Por Antonio Corrêa Sobrinho
Trago a
matéria abaixo, publicada no dia 20 de abril de 1997, pelo jornal “O Estado de
S. Paulo”, sobretudo para mostrar aos amigos como, em boa parte, se constroem
muitas das histórias que conhecemos, como, por exemplo, a do cangaço: ‘por
ouvir dizer’. E, por oportuno, refletirmos o quanto, no que diz respeito à
revelação do passado, versões terminam por se constituírem nos acontecimentos
que não presenciamos. Imaginem se a versão abaixo fosse a única do que ocorrera
no dia 28 de julho de 1938, em Angicos. Esta seria, sem dúvida, a história
oficial, a de que Lampião e Maria Bonita não morreram em Angicos.
Quanto à
matéria em si, e, preliminarmente, dizendo o quanto eu procuro compreender,
respeitar e questionar toda e qualquer informação a qual eu tenho acesso,
observo que o citado cangaceiro Moita Brava, dito como o autor desta versão, de
nome Manuel Franco da Rocha, não aparece como tal, pelo menos nos dicionários
de ‘nomes de cangaceiros’, o de Bismarck Martins de Oliveira e o de Renato Luís
Bandeiras, que nos apresentam dois alcunhados de Moita Brava, os de nomes
Diolino Ferreira e Antonio da Silva.
Outrossim, que o cangaceiro Paturi, mencionado nesta versão como o único, junto
com Moita Brava, a saber da trama urdida por Lampião e Maria Bonita, além de
incumbido de fugir com estes para fora da região, Bismarck o tem como o
cangaceiro que sempre defendeu a tese de que Lampião e Maria Bonita foram
mortos envenenados, porém em 38, o que contraria substancialmente o que a este
Paturi é atribuído nesta versão.
CABELEIREIRO
RECONTA A HISTÓRIA DE LAMPIÃO. CASADO COM A
NETA DE UM DOS BANDOLEIROS DO GRUPO, LEITE DIZ QUE O REI DO CANGAÇO VIROU
FAZENDEIRO
Por Tarcísio
Alves
Uma dupla de
“clones” morreu no lugar de Lampião e Maria Bonita, rei e rainha do cangaço, na
ação policial realizada no dia 28 de julho de 1938, em Sergipe. Manuel Franco
da Rocha, conhecido como “Moita Brava” entre os bandoleiros do capitão
Virgulino Ferreira da Silva, sustentou essa versão até morrer, em 1983, aos 114
anos, em São Paulo.
A história é repetida pelo cabeleireiro e comerciante José Bonifácio Leite,
dono de um salão de cabeleireiros e também de um bar e restaurante na avenida
Professor Francisco Morato, na Vila Sônia, na zona sul.
Leite, de 42 anos, é casado há 18 com Maria Nilda Rodrigues, neta de Moita
Brava, e afirma que a rápida convivência com o ex-cangaceiro foi suficiente
para que este lhe narrasse muitas de suas aventuras no sertão nordestino, entre
os anos 20 e 40.
CERCO – Um dos
casos mais recorrentes no repertório de seu Manuel, como era chamado pelos
familiares, conflita com a versão oficial da história – Lampião sobreviveu ao
cerco policial na Grota do Angico, um vale localizado em Poço Redondo, Sergipe,
próximo do rio São Francisco.
Mais: para escapar da enrascada, que, de acordo com a história, causou a morte
da dupla real do cangaço e de outros nove bandoleiros, Virgulino Ferreira da
Silva traiu Corisco, um de seus homens de confiança. Ele comandava parte do
bando do capitão, que se dividira justamente para confundir os “macacos’,
policiais que perseguiam cangaceiros.
A traição a que se refere o cabeleireiro envolve o episódio de morte do rei do
cangaço. Ancorado na versão de Moita Brava, ele diz que Lampião fez correr na
região a notícia da reunião de seu bando na grota do Angico, no dia 28 de
julho, que teria ocorrido pela manhã.
Na investida comandada pelo tenente João Bezerra, os cangaceiros mortos foram
decapitados e tiveram suas cabeças exibidas pelo Nordeste. Na madrugada
anterior, porém, os verdadeiros Lampião e Maria Bonita teriam tomado uma balsa
rumo a Penedo, em Alagoas. Dias depois, eles fariam o caminho inverso,
desembarcando na região do rio Araguaia, na região Centro-Oeste.
Um casal de sósias de Lampião e Maria Bonita teria sido escoltado para a grota
do Angico pelo próprio Moita Brava, na noite de 27 de julho. Os personagens
reais da ação aguardavam no local para serem substituídos tão logo os homens do
bando dormissem.
ESCOLTA – De
acordo com Leite, seu Manuel era “homem de confiança do capitão Virgulino”.
Assim, ele fora incumbido pelo chefe não só para escoltar os “clones” para o
vale, como também para acompanhar o rei do cangaço e a sua mulher na fuga.
Somente Moita Brava e Paturi, cangaceiro que estava de sentinela naquela noite,
teriam conhecimento do plano, segundo o comerciante. Seu Manuel foi afastado do
bando de Lampião em 1931, e passou a atuar como jagunço de coronéis, além de
fazer serviços estratégicos para o ex-chefe, comenta.
A história aponta ainda que Lampião e Maria Bonita estabeleceram-se no interior
de Minas, como fazendeiros. Os dois teriam assumido diversos nomes e mudado
constantemente de endereço para não serem reconhecidos.
HISTÓRIA – “No
Brasil, não se costuma dar valor à cultura, e o cangaço faz parte disso”, diz o
cabeleireiro, empenhado em difundir a versão sobre a morte de Lampião e Maria
Bonita. “É uma parte da história que poucos conhecem.”
Segundo Leite, Moita Brava não teria revelado, em vida, a suposta fuga de
Lampião por temer um “resgate” do espírito do cangaço em plena São Paulo de
hoje. “Se os cangaceiros ou parentes deles descobrissem que Lampião traiu seu
bando, eles provavelmente perseguiriam seu Manuel para se vingar, acredita.
No último contato com o ex-chefe, na década de 40, seu Manuel teria recebido
dele uma gratificação, em reconhecimento aos serviços prestados durante anos.
Teve, então, a ideia de trocar a vida de aventureiro no sertão pelo anonimato
em São Paulo.
Imagem de José
Bonifácio Leite,
com chapéu e punhal de Moita Brava.
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