comando da
Aeronáutica, foram encaminhados juntamente com a resposta formulada”. Não
respondeu, porém, o que aconteceu com o restante do material.
https://tokdehistoria.com.br/2017/07/16/morte-de-castelo-branco-misterio-que-dura-meio-seculo/
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