Por Ignácio Tavares
Quando a família de Curinha veio morar em João Pessoa, o velho
amigo preferiu ficar em Pombal, pois a sua paixão por Lea falou mais forte.
Esta foi a grande razão que o impediu seguir os passos da família, rumo a
capital do Estado. Permaneceu na mesma casa onde a sua família morou por longos
anos. Uma casa modesta situada à Rua do Comércio, onde hoje funciona o Bar do
Ovo. Foi também neste local que Curinha resolveu se estabelecer no ramo de
bebidas e tira-gosto.
Curinha tinha uma legião de amigos que passaram a freqüentar o
seu estabelecimento comercial a fim de degustar um bom tira-gosto, regado uma
cachacinha ao gosto de cada um. Quando o cliente queria comer os gostosos
petiscos sempre ficava atento, pois, o Mestre Cura, com o seu fogão mágico
transformava em tira-gosto todo e qualquer ente vivo que lhe caísse às mãos.
Sem dúvida o peixe era o atrativo da casa, portanto, sempre estava presente no
cardápio de cada dia, assim como a galinha, guiné, entre outros viventes de
origem desconhecida.
Os guinés? Como os conseguia, então? Ora, não havia problema.
Bem próximo a sua casa, Dona Guiomar tinha uma criação dessa ave, cujo plantel,
era mais ou menos em torno de 45 animais. O mestre Cura, os capturava um a um
de forma bastante engenhosa. As avesi dormiam em dois pés de pinhas que
existiam no muro da casa. Na calada da noite Curinha saia com uma vara e
cuidadosamente estendia ao alcance dos pés de pinhas. Instintivamente a ave
passava do poleiro pra vara. Assim, com certo esmero, o bicho era puxado e
quando chegava próximo ao muro, o bote era fatal, pois, a pobre ave não tinha
tempo sequer para disparar o seu barulhento alarme.
Mesmo assim às vezes faltava tira-gosto. Numa certa noite,
estávamos sentados no alpendre da casa jogando conversa fora e a tomar umas e
outras. Éramos eu, Bebé de Antônio Gomes, Chico Sales, João Rapadura, Luiz
Camilo, Arnaldo Ugulino, entre outros. No momento o único tira-gosto que
existia era limão. Isso, por volta de uma hora da madrugada. Acontece que Bebé
saiu pra fazer necessidade fisiológica, no outro lado do postinho, ao lado da
Casa de Curinha. De repente apareceu um vulto humano e escondeu alguma coisa no
canto do muro. Essa mesma pessoa partiu em direção a casa onde a gente se
encontrava. Quando a figura afastou-se Bebé foi ver o que ali estava escondido.
Um belo achado; duas galinhas. Justamente o que estávamos a
precisar, naquele momento, para preparar o tira-gosto. Bebé pegou as penosas e
entrou pela lateral da casa sem que ninguém o visse. Deixou as galinhas lá na
cozinha, foi lá pra fora, onde a gente se encontrava. Para sua surpresa deu de
cara com Cícero de Bem-Bem, que, com certeza era o vulto que havia visto. Ou
melhor, era o “dono” das duas galinhas. É importante ressaltar que á
especialidade de Cícero era roubar galinhas. Bebé chamou Curinha e falou sobre
o achado e de imediato o Mestre Cura recolheu-se a cozinha e começou a preparar
o tira-gosto, que, naquele momento estava a nos faltar.
Cícero pegou um copo serviu-se e viu que o tira-gosto era limão.
Demorou um pouco e falou: "se vocês me pagarem trago já, já, duas penosas
pra gente comer aqui". Bebé se antecipou e falou: “dou-lhe dez cruzeiros
pelas duas galinhas”. Ora, Cícero, lépido e fagueiro, saiu em disparada e ao
chegar ao local, qual foi a decepção, pois não encontrou mais as duas galinhas
que ali havia postas. Voltou desconfiado e falou: “um ladrão safado me roubou”.
Em pouco tempo a galinha em fervura começou a exalar aquele cheiro próprio de
guisado. Cícero sacou logo que se tratava das suas galinhas e fez a seguinte
proposta: “dou vinte cruzeiros se vocês me disserem como foi que conseguiram
roubar minhas galinhas”. Alguém falou: “ladrão que rouba ladrão”..., muitos
risos.
Noutra ocasião, nesta não me fiz presente, soube através de
amigos, Curinha ofereceu um tira-gosto que agradou a todos que se faziam
presentes. O tira-gosto era tão gostoso que derrubaram dois tubos e ninguém
ficou bêbado. Passados alguns minutos, João Rapadura perguntou: “Ô Curinha que
tira-gosto é esse que nós comemos”? O mestre Cura ao exibir um leve sorriso,
falou: “Vocês acabaram de comer o gato de Zulima”. Arrematou: “esse gato
infeliz vivia por aqui a me atanazar, levei pra o taxo, transformei-o em
tira-gosto”. Todos se entreolharam, mas já era tarde, até mesmo pra jogar fora
bichano que comeram.
Ninguém reclamava das artimanhas de Curinha. O Bar-Curinha
continuava a ser frequentado, não obstante o freguês, vez por outra, degustar
tira-gosto de cobra, preás, camaleões, tejus, cágados, entre outros bichos de
identidade desconhecida, sem ao menos saber o que estava a comer. Êta Curinha
velho de guerra! O tempo jamais lhe mudará, por isso a sua marca, o seu modo se
ser, será sempre o mesmo.
Lembra-se que, Eu, Você e João Rapadura formávamos um trio
inseparável? E ainda, nos dias apropriados, vivíamos a vagar pelas oiticicas,
ingazeiras da beira do rio, a comer peixe assado, pescado por Biró meu cunhado,
regado a uma boa pinga?. Que saudades velho amigo Cura. No meu modo de pensar
você, com certeza, é um poeta existencialista, que não se revelou, perdido nas
quebradas do sertão.
Digo isso, afirmo e reafirmo, porque o Mestre Cura sempre
ignorou “etiquetas formais” típicas dos códigos protocolares das sociedades
burguesas. Nunca o vi cantar qualquer coisa. Se alguma vez cantou, foi muito
escondido, isso, talvez, pra conquistar o coração de Lea. Nunca foi de
estardalhaços, nem tampouco de riso fácil. Até hoje, quando fala, fala somente
o necessário. O seu modo de enxergar o mundo, seu indiferentismo ao consumismo
desvairado, em voga no tempo presente, e ainda; o seu modo de ser amigo nos
revela um grande espírito humano travestido de homem simples. Salve o mestre
Cura, meu dileto amigo de todas as horas e de todos os tempos. Um forte abraço.
João Pessoa(PB), 08 de Junho de 2009.
Ignácio Tavares. Economista. Professor aposentado do
Departamento de Economia do Campus Central da UFPB. Ex-Superintendente da
FIPLAN/Governo do Estado da Paraíba. Escritor. Natural de Pombal-PB.
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Enviado pelo professor, escritor, pesquisador do cangaço e gonzaguiano José Romero de Araújo Cardoso
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