Por José Mendes Pereira
"Amigo leitor, eu sempre posto as minhas historinhas aqui no blog, mas não é querendo que você deixe de ler cangaço para ler os meus escritos, é somente como arquivo. Quando eu quiser já sei o local da procura". (J. M. Pereira).
Naqueles
tempos de dificuldades para todos aqueles que nasciam e residiam no campo tudo
era muito difícil, e que muitos pais que dependiam apenas da saúde para
trabalhar e sustentar a sua numerosa prole viviam miseravelmente sem apoio de
ninguém, somente da boa vontade de Deus.
Meus irmãos e
eu não vivemos a miséria porque apesar que vivíamos de favores em uma
propriedade alheia onde lá meus pais e nós filhos nascemos, mas que meu pai
nunca fora empregado do proprietário, isso é, sem obrigação para com o
proprietário de terras, o nosso pai era dono de um grande chiqueiro de
criações, e além disto, ele fazia tudo (menos desonestidade) para não nos ver
com fome. Lógico que os nossos alimentos não eram muito nutrientes, porque em
décadas passadas o camponês alimentava a sua família apenas com carne da sua
criação, feijão, arroz, cuscuz (milho passado no moinho), farinha vez por
outra, rapadura fabricada no cariri, e mais algumas caças e pescas completavam
os nossos alimentos.
Como todos
sabem muito bem como era a vida do campo no período de inverno, todos estavam
ocupados no plantio, estendendo-se até agosto, mais ou menos, porque chegava o
período da colheita do milho. E assim que terminava a colheita todos iriam
trabalhar no corte da palha da carnaubeira, mas nem todos os camponeses faziam
esta atividade, somente em lugares que têm rios ocupados pelas carnaubeiras.
Eu ainda era
pequeno e que tenho a impressão com menos de 13 anos, não só eu como todos as
crianças da época, mas meu desejo era possuir uma bicicleta mercswiss. Naqueles
tempos crianças trabalhavam, e é por isso, não menosprezando a linda juventude
que existe hoje, o Brasil formou homens responsáveis, e é por isso que nenhum
de nós se tornou marginal. Como eu estava trabalhando no corte de palha fui
juntando dinheiro para um dia ser dono de uma bicicleta mercswiss usada. Meses
depois eu estava com o valor da bicicleta pronto.
O meu pai já
sabia da minha intenção de possuir uma bicicleta, e como quase não dispunha de
tempo, pois tinha as suas obrigações, porque era encarregado de uma turma de
corte da palha da carnaubeira, e com o vexame de fazer logo esta compra, falei
para eu vir sozinho à Mossoró e comprar a tão sonhada bicicleta. Ele tinha
plena certeza que eu não sabia comprá-la, mas mesmo assim, não se opôs, dizendo-me:
- Eu acho meu
filho, que você não sabe comprar bicicleta, porque ainda é muito pequeno. Mas
como eu não posso ir, tente sozinho. Tenha cuidado! Veja bem o estado da
bicicleta que lhe agradar. Às vezes elas só têm presenças, mas que não estão
perfeitas. – Dizia-me o meu pai.
A noite eu
passei quase em claro só me lembrando da bicicleta e do retorno para casa,
montado nela. Uma sensação que já estava pedalando. Quando eu cochilava sonhava
já montado na tal bicicleta dos meus sonhos. Os enfeites que eu pensava em
colocar nela, tudo foi pensado e visto na minha mente. Um farol com dínamo e
ao anoitecer, montar nela e fazer carreira em busca da casa da minha avó
Mamãenana, que ficava um pouquinho distante de onde eu morava. E ao sair de
casa, minha mãe dizia:
- Cuidado meu
filho, porque tem touros bravos nos caminhos por aí e poderá tentar te derrubar
com bicicleta e tudo!
- Se algum
deles vier me açoitar mamãe, eu faço carreira na bicicleta para cá!
Quatro horas
da manhã do dia seguinte eu já estava pronto para enfrentar a pé o caminho que
trás até Mossoró. E ao me ver já pronto, meu pai me disse:
- É muito cedo
ainda meu filho, para você caminhar até Mossoró.
- É porque
papai, eu quero chegar cedo lá e também voltar cedo. – Eu disse.
Noutros tempos
o sujeito andava a qualquer hora do dia e da noite, e tinha certeza que
chegaria em casa, exceto algum animal feroz que o atacasse. Tirando este,
sairia vivo e retornaria vivo.
Abri a porta
da frente da nossa humilde casinhola de taipa e me mandei. Sempre com a
imaginação voltada para o tão desejado transporte. E durante o percurso eu
corria, parava, fazia gestos de quem monta em bicicleta, me desequilibrava como
se fosse cair do transporte simbolicamente. Deixei a mercswiss e tentei a
bristol, mas ela não tinha apoio aconchegante. Tentei outras, isto somente na
minha mente, nenhuma era especial como a mercswiss.
Mas quando eu
percebi que solitariamente o pai da vida aqui na terra já estava irradiando um
pouco o chão do nosso chão, eu fiz carreira sem parar um só instante.
Lá para as
tantas eu entrei em Mossoró. E me mandei até a casa de uma tia minha de nome
“Maria dos Reis” que morava na atual Ilha de Santa Luzia. Ela já havia se
levantado e feito café. Tomei um pouco e me mandei para a pedra do mercado,
porque era lá o local de vendas destas. Ao chegar, sentei-me em um banco da
praça aguardando os comerciantes que logo chegariam para ludibriarem aqueles
que tentavam comprar algo. E lá para as sete horas os comerciantes ambulantes
foram chegando. Daí a pouco, a praça estava cheia de gente vendendo de tudo
quanto existe em feiras livres.
E lá estava eu
sentado no banco feito um matuto mesmo com um pouco de timidez.
Disfarçadamente, vi uma bicicleta de cor azul, e no meu entender, aquela estava
perfeita, bem pintada e com aparência de pouco uso. Somente os aros tinham
começo de ferrugens, e a desejei, mas não saí do banco. Como eu a observava
apenas com um rabo de olho o dono se aproximou de mim e me perguntou:
- Você mora
aonde?
- Na Barrinha,
eu o respondi.
Aquelas
alturas aquele carniceiro percebeu que eu era camponês, e camponês é matuto, e
matuto é bestão mesmo, e se é bestão é bom de fazer negócio, e se fizer, é
fácil ser ludibriado de todas as formas.
- Veio fazer o
que aqui em Mossoró?
- Eu vim
comprar uma bicicleta mercswiss.
O sujeito pôs
a me ganhar na conversa.
- Veio com seu
pai? - Perguntou-me?
- Não senhor,
vim só.
E começou
fazer mais perguntas e eu as respondendo. Em seguida disse:
- Vamos tomar
um cafezinho ali...
Eu o
acompanhei, e foi lá que ele me apresentou a bicicleta que estava à venda, e
que eu a tempo que a observava. E era aquela mesma que eu queria. Perfeita,
bonita, quase nova.
- Dê uma
voltinha nela para você ver como ela é boa...
- Não precisa.
- Respondi.
Fomos a
negócio. De lá pra cá veio o preço que eu nem me lembro mais quanto custava. E
de cá pra lá foi a minha confirmação. Concordei que eu queria a bicicleta por
aquele valor.
Montei na já
minha tão sonhada bicicleta e fui-me embora. Mas ao passar pela ponte do rio
Mossoró, um pouco mais à frente a bicicleta começou os problemas. A corrente
caiu, a catraca não prestava, freios duros e secos. Em busca de casa, andei
mais a pé do que mesmo nela.
A bicicleta só
tinha beleza, presença, mas estava toda cheia de solda. Como ela tinha sido
pintada a tinta cobria as partes que haviam sido soldadas.
Que sorte!
Naquele tempo matuto era matuto. Hoje não existe mais esta raça. O matuto de
hoje sabe tanto quanto o homem da cidade.
Parabéns para
ele!
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