Por Júnior
Almeida
Manoel Severo e Júnior Almeida
A Indústria de
Acumuladores Moura iniciou suas atividades no município de Belo Jardim,
interior de Pernambuco em 1957 e é hoje uma gigante mundial no ramo de baterias
automotores, náutica, logística e de telecomunicações, tendo suas unidades
fabris no Agreste pernambucano, São Paulo e Argentina, estando as baterias de
marca “Moura” nos veículos das principais montadoras do Brasil e até no
exterior, liderando o mercado em toda América Latina.
Hoje a Moura é
uma marca consolidada e a família dona da indústria, evidentemente, são
notáveis e potentados não só em Pernambuco, mas em todo Brasil, como por
exemplo, basta apenas citar um: o ex-governador do Estado Mendonça Filho, cria
do casal José Mendonça e Estefânia e, neto do velho Pedro Moura Júnior, esse
pioneiro da industrialização de Belo Jardim.
“Seu” Moura,
como muitos o chamavam, nasceu em Vitória de Santo Antão, Pernambuco, em agosto
de 1901, mas dois anos depois passou a residir, junto com toda família, em
Gravatá, no mesmo Estado. Aos cinco anos perdeu sua mãe e aos treze já
trabalhava numa padaria da cidade onde morava. Com dezesseis foi tentar uma
vida melhor em Recife e com apenas vinte e um anos de idade já era
representante de vendas das Máquinas Singer, o que fez com que em 1922
desembarcasse do trem da Great West em Belo Jardim, para não mais sair, mudando
a sua história de vida e a história do lugar.
O sociólogo
Gilberto Freyre disse em seu clássico “Casa Grande & Senzala” que “todo
brasileiro, mesmo o alvo, de cabelo louro, traz na alma, quando não no corpo
(...) a sombra, ou pelo menos a pinta, do indígena ou do negro”, então,
partindo desse entendimento, creio que “todo nordestino tem algum tipo de
ligação com o cangaço, através de parentesco com cangaceiros, coiteiros,
volantes, ou mesmo por serem vítimas desses citados”. Como exemplo, narro aqui
uma passagem envolvendo uma das famílias mais importantes (economicamente
falando) de Pernambuco com o cangaço.
Edson Mororó
de Moura foi quem fundou a primeira fábrica de acumuladores de energia do
interior de Pernambuco há mais de seis décadas. Ele é filho de Pedro Moura
Júnior e Josefa Augusta de Moura, a Dona Mocinha, nascida em 1904, essa da família
Mororó, da região do distrito de Xucurús, município de Belo Jardim, mas na
época de sua infância, pertencente a Brejo da Madre de Deus, local em a família
Mororó teve contato com cangaceiros, mais especificamente com Antônio Silvino,
o chamado “Rifle de Ouro”.
Cangaceiro Antônio Silvino
Em 12 de
fevereiro de 2001, o jornalista Carlos Eduardo Carvalho dos Santos esteve na
residência da matriarca da família Moura, Dona Mocinha, então com 94 anos, em
Recife, para entrevista-la, para seu livro, a biografia de Pedro Moura Júnior,
seu falecido marido, e dentre várias passagens de sua vida em comum com o
industrial, falou a respeito de como o cangaceiro Antônio Silvino
involuntariamente uniu o casal. No capítulo intitulado “O Cangaço na História
(da família)”, Dona Mocinha relatou o episódio, que segundo ela “alterou
profundamente as ligações da família Mororó com o progresso de todos, alterando
a qualidade de vida, quando passaram a ter mais segurança e perspectiva de
melhores dias futuros.”
Dona Mocinha
era filha de Balbino Batista de Lima (dos Mororó) e Florentina Augusta de Lima,
conhecida como “Florzinha”. A matriarca contou que corria 1911 e, ela com toda
família morava na Fazenda Santa Rosa, zona rural daquele município, quando
receberam certo dia a visita nada agradável de Antônio Silvino e seu bando. A
velha senhora disse que:
O chefe não
chegou a entrar na casa, permanecendo em pé na porta, em atitude arrogante,
pediu para Balbino trocar uma cédula de cem mil réis, já recolhida pelas
autoridades monetárias e que o bandido sabia não ter o menor valor. Os demais
ficaram no pátio.
De imediato, o
dono da casa não vacilou, e como não sabia ler, trocou o dinheiro, sendo assim,
enganado. Ainda hoje esta cédula está no acervo da família, como marco
documental.
Dona Mocinha
relatou que semanas depois desse episódio, outros cangaceiros do bando de
Silvino apareceram em outra propriedade dos Mororó, onde praticaram violências
contra alguns moradores, que eram, segundo os bandidos, “cabras fuxiqueiros”.
Quitéria, Antônia, Maria e Francisca, irmãs de Mocinha, eram adolescentes na
época e, segundo ela, ficaram apavoradas com os “gracejos” dos cangaceiros e,
mais ainda quando um sicário de alcunha Borboleta disse que ficara sabendo que
Antônio Silvino iria incendiar a casa de Balbino e seu irmão Zé Mororó, o que
iria servir de lição.
Mocinha
relatou ainda que os cangaceiros mandaram chamar as pessoas da vizinhança,
dentre elas, o perneta e ruim da cabeça Manuel Bibiu, que ao ser inquirido não
soube responder nada, sendo apenas ameaçado de que “com uma pisa boa sua cabeça
voltaria a funcionar de novo”. Após o leso ser “interrogado”, sobrou para dois
rapazes de nome Geraldo e Xavier, que foram arrastados para o terreiro da casa
e onde foram espancados de todo jeito, inclusive com um chicote de couro de
três pernas com bolas de chumbo em suas extremidades. A surra foi tão grande
que os cangaceiros chegaram a quebrar a folha de um punhal, de tanto bater no
espinhaço dos jovens. Os rapazes ficaram encharcados de sangue, inclusive,
expelindo o sangue pela boca, em várias golfadas enquanto desciam um barranco
embolando, na base do coice de rifle.
Segundo Dona
Mocinha, Borboleta, o mais cruel do grupo, pegou no punhal para sangrar os
rapazes, mas sua mãe Florzinha pediu “pela criança que segurava nos braços, que
ele não os matassem em seu terreiro”, no que foi atendida. Para humilhar mais
ainda as vítimas, o cangaceiro mandou que Geraldo e Xavier tomassem benção à
Florzinha.
Depois desses
dois episódios, a família Mororó ficou com medo de permanecer na área rural e
migrou, em 1912, para Belo Jardim. Dona Mocinha creditou a essa mudança à
guinada na vida de sua família, inclusive, o seu casamento com Pedro Moura,
pois segundo ela, sua prima Nega, filha de João Lau, não quis sair do sítio e
ficou vivendo por lá em extrema pobreza. A matriarca dos Mororó Moura chegou a
dizer que:
Há que se
suspirar de alívio. Afinal, Antônio Silvino foi, como se poderia dizer, nesse
caso, uma benção para a família de Balbino [Mororó], que assim teve seu destino
melhor motivado pela “visita” do Cavaleiro das Caatingas.
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