Enviado pelo poeta, escritor e pesquisador do cangaço Kydelmir Dantas
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Com 1,79m de altura, cabelos longos, forte e muito inteligente, logo
Virgulino começou a sobressair-se no mundo do cangaço, acabou formando seu
próprio bando e tornou-se símbolo e lenda das histórias do cangaço. Tem
muitas lendas a respeito do apelido Lampião, mas a mais divulgada é que alguns
companheiros ao ver o cano do fuzil de Virgulino até vermelho, após tantos
tiros trocados com a volante (polícia), disseram que parecia um lampião. E o
apelido ficou e o jovem Virgulino transformou-se em Lampião, o Rei do
Cangaço. Mas ele gostava mesmo era de ser chamado de Capitão Virgulino.
Lampião era praticamente cego do olho direito, que fora atingido por
um espinho, num breve descuido de Lampião, quando andava pelas caatingas, e
ele também mancava, segundo um dos seus muitos historiadores, por
conta de um tiro que levou no pé direito. Destemido, comandava invasões a
sítios, fazendas e até cidades. Dinheiro, prataria, animais, joias e
quaisquer objetos de valor eram levados pelo bando. "Eles ficavam com o
suficiente para manter o grupo por alguns dias e dividiam o restante com as
famílias pobres do lugar", diz o historiador Anildomá Souza. Essa
atitude, no entanto, não era puramente assistencialismo. Dessa forma, Lampião
conquistava a simpatia e o apoio das comunidades e ainda conseguia aliados.
Anildomá Souza
Os ataques do rei do cangaço às fazendas de cana-de-açúcar levaram
produtores e governos estaduais a investir em grupos militares e
paramilitares. A situação chegou a tal ponto que, em agosto de 1930, o
Governo da Bahia espalhou um cartaz oferecendo uma recompensa de 50 contos de
réis para quem entregasse, "de qualquer modo, o famigerado
bandido". "Seria algo como 200 mil reais hoje em dia", estima
o historiador Frederico Pernambucano de Mello. Foram necessários oito anos de
perseguições e confrontos pela caatinga até que Lampião e seu bando fossem
mortos. Mas as histórias e curiosidades sobre essa fascinante figura
continuam vivas.
Uma delas faz referência ao respeito e zelo que Lampião tinha pelos
mais velhos e pelos pobres. Conta-se que, certa noite, os cangaceiros nômades
pararam para jantar e pernoitar num pequeno sítio - como geralmente faziam.
Um dos homens do bando queria comer carne e a dona da casa, uma senhora de
mais de 80 anos, tinha preparado um ensopado de galinha. O sujeito saiu e voltou
com uma cabra morta nos braços. "Tá aqui. Matei essa cabra. Agora, a
senhora pode cozinhar pra mim", disse. A velhinha, chorando, contou que
só tinha aquela cabra e que era dela que tirava o leite dos três netos. Sem
tirar os olhos do prato, Lampião ordenou ao sujeito: "Pague a cabra da
mulher". O outro, contrariado, jogou algumas moedas na mesa: "Isso
pra mim é esmola", disse. Ao que Lampião retrucou: "Agora pague a
cabra, sujeito". "Mas, Lampião, eu já paguei". "Não.
Aquilo, como você disse, era uma esmola. Agora, pague."
Criado com mais sete irmãos - três mulheres e quatro homens -, Lampião
sabia ler e escrever, tocava sanfona, fazia poesias, usava perfume francês,
costurava e era habilidoso com o couro. "Era ele quem fazia os próprios
chapéus e alpercatas", conta Anildomá Souza. Enfeitar roupas, chapéus e
até armas com espelhos, moedas de ouro, estrelas e medalhas foi invenção de
Lampião. O uso de anéis, luvas e perneiras também. Armas, cantis e acessórios
eram transpassados pelo pescoço. Daí o nome cangaço, que vem de canga, peça
de madeira utilizada para prender o boi ao carro.
Em 1927, após uma malograda tentativa de invadir a cidade de Mossoró,
no Rio Grande do Norte, Lampião e seu bando fugiram para a região que fica
entre os estados de Sergipe, Alagoas, Pernambuco e Bahia. O objetivo era
usar, a favor do grupo, a legislação da época, que proibia a polícia de um
estado de agir além de suas fronteiras. Assim, Lampião circulava pelos quatro
estados, de acordo com a aproximação das forças policiais.
Numa dessas fugas, foi para o Raso da Catarina, na Bahia, região onde a caatinga é uma das mais secas e inóspitas do Brasil. Em suas andanças, chegou ao povoado de Santa Brígida, onde vivia Maria Bonita, a primeira mulher a fazer parte de um grupo de cangaceiros. A novidade abriu espaço para que outras mulheres fossem aceitas no bando e outros casais surgiram como Corisco e Dadá e Zé Sereno e Sila. Mas nenhum se tornou tão célebre quanto Lampião e Maria Bonita, que em algumas narrativas é chamada de Rainha do Sertão.
Benjamim Abraão, Lampião e Maria Bonita
Da união dos dois, nasceu Expedita Ferreira, filha única do lendário casal. Logo que nasceu, foi entregue pelo pai a um casal que já tinha onze filhos. Durante os cinco anos e nove meses que viveu até a morte dos pais, só foi visitada por Lampião e Maria Bonita três vezes. "Eu tinha muito medo das roupas e das armas", conta. "Mas meu pai era carinhoso e sempre me colocava sentada no colo pra conversar comigo", lembra dona Expedita, hoje com 75 anos e vivendo em Aracaju, capital de Sergipe, Estado onde seus pais foram mortos. Na madrugada de 28 de julho de 1938, o sol ainda não tinha nascido quando os estampidos ecoaram na Grota do Angico, na margem sergipana do Rio São Francisco. Depois de uma longa noite de tocaia, 48 soldados da polícia de Alagoas avançaram contra um bando de 35 cangaceiros. Apanhados de surpresa - muitos ainda dormiam -, os bandidos não tiveram chance. Combateram por apenas 15 minutos. Entre os onze mortos, o mais temido personagem que já cruzou os sertões do Nordeste: Virgulino Ferreira da Silva, mais conhecido como Lampião. |