Por João Costa
Ranulfo Prata,
romancista sergipano, foi o primeiro a condensar em livro, em 1933, uma vaga
biografia, ou livro-reportagem sobre o chefe do cangaço, no romance “Lampião”
publicado oito antes dos acontecimentos de Angico, transformado hoje numa
raridade preciosa dos escritos sobre o cangaço.,
Prata era
filho de coronel fazendeiro, diretamente prejudicado pela ação do banditismo
rural, e segundo pesquisadores que o sucederam, esse primeiro relato sobre
Virgulino Ferreira contém imprecisões, mas que desperta, ainda hoje, bastante
interesse porque baseado em narrativas orais e cartas de amigos.
Reza a lenda
que, em Angico, a volante de João Bezerra encontrou um exemplar do livro de
Ranulfo no bornal que Virgulino carregava – e com anotações do próprio
bandoleiro.
O relato a
seguir, tem como referência as campanhas da polícia baiana contra Lampião
iniciadas em outubro de 1931, sob o comando do tenente João Costa, comissionado
tenente-coronel, e comandante-em-chefe com sede em Jeremoabo.
Nesta
campanha, devido à falta de militares, é que surgem no teatro de guerra ao
cangaço os soldados “contratados” ou “provisórios”; uso de tecnologias como
estações de rádio que se espalham por cidades alcançadas por ferrovias e, até,
vilas de toda a caatinga: Jeremoabo, Paripiranga, Santa Brígida, Brejo do
Burgo, Serra Negra, Santo Antônio da Glória, Chorrochó e outras localidades.
Lampião, que
já conhece os efeitos da nova tecnologia empregada contra ele, por onde passa
adverte:
- “No dia qui
em pegá um “trem” deste, o macaco qui tiver cum ele tem qui engoli todo”, era o
recado deixado claro Virgulino, que em 1931, aumentara a pressão sobre vilas e
fazendeiros com bilhetes extorquindo ricos e remediados.
Na cabecilha
de uma tropa, o tenente do Exército Liberato de Carvalho, está no encalço do
bando, dia e noite, sem descanso no comando de uma volante que viria a ficar
famosa; e ziguezagueando pelo sertão, Liberato e sua volante chegam a
Maranduba, “região erma e triste entre Serra Negra e Cipó de Leite”, onde
choca-se com o bando de Lampião.
Os
cangaceiros “invisíveis dentro de trincheiras magnífica oferecidas pela
sua velha aliada, a caatinga, a dominam com vantagens alarmantes”.
Liberato de
Carvalho é salvo por uma “intervenção da providência Divina”, diriam depois”:
“No mais aceso
da peleja, quando o pânico já se esboçava entre os soldados, que veem caídos
mais de uma dezena de companheiros, intercede um socorro esperado e oportuno”.
É o Tenente
Manoel Neto que surge com sua tropa de combatentes nazarenos pela retaguarda
dos cangaceiros.
“O bando de
Lampião, atacado pela retaguarda, se espanta, fraqueja, esmorece nas réplicas e
segue a velha tática atordoante de fuga”, narra Ranulfo Prata.
“No chão
tombaram 17 homens, entre mortos e feridos”; baixas humilhantes para as
forças legais.
“Do bando de
Lampião três ficam no campo de luta, indicando pingos de sangue que outros
feridos, puderam fugir”, mas dias depois foram encontrados mais três
cadáveres
Em São Paulo
explode uma Revolução que viria a interromper a campanha de Liberato que deixa
o combate a Lampião para seguir o Exército até o Sul.
Quem assume o
comando, em Jeremoabo, é o capitão João Miguel, comissionado em tenente na
Paraíba e em capitão na Bahia. Esse João Miguel é narrado como militar
incompetente, chefe de rádio, que atrai a desconfiança geral.
Simplesmente,
após a prisão do Cangaceiro Quixabeira, João Miguel o transforma e promove
o facínora em seu ordenança, responsável por açoitar, torturar coiteiros e quem
ele suspeitava.
Esse Quixabeira,
antes de assessorar o comandante João Miguel, fora o cangaceiro apontado como
responsável por sangrar e matar seis caçadores no Raso da Catarina, anos antes.
Ranulfo Prata,
ao narrar a chegada de Lampião na Vila Queimadas, lugar de alguma prosperidade
com estação ferroviária, descreve pela primeira vez para os leitores a dimensão
do terror do cangaço, num momento que Virgulino, de forma contraditória,
combina cordialidade com uns e crueldade com inimigos capturados.
Ao amanhecer,
o bando tomou de assalto o quartel fazendo prisioneiro todo o destacamento,
formado por sete soldados e um sargento, deixando-os sob a guarda de alguns
cangaceiros, enquanto ele se deslocava até a pensão do lugar onde pediu que
fosse servido um almoço.
- Faço questão
da presença de todos os hóspedes, recomendou.
Sentado à
cabeceira da mesa, Virgulino com sua voz pausada, baixa e gestos cordiais,
deixava a todos, ao menos aparentemente, confortáveis, enquanto degustavam um
verdadeiro banquete sertanejo.
Ao fim da
refeição Virgulino fez questão de pagar a conta, deixou o local e se dirigiu de
volta ao quartel para um tête-a-tête com os prisioneiros. O primeiro
é levado à sua presença no oitão da cadeia, onde Lampião percebe a presença de
curiosos, mas não se deixa afetar.
- Ajoelhe-se,
Cabra! Ordenou Virgulino, que saca seu largo punhal de 78 centímetros de
lâmina e crava na fossa supra-clavicular do prisioneiro.
“A arma,
agudíssima, vara facilmente o mole dos tecidos, como um palito a manteiga,”,
narra o escritor.
Em seguida
ordena que outro prisioneiro seja conduzido à sua presença, e a cena se repete;
arrastam para fora o terceiro, o quarto, o quinto, o sexto e o sétimo, que
enfrentam o mesmo suplício no encontro com a morte.
Chegara a vez
do sargento, comandante do destacamento.
Ali, no pátio
da cadeia, uma voz de uma das pessoas que assistiam às execuções, clamou por
misericórdia.
- Pelo amor do
Divino, tenha misericórdia! Este homem tem família numerosa, é uma pessoa
querida aqui do lugar; poupe ao menos esta vida, seja misericordioso!
- Que
assim seja! E quando eu deixar este lugar, enterrem os mortos, porque este
macaco aí, fica vivo para contar o que faço com macacos que encontro pela
frente”, disse Lampião, que antes de deixar a vila ainda tomou umas
lapadas de conhaque numa bodega ali próxima da cadeia transformada em
cadafalso.
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Fonte.
Lampião, de Ranulfo Prata, segunda edição
Foto1.
Liberato de Carvalho. Foto2.
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