Por: Inácio Tavares
Publicado em
22/05/2013
Costumo
caminhar em Pombal por simples prazer de rever ruas e logradouros que me trazem
boas lembranças. Muitas coisas que presenciei e vivi na minha terra estão
gravadas no meu consciente.
Fatos do
passado afloram na minha memória a ponto de fazer-me reviver os bons momentos
da minha juventude.
Era somente
alegria num mundo de fantasias onde a palavra de ordem era ser feliz. Fui
feliz, pois, diverti-me a beça, amei, fui amado, alimentei esperanças e
desenhei projetos de vida futura.
Os meus
primeiros passos, em busca do saber foram dados nesta terra fascinante
sobretudo abençoada por Deus. Hoje, ao caminhar pelas ruas revejo velhas
edificações que mexem e remexem com o meu já sambado coração.
Por exemplo, o
velho Grupo Escolar João da Mata ainda hoje me fascina, não só pela sua
arquitetura padrão, referencia para todos os edifícios públicos construídos
naquela época, mas, porque foi neste estabelecimento de ensino que me ensinaram
as primeiras letras do alfabeto, primeiro passo para minha alfabetização.
O velho João
da Mata serviu para abrigar o saudoso Ginásio Diocesano de Pombal. Quem não se
lembra do nosso grande patrono Cônego Vicente de Freitas? Acredito que poucos
sabem quem foi este ilustre cidadão.
Nem mesmo o
poder público municipal lhe prestou uma justa homenagem, a altura dos
relevantes serviços que este magnífico homem de Deus prestou à terra de nós
todos.
Pois é, foi o
nosso estimado, de saudosa memória, Cônego Vicente de Freitas, o fundador do
Ginásio Diocesano de Pombal. Em 1958, formou a primeira turma de estudantes do
primeiro grau.
Está aí pra
dar o seu testemunho, o meu estimado amigo, professor e educador, Arlindo
Ugulino, um dos ícones do corpo docente da nossa terra. Com certeza o nobre
Mestre conheceu de perto a dedicação do Padre Vicente, à causa da educação em
nosso município.
Como disse
inicialmente, costumo andar de forma despreocupada pelas ruas da minha terra
com o olhar no presente e o pensamento no passado. Ao caminhar pela Teodósio de
Oliveira Ledo ocorrem-me algumas lembranças que gostaria de não tê-las.
Este senhor,
reverenciado no hino oficial na terrinha como construtor do nosso município foi
responsável pela matança de milhares de Índios Tapuias de forma covarde e
impiedosa. O que me dói é que, apesar dos pesares o seu nome está estampado em
algumas esquinas desta importante rua da nossa cidade.
A propósito é
oportuno lembrar que o município de Pombal é dotado de pessoas importantes,
capazes de causar inveja aos grandes municípios do estado ou da região, prontos
para serem homenageados pelos serviços prestados ou pela projeção que deu a
nossa terra mundo afora.
Citemos: Celso
Furtado, Ruy Carneiro, Janduhy Carneiro, Avelino Elias de Queiroga, Wilson
Seixas, Chiquinho Formiga, Atêncio Wanderley, Deputado Francisco Pereira,
Cônego Vicente de Freitas, filho por adoção e tantos outros.
Com esse
plantel de filhos ilustres, já é tempo de se fazer um remanejamento dos
homenageados com nomes das ruas centrais da cidade, afastando para o subúrbio
essa figura nefasta, incômoda, para dar lugar a quem efetivamente deu
visibilidade a esta cidade, não menos ilustre, do sertão paraibano.
A outra
lembrança é de caráter sentimental e porque não dizer, estritamente telúrica.
Pois é, lembro-me que a rua, com o nome do tal cidadão matador de índios,
outrora era a saudosa Rua da Cruz.
Era um
arruamento disforme que iniciava nas proximidades da casa do meu saudoso tio
Cândido Filemon, como era conhecido, e se estendia até a rua da Rodagem, hoje
Domingos Medeiros.
Na primeira
casa morava o senhor Escolástico Clemente, a segunda era de Bocage a terceira
de Chico de Sinhá Sadalina e prosseguia até as casas de Duca e de Jarda.
A Rua da Cruz
era conhecida pelas frequentes desarmonias entre os seus moradores. Quem não se
lembra da língua solta de Rosa de Ernesto? A fama da Rua da Cruz era tanta que
quando alguém, não residente no ambiente, cometia qualquer descortesia era logo
taxado de morado da rua da cruz.
Mas, a
desarmonia entre as pessoas da comunidade não era a regra geral, pois havia
pessoas de fino trato a residirem no lugar, tais como Quincô, Tinane, Zé Bezerra,
Biró de Lica, Jovino, o botador d água, o povo de Delmira, Júlio Gazo, o
canoeiro, Bocage, Nicodemos, Vicente de Virtuosa, Benedito e tantos outros que
o tempo deletou da minha memória.
Ao atravessar
a rua da rodagem deparamos com o Cachimbo Eterno. Nesta exótica localidade,
morava uma mulher que muito me chamava atenção. Tratava-se da senhora Cornélia.
Era repentista
e emboladora de coco. Apenas com um ganzá à mão direita, cantava modinhas e
improvisava tiradas de coco de roda, principalmente quando tomava um pouquinho
de zinabre.
Mais adiante,
a poucos passos, localiza-se a rua principal do Bairro Nova Vida, onde havia um
morador especial. Era o senhor Terto Calado, cuja residência ficava nas
proximidades do açude.
Era pai de
muitos filhos, entre os quais o temido domador de cobras, o Dantinha. Nenhum
menino da minha época queria desavença com esse rapaz.
Era um jovem travesso e brigão. Tinha mania de sair mato à dentro a procura de
cobras venenosas para por o braço para que elas picassem. Quando isso acontecia
quem morria era a cobra.
Vi algumas
exibições de Dantinha com o intuito de mostrar as pessoas que era curado do
veneno de cobras, sem distinção de espécies. Ele se dizia protegido de Deus por
isso não havia porque temer mordidas de cobras ou qualquer outro animal
peçonhento.
Contava-se
naquela época, que certa vez o seu pai o perseguiu com um cinturão para
aplicar-lhe uma pisa em razão de mais uma das suas travesuras.
De repente ele
puxou do bolso uma cobra venenosa e correu em perseguição ao pai que saiu em
desabada em direção a casa. Assim sendo, não houve outra saída para pai
perseguido, a não ser trancar-se num dos quartos da casa e pedir socorro aos
outros filhos.
Dantinha, às
gargalhadas no terreiro da casa, zombava do pai e gritava: velho medroso...
venha ver a bichinha..... é uma cascavel fêmea que não ofende a ninguém.....faz
três dias que está morando no meu bolso. De repente a Mãe aparece e resolve a
questão. Coisas de mãe..... Mesmo assim, o povo do bairro, admirava o Dantinha
por usa habilidade em lidar com cobras peçonhentas. Sem dúvida era um misto de
admiração e medo.
A Rua da Cruz
foi engolida pela especulação imobiliária e seu povo, em grande parte, foi
tangido para favela do Cacete Armado. Era um povo pobre, entretanto feliz. Era
lá onde se fabricava panelas, tigelas, quartinhas, potes, entre outros
utensílios de barro da melhor qualidade.
Ademais,
alguns membros da comunidade fabricavam tijolos e telhas, em olarias próximas
às suas moradias. Essa atividade contribuiu para a expansão e ocupação do
perímetro urbano da cidade, nos anos cinquenta.
Do ponto de
vista cultural, foi a Rua da Cruz que sediou por muito tempo uma das principais
manifestações folclóricas da cidade: a Festa de Reisados. Os líderes dessa
manifestação viveram até pouco tempo, como Bem-bem, Jubinha, Nicodemos, entre
outros.
O rito do
reisado foi sequenciado por Chiquinho, Cícero e Dinho, sendo estes três filhos
de Bem-bem. Com a morte de Chiquinho e Cicero o terceiro filho, o Dinho, deu
prosseguimento a esta manifestação, porem sem o arrojo e a alegria do seu Pai,
bem como os dois irmãos.
Retomando as
minhas reflexões, é importante lembrar que o velho logradouro conhecido como
Cachimbo Eterno foi também absorvido pela especulação imobiliária.
Não resta nada
do que foi. A moradora mais importante, como já disse, foi a senhora Cornélia
que tinha o dom do repente e nos fins de semana costumava alegrar os povos da
vizinhança com suas tiradas de improviso.
Infelizmente,
nada se conhece sobre os repentes da poetisa do subúrbio, porque os que viveram
a sua época são raros e os que ainda estão vivos são poucos os que sabem sobre
aquela senhora. É lamentável. O seu sobrinho Zé Corró, o lavador de carros,
nada sabe sobre a tia.
O bairro do
alto do Cruzeiro, é outro ajuntamento humano que outrora fora ocupado por
pessoas pobres, porem decentes e que também sofreu por conta da invasão
imobiliária.
Muitas casas
desapareceram e os espaços foram ocupados por moradias típicas de classe média
bem sucedida, uma vez que não se faz sentido falar em classe média alta em
Pombal. Ainda restam alguns casebres onde residem os remanescentes da família
Daniel.
Ah, sim, a
velha Rua dos Roque? Esta jamais a esquecerei. Nesta Rua residiram alguns
descendentes de João Ignácio D’Arão. Os filhos e netos de tia Flor(Florinda
Cardoso de Alencar, filha de João Ignácio), casada com Alexandre Liberato de
Alencar(Alexandre barriga mole), com certeza foram os fundadores dessa Rua.
Nela residiram
os Felinto, com destaque para Felinto Velho, pai de Marcelina Junqueira, ainda
os netos de tia Flor, bem como seu Roque casado com tia Joaquina, assim como os
seus descendentes. Eis porque a denominação de Rua dos Roque.
A minha
caminhada por essa Rua remete-me a lembranças inesquecíveis. Rigorosamente as
serenatas que fazíamos havia de passar pela Rua dos Roque.
Vozes e
violões rompiam o silencio da noite com valsas e canções para acordar a mulher
amada. Em seguida íamos para pedra da estação a fim de dar um descanso ao
violão, bem como às vozes da madrugada.
Bebíamos alguma
coisa, depois seguíamos pra Rua do Rosário a fim de acordar alguém que nos
esperava ansiosamente. O passo seguinte era a Rua do Sol onde cantávamos
algumas musicas, às vezes a pedido, para depois tomarmos a direção da rua
Estreita, com uma breve parada numa ruela transversal, em seguida cada um
buscava suas casas.
Estas são as
boas lembranças quando das minhas caminhadas despretensiosas pelas ruas da
minha terra.
Sim, isso
mesmo o bairro dos Pereiros também faz parte da minha história com ente
caminhante pelas ruas da cidade. O lugar continua intacto, não sei até quando,
pois a instalação do Campus da UFCG nas proximidades com certeza valorizou a
posse do solo, o que pode atrair a especulação imobiliária.
Até então a
especulação imobiliária não havia chegado ao sul da cidade, por razões de ordem
social e até mesmo moral, pois ali bem perto localizava-se a antiga zona do
baixo meretrício da cidade, que já não existe mais. Mesmo assim, ficou aquela
repugnância social que impossibilitou o crescimento da cidade, para aquela
direção, a exemplo dos demais bairros.
A rigor, o
bairro que mais me chama atenção é sem dúvida é o de Nova Vida. Mesmo perdendo
parte de sua área, pelas mesmas razões dos demais, apresenta fortes sinais de
vitalidade econômica e social.
Parece até,
que está a transmitir um recado ao poder público municipal, dizendo em alta
voz? o futuro econômico e urbanístico desta cidade está nesta direção, qual seja
o sentido da BR- 427.
Pois, um pouco
mais adiante, está a esplendorosa planície, localizada entre os sítios mundo
novo e capim verde, que poderá abrigar num futuro próximo novos espaços
urbanos/comerciais ao lado de um distrito industrial, capaz redirecionar a
economia do município a um longo e perpetuo ciclo de prosperidade econômica.
Sonhar não custa nada, por isso vou continuar sonhando a vida inteira.
Acredito no
ressurgir de uma Pombal próspera e esplendorosa, tomada pelo otimismo da
prosperidade, onde seus filhos possam ter uma oportunidade de emprego, aqui
mesmo, sem precisar sair por aí, mundo afora, em busca de algo que não perdeu.
João Pessoa,
22 de Maio de 2013
Ignácio
Tavares
Inacio é Economista. Colunista da Liberdade FM onde escreve sobre vários temas. CONTATOS: itavaresaraujo@yahoo.com.br
FONTE: http://www.liberdade96fm.com.br/colunistas/inaciotavares
Enviado pelo professor e pesquisador do cangaço José Romero Araújo Cardoso