Material do Acervo do pesquisador Antonio Corrêa Sobrinho
RECEIFE (O
GLOBO) – Dois dias antes de completar 95 anos de idade, morreu ontem, às 9h45m,
em seu velho chalé de Vila Maria, no município de Salgueiro, alto sertão
pernambucano, o mais velho dos coronéis do Nordeste, Veremundo Antonio Joaquim
Soares, que se tornou famoso por sua riqueza e por sua inimizade a Lampião.
Em Salgueiro, onde a família do coronel Veremundo possui o cinema, a farmácia, o curtume, a casa de saúde, a empresa de energia elétrica, as fábricas de beneficiamento de algodão e de óleo vegetal, a saboaria, o armazém de estivas, lojas de tecidos, casas de aluguel e uma fazenda de mil hectares, tudo vai parar às 11 horas de hoje para o enterro do penúltimo “Coronel” do sertão pernambucano; o último é o coronel Francisco Heráclito.
Sempre de camiseta, camisa, calça de brim, o coronel Veremundo deixou em
Salgueiro a imagem do homem bem sucedido na vida, do homem rico cujos negócios
sempre prosperaram.
- Comecei tudo com o capital de 4 contos e 500 e nunca tive uma conta de cobrança em meu arquivo – costumava lembrar, vaidoso, aos seus 16 filhos legítimos.
No sertão, quando tudo era difícil, especialmente no setor assistencial, ele firmou seu prestígio fazendo partos e dando receitas, quase sempre baseadas em chás e emplastros. Por causa disso, o Presidente da República lhe concedeu, em 1904, a original carta-patente de capitão-cirurgião do 257º Batalhão de Infantaria e da Guarda Nacional de Salgueiro como as de um médico formado.
Outro orgulho do coronel Veremundo era sua coragem de dizer a verdade, a quem quer que fosse, ainda as que pudessem compromete-lo. Ele contava, para quem quisesse ouvir:
- Meu pai era um padre, de nome Joaquim Soares, que saiu de Minas Gerais, subiu pelo rio São Francisco e se fixou em Salgueiro.
O coronel gostava de ler e era dançarino emérito. No tempo de solteiro fez sucesso como clarinetista e saxofonista da bandinha de Salgueiro. Era tido como criador do balaio e de outros ritmos sertanejos em que se inspiraram algumas composições do sanfoneiro Luiz Gonzaga.
O IMPÉRIO
Como
fazendeiro e comerciante, criou em Salgueiro e em toda a região um verdadeiro
império. Em sua fazenda Monte Alegre, que comprou em 1930, a cana-de-açúcar e a
rapadura ainda são produzidas numa velha engenhoca a vapor, uma das poucas do
gênero, em Pernambuco.
Pouco antes de morrer, já desiludido com a política, ele comentava com seus filhos e netos:
- Vamos cada vez pior. A cada dia que passa a gente descrer numa porção de coisas. Não vale a pena a gente ser político.
Mais comerciante que político nos seus últimos anos de vida, ainda assim elegeu um genro deputado estadual e seu filho prefeito da cidade. No governo de Cid Sampaio em Pernambuco, tentou, com o seu prestígio de “coronel”, impedir a inauguração de uma agência do Banco do Estado de Pernambuco na vizinha cidade de Cabrobó, sob a alegação de que o banco da região era ele mesmo.
O que mais abalou o prestígio de chefe político do “coronel” Veremundo foi a interferência, na política sertaneja, de Etelvino Lins.
- Entrou seu Etelvino e foi uma desgraça. Acabou-se o PSD. Ele dá prestígio a um dá prestígio a outro, e isso não está certo – dizia aos que lhe perguntavam sobre a política de seu município.
O INIMIGO
O que mais fez
crescer a fama do coronel Veremundo no sertão foi sua inimizade a Lampião, cujo
bando perseguiu. Certa vez o rei do cangaço lhe escreveu esta carta: “Suas
saudações. O fim desta é somente para saber qual o seu plano depois da minha
passagem. O senhor mandou uma força ir atrás de mim. Em outra era nós já fomos
inimigos porém para o presente eu pensava que nós era amigo. Para si eu era,
mas me parece que o senhor era meu amigo. Portanto, eu lhe faço esta para saber
qual é seu destino. Já mandei avisar ao padre Cícero que nesta minha diligência
o que se alterou contra mim foi o município de Salgueiro. Tenha muita cautela,
eu não volto a ser o mesmo que era outro dia. Eu bem que quero virar santo e
fazer a felicidade para vocês mesmo. Sem mais assunto. Capitão Virgulino
Ferreira.
Temendo um
encontro com Lampião, o coronel Veremundo, sempre que precisava ir a Recife,
fazia uma longa e complicada viagem na qual usava bote, cavalo e carro. No
longo itinerário, passava por Juazeiro, na Bahia.
A única vitória de que se recordava, em sua guerra a Lampião, foi quando o juiz de Salgueiro, João Jungmann, prendeu com seu auxílio a mãe e um irmão de Lampião, João.
VEREMUNDO PARA
A CIDADE DE SALGUEIRO
SALGUEIRO (O
GLOBO) – Toda a cidade de Salgueiro, 512 quilômetros de Recife, parou na manhã
de ontem para acompanhar o enterro do “coronel” Veremundo Soares, o penúltimo
dos “coronéis” do sertão pernambucano e famoso por ter combatido o bando de
Lampião. No seu enterro, com honras militares, um pelotão da Polícia Militar
deu uma salva de tiros de festim. Uma Bandeira Nacional cobria o seu esquife.
Umas duas mil pessoas, que choravam e rezavam, acompanharam o cortejo fúnebre. Com o luto oficial de três dias decretado pelo prefeito da cidade, Romão Sampaio, a indústria, o comércio e os educandários de Salgueiro estavam ontem de portas fechadas.
Acompanharam o sepultamento de Veremundo, que morreu dois dias antes de completar 93 anos, um representante do governador Eraldo Gueiros e os deputados Honório Rocha, Ribeiro Godoy e Edson Cantarelli, que representavam a Assembleia Legislativa.
FAMÍLIA
PRESENTE
Dos filhos,
netos e bisnetos do “coronel” Veremundo, só a sua neta Nalda, que está em
Fortaleza, não acompanhou o enterro. Dois dias antes da morte do avô ela havia
viajado para o Ceará. Os outros 16 filhos, 30 netos e 33 bisnetos deslocaram-se
de Recife e de várias cidades do interior para assistir à cerimônia. O cortejo
fúnebre foi aberto por mais de 100 colegiais, que representavam todos os
educandários de Salgueiro e formaram duas filas indianas.
Às 9 horas, com o chalé de Vila Maria inteiramente tomado, o padre José de Castro Filho, vigário de Salgueiro, celebrou missa de corpo presente.
No salão principal do chalé, onde o corpo foi velado, os parentes do “Coronel” choravam muito, principalmente no instante em que foi fechado o esquife. Um tenente do Exército, Alcides Ruas, cobriu o esquife com a bandeira Nacional. O velho patriarca foi agraciado com a Medalha do Pacificador e a Ordem do Mérito de Pernambuco.
O cortejo fúnebre saiu da Vila Maria às 10 horas e passou pela praça principal de Salgueiro. A entrada do cemitério, um pelotão de soldados da PM, armado de fuzis, disparou duas salvas de tiros de festim contra o solo e fez a apresentação de armas, em homenagem ao morto.
No cemitério só foi permitida a entrada de pessoas da família, de altas autoridades e de jornalistas. O primeiro orador da cerimônia fúnebre foi o professor Potiguar Matos, representante do governador Eraldo Gueiros. Em seguida falou em nome da Assembleia Legislativa, o deputado Honório Rocha. Em nome da família falou um genro do “coronel” Veremundo, o Prof. Orlando Parahym, que, muito emocionado, chorou.
O “coronel” Veremundo baixou à sepultura vestindo uma farda preta de capitão-cirurgião do 257º Batalhão de Infantaria e da Guarda Nacional de Salgueiro, patente que lhe foi conferida, em 1904, pelo então Presidente da República, Rodrigues Alves.
Imagem do
coronel Veremundo obtida na internet
Fonte: facebook
Página: Antônio
Corrêa Sobrinho
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