Por: José Cícero
Aurora está n’O ÚLTIMO APITO – O Filme...
O ÚLTIMO APITO – Um filme-documentário produzido pelo cineasta fortalezense (pesquisador do cangaço) Aderbal Nogueira. Um filme simples, mas não um filme simplesmente... Um grito a romper o silêncio cômodo de uma história que ainda não terminou. Um contributo à preservação da memória história de toda uma geração de ex-ferroviários – bravos guerreiros, assim como de todos aqueles que de algum modo superlativo tiveram uma parte significativa das suas vivências ligada ao antigo cotidiano das estradas de ferro. Uma saga do povo cearense...Um filme que nos comove e convida a pensar diferente, ao passo que também instiga a nos indignar diante das circunstâncias até hoje mentirosas que supostamente levaram a interrupção do transporte ferroviário do nosso estado. Um retrato fiel da realidade de abandono em que está relegado todo o patrimônio ferroviário (material e imaterial), algo que nos dói no fundo da alma. Um filme que desnuda por si mesmo uma verdade ainda hoje uma tanto quanto inconveniente e há muito escondida. ‘O último Apito’ é, em suma, um grande presente e uma homenagem que se faz à memória histórica e afetiva do povo cearense em geral e os ferroviários em particular.Com um título dos mais sugestivos, daqueles, cujos vocábulos já dizem muito. Um tanto além da mera expressão lídima do termo - “O último Apito”: não é somente um filme simplesmente. Mas, diria que quase uma ferroada de maribondo-de-chapéu na ânsia(quem sabe) de acordar a todos do sono letárgico que em estivemos submetido por anos a fio. Diante deste verdadeiro esbulho que foi a destruição do nosso rico patrimônio ferroviário.Um documento em movimento que aborda de modo realista e sentimental um pouco da história da estrada de ferro e das antigas estações ferroviárias do Ceará, agora relegadas ao mais completo estado de abandono (quando ainda não foram demolidas). Uma cocha de retalhos memorialistas, composta de relatos fidedignos e comoventes de ex-ferroviários e de outros pesquisadores convidados. Um filme com a cara da nossa história que tem a capacidade de mexer profundamente com nossos sentimentos mais recônditos. Insisto: Não apenas um filme simplesmente... Mas um libelo de um crime de lesa-pátria e de lesa-história.
Inteligentemente o nobre diretor Aderbal Nogueira, cujo avô foi ferroviário e morara inclusive, na década de 20 em Aurora, coloca além da temática central, algumas capilaridades, tais como a história do célebre coronel Izaías Arruda e o seu notório assassinato na estação do trem de Aurora. A ele agradeço pelo convite de também ter tido a honra de participar deste filme como um dos pesquisadores entrevistados.Devo confessar que ao assistir os depoimentos e o choro de alguns dos personagens reais do documentário eu também me emocionei desmedidamente. Posto que também nasci e adolesci praticamente correndo, brincando e jogando bola à margem da linha férrea na minha antiga Missão Velha. De tal sorte que posso afirmar que quase tudo no meu tempo de menino estava de certo modo ligado as idas e vindas do velho trem. Minha casa, minha escola, meu campinha da várzea, as brincadeiras de esconde-esconde tinham como cenário maior a estação e os comboios ferroviários. O gesso, o açúcar, o combustível que nós aparávamos para depois pôr nos candeeiros, os grandes pregos dos dormentes, os bigus nos troles, a verdadeira feira-livre de bebidas, de comidas e guloseimas que todos os dias se formavam na “pedra” da estação. As águas das quartinhas e a famosa macaxeira a que todos diziam ser do cemitério. Uma verdadeira festa. Um acontecimento social de fato inesquecível. Um encontro dos mais democráticos. Uma saudade que ‘O último Apito’ agora nos traz de volta na mais absoluta das realidades. O trem passava literalmente duas ou três vezes por dia pelo meu quintal. De modo que esta história faz parte da minha memória afetiva. Quem viveu aquele tempo e não é de ferro, não tem como agüentar impassível as imagens e as narrativas trazidas pelo “o último Apito”. Por tudo isso, presumo ser impossível não sermos tocados por essas lembranças após assistirmos um filme deste naipe, tão realista, audaz e tocante. ‘O último apito’ é um espinho de mandacaru tocando fundo o nosso passado e as nossas recordações mais sentidas de um tempo bom e romântico que não volta mais... Por fim, um filme que, forçosamente teremos que assistir por mais de uma vez. Um passado que não passa...E mais: algo que de certa forma denuncia e incrimina todos os políticos que um dia fizeram este verdadeiro crime quando propuseram e/ou se permitiram a este ato triste. Deixaram que o trem tivesse um fim tão melancólico e inexplicável. Um filme a que todos os políticos contemporâneos deveriam assistir para que nunca mais (como os do passado) se deixem ser tocados por esta insensatez sem tamanho – a pilhagem ao nosso patrimônio. Para que nunca mais possam repetir esta vergonha nacional e cearense, que foi a interrupção das atividades ferroviárias no nosso Cariri e no estado como um todo.Afinal de contas, após o filme todos fatalmente haveremos de nos perguntar: A quem por acaso interessou o fim do transporte ferroviário? Ao povo certamente que não. A resposta todos nós já sabemos...O filme nos surpreende até mesmo na sua última legenda diante da interrogação – O Fim? O futuro talvez nos dirá um dia se de fato este foi fim reservado para esta bela e fantástica história de alegria, sangue, suor e lágrimas... Escutemos todos, este último apito...Parabéns Aderbal, grande mestre! Se a geração do presente não compreender no devido grau o seu pioneirismo histórico, o futuro certamente haverá de reconhecer seus esforços desprendidos.
José Cícero
Secretário de Cultura
Secretário de Cultura
Pesquisador do Cangaço
Aurora-CE.
Aurora-CE.