Por Rangel Alves
da Costa*
Casa que não
se impõe, sem ordem, sem regra, aonde qualquer um chega e faz o que quer e
depois retorna para fazer muito mais, não possui denominação senão como casa da
Mãe Joana. Por que Joana? Relatam de uma nobre que perdeu o poder e as regalias
e foi viver da exploração dos prazeres sexuais num bordel adquirido. A mulher
era tão generosa no atendimento e sortimento a clientes que passou a ser tida
como verdadeira mãe, a Mãe Joana do castelo das delícias. Mas bondade sem regra
foi tornando o lugar uma verdadeira baderna. E talvez um dia a própria cafetina
tenha sido expulsa de lá aos pontapés.
A síntese
histórica do termo não é muito diferente do acima relatado. A verdade é que daí
em diante a expressão casa da Mãe Joana passou a simbolizar muito mais. Não só
bordel de entrada e saída, não só lugar permissivo e sem qualquer regramento
ético ou moral, mas também toda ambientação aonde qualquer pessoa chegue e
sinta que ali pode tirar o máximo proveito, fazendo e desfazendo, metendo a mão
e surrupiando, exercendo a indigna arte da ilimitada esperteza.
Alastrando-se
o termo, tomando outros contornos perante os novos costumes sociais, o lar da
bondosa mãe passou a também qualificar o imprestável em todas as esferas da
vida política, administrativa, social e até privada. Não raro se ouve dizer que
um órgão público se tornou em verdadeira casa da Mãe Joana, que um governante
age como se o poder conferido o permitisse agir como se estivesse na casa da
mãe mais que generosa. Muita gente usa o termo apenas para mostrar como se
avultam as safadezas, espertezas e ilegalidades, nos gabinetes e chefias dos
poderes constituídos. E não se distanciam da verdade.
Se
secularmente representou a esbórnia, a safadeza, a imoralidade, a tolerância,
tudo que fosse desprovido de seriedade e decência, foi acrescida de
denominações como corrupção, fraude, improbidade. Continua comparada a um
bordel chinfrim, a uma casa de ninguém e de todo mundo, que é usada e depois
cuspida, mas foi ganhando tamanha abrangência que atualmente a casa da Mãe
Joana pode ser avistada em lugares jamais imaginados, antes insuspeitos e até
divinizados pela representatividade.
Nasceu
significando prostíbulo, bordel, casa de coisas fáceis, para aos poucos ir se
tornando em lugar de proveito de qualquer um que tenha a chave de sua porta.
Contudo, pensando bem, o termo em apreço é tão instigante que logo se estende
em variadas considerações. Observando as características de uma casa assim,
onde se tem desregramento, imoralidade, corrupção, devassidão, facilidades de
toda ordem e aproveitamentos a todo custo, logo vem à memória prédios e
edifícios, palácios e palacetes, rampas e gabinetes. E tudo numa casa imensa
chamada Brasília.
A capital
federal não tem culpa alguma na transformação que lhe foi imposta ao longo dos
anos. Surgiu para acomodar os poderes da nação, para centralizar a
administração do país, para a gestação das leis e a observância destas. Tudo na
conformidade daquilo que uma nação grandiosa requeria. E ali estabelecidas as
três esferas centrais de poder: executivo, judiciário e legislativo. Mas também
uma casa imensa, nem sempre visível aos que no planalto chegam, mas que a
imprensa vem mostrando todos os dias o seu retrato: a Casa da Imoralidade.
Casa da
imoralidade que também poderia ser casa da safadeza, da corrupção, da
desfaçatez, da improbidade, da ladroíce, da esperteza, do descaramento, da
depravação e de tudo o que for de mais imprestável na vida pública,
administrativa, governamental, envolvendo grande parte daqueles que são
responsáveis pelos destinos da nação e que agem - ou agiam - sob aparências
revestidas de moralidade. Perto dessa casa, a casa da Mãe Joana se afeiçoa mais
a um convento, a um refúgio de pudor e castidade.
Perto da casa
Brasília, coitada da casa da Mãe Joana. Naquela a depravação é tão grande que a
imundície se esconde nos tapetes, passeia pelo ar, zanza nos escondidos. Em
Brasília, não há mais um só local onde o visitante não se veja diante do
espantoso, de desavergonhamentos traduzidos em expressões como Mensalão,
Petrolão, Zelotes, Lava Jato e muito mais. Tudo num encadeamento tamanho que
parece não haver nenhum agente público que não esteja envolvido em algum tipo
de imoralidade ou falcatrua. Nem a presidente atual nem o ex-presidente Lula
ficaram de fora das acusações de serem cabeças de maquinações escabrosas.
Depois de ser
preso e resolver contar tudo, o senador e ex-líder de governo Delcídio do
Amaral escancarou parte da podridão da casa Brasília: influências para proteger
e evitar punição de empreiteiros encarcerados, interferências no judiciário
para salvar a pele de criminosos, pagamento pelo silêncio de delatores,
conivência com atos de corrupção, oferecimento de subornos, manipulação para o
encobrimento de graves acusações. Tudo envolvendo milhões, pessoas influentes e
instituições basilares da República.
O mais espantoso
é que através de ações comandadas pelo ex e a atual mandatária da nação,
segundo Delcídio, ex-defensor e homem de confiança do governo, pois seu líder
no senado. E se disse, é porque muito sabe. Se comprovado, é porque o fim do
mundo já começou a acontecer em algum lugar. Na casa chamada Brasília. Diante
desta, mísera é a casa da Mãe Joana.
Poeta e
cronista
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