*Rangel Alves da Costa
Desde que surgiram os softwares para edição de imagens, nunca mais os candidatos se apresentaram com as caras que realmente têm. Digo as caras, no plural mesmo, para confirmar a existência de muitas caras nos políticos. Segundo o livreto popular da política e da politicagem, todo político e todo candidato possuem múltiplas caras: cara safada, cara deslavada, cara lisa, cara de pau, desavergonhada, cara descarada. “Olha só que cara mais lisa desse candidato, chega aqui de quatro em quatro anos e vai logo virando a tampa da panela”, diz um. “Cara de pau desse aí. Nem óleo de peroba pra dar jeito”, diz o outro.
Dificilmente se houve dizer que esse realmente tem cara boa, de honesto, comprovadamente decente. Quando assim se afeiçoa, logo o antro da politicagem a transforma num eterno mascarado. Máscaras sempre sorridentes, alegres, festivas, como se todo mundo fosse amigo de infância ou conhecido desde longe. Acompanhando o sorriso falso, forçado e a palavra ensaiada e repetida para enganar, aqueles braços abertos e aqueles dedos (sem anéis dourados, para não assustar ou por medo de perderem numa esperteza qualquer) apertando toda e qualquer mão. Segundo dizem, muitos sempre levam álcool no carro, pois após os apertos de mão os dedos são devidamente limpos e extirpados da proximidade da pobreza e da miséria.
E é para que as caras pareçam mais aceitáveis, vez que além das marcas próprias da indecência e da desonrosa moral são difíceis de serem escondidas nas imagens reais, além do fato de que alguns são tão feios que assustam, é que os marqueteiros (ou maquiadores virtuais) se lançam ao ofício de proporcionar aparências verdadeiramente fantasiosas. Pegam as fotografias horripilantes, as faces e feições imprestáveis, e as transformam em verdadeiras obras de arte. Tudo para enganar, para ludibriar. Mas já se disse que quem vê cara não vê coração. Eis, então, a ilusão passageira, pois a imprestabilidade de fundo continua a mesma.
Tal trabalho, o da transformação do espinho em flor, é demorado e meticuloso. Somem as rugas, as feiuras, as marcas do tempo, as distorções da face, os desacertos da imagem. Resultado final: um candidato não só jovial como bonito, com sorriso formoso e aparência de alguém que acaba de sair do forno. E tudo para iludir o eleitor, como se este não conhecesse nem nuca tive visto aquela cara deslavada do jeito que a cara é. E ao olhar a fotografia sorridente e pedindo voto, logo diz: “Marminimo, esse aí? Esse aí eu conheço não pela tampa, mas pelo esgoto!”.
Pois bem, o aplicativo photoshop, segundo dizem, tem o poder do milagre. A possibilidade de fazer retoques, de apagar e de acrescentar, de colocar sombras e luzes, de alisar o crespo ou remover as marcas, surge como ferramenta essencial em tempos eleitorais. Ora, os candidatos querem ser mostrados e conhecidos aproximados da perfeição, ao menos na cara. Mas os exageros acabam provocando efeito contrário, somente até motivo de pilhérias e gracejos. Assim recentemente aconteceu com a candidata a vice de Ciro Gomes, a senadora Kátia Abreu. Mas de que adianta a mentira fotográfica pelo retoque, pelo alisamento, se todo mundo já conhece “a coisa” fotografada.
Os photoshop, contudo, são totalmente desnecessários em tempos eleitorais. Os candidatos não precisam lançar mão de tais instrumentos para maquiar suas imagens. Ora, indubitavelmente que cada candidato já se apresenta “photoshopado” da cabeça aos pés, também por fora e por dentro. Nada que um candidato mostra, diz, aparenta, quer transparecer ou confirmar, pode ser tido como verdade. Se o photoshop proporciona aparências inexistentes, o mesmo acontece com os candidatos e suas presenças na mídia e perante o público. Nele é praticamente tudo falso.
Há alguma diferença entre o retrato maquiado de um candidato e o seu discurso eleitoreiro? Há alguma diferença entre a mentira da fotografia e a inverdade em cada palavra ou promessa do candidato? Igualmente à imagem de campanha, não passa de deslavada mentira até a atuação física do candidato. Aquela história de somente aparecer de quatro em quatro anos é verdade. Aquela historia de não gostar nem de pobre nem da pobreza é verdade. Aquela história de lavar as mãos depois de cumprimentar pessoas empobrecidas também é verdade em muitas situações. Ademais, o que iria fazer um candidato acostumado ao terno e ao gabinete dentro de um barraco de porta de lona?
Os photoshop não estão somente nos retratos mentirosos, estão também nos candidatos mentirosos, pessoalmente, fisicamente, e em cada gesto e em cada palavra. Assim como escondem a cara real nas fotografias de campanha, do mesmo modo fazem nas suas presenças públicas. Não há um só candidato que tenha coragem de dizer que não vai fazer, que não pode por isso ou aquilo, que não pode vender ilusões ao povo. Todos podem tudo, vão fazer tudo, bastando somente que os eleitores lhe confiem o voto. Confiar? Só mesmo se quiser ser enganado, pois na política a arte maior está na enganação. Engana-se quem quiser. Eu não.
Escritor
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