Por Geraldo Maia do Nascimento
Em 1927 a
cidade de Mossoró vivia um período de expansionismo comercial e industrial.
Possuía o maior parque salineiro do país, três firmas comprando, descaroçando
e prensando algodão, casas compradoras de peles e cera de carnaúba, contando
com um porto por onde exportava seus produtos e sendo, por assim dizer, um
verdadeiro empório comercial, que atendia não só a região oeste do Estado, como
também algumas cidades da Paraíba e até mesmo do Ceará.
A população da cidade andava na casa dos 20.000 habitantes, era ligada ao
litoral por estrada de ferro que se estendia ao povoado de São Sebastião, atual
Dix-sept Rosado, na direção oeste, seguindo por quarenta e dois quilômetros.
Contava ainda com estradas de rodagem, energia elétrica alimentando várias
indústrias, dois colégios religiosos, agências bancárias e repartições
públicas. Era essa a Mossoró da época. A riqueza que circulava na cidade
despertou a cobiça do mais famoso cangaceiro da época, que era Virgulino
Ferreira, o Lampião.
Para concretizar o audacioso plano de atacar uma cidade do nível de Mossoró,
Lampião contava em seu bando com a ajuda de alguns bandidos que conheciam muito
bem a região oeste do Estado, como era o caso de Cecílio Batista, mais
conhecido como \\\"Trovão\\\", que havia morado em Assu onde já havia
sido preso por malandragem e desordem e de José Cesário, o
\\\"Coqueiro\\\", que havia trabalhado em Mossoró. Contava ainda com
Júlio Porto, que havia trabalhado em Mossoró como motorista de Alfredo
Fernandes, conhecido no bando pela alcunha de \\\"Zé Pretinho\\\" e
de Massilon que era tropeiro e conhecedor de todos os caminhos que levavam a
Mossoró.
No dia 2 de maio de 1927 Lampião e seu bando partiram de Pernambuco, em direção
ao Rio Grande do Norte. Atravessaram a Paraíba próximo à fronteira com o Ceará,
com destino a cidade potiguar de Luiz Gomes. Antes, porém, atacaram a cidade
paraibana de Belém do Rio do Peixe.
Lampião não estava com o bando completo. O cangaceiro Massilon, que se juntaria
com sua gente ao seu ele, estava com uma parte dos bandidos no Ceará e
pretendia atacar a cidade de Apodi, já no Rio Grande do Norte, no dia 10 de
maio daquele ano. Depois do assalto, deveria se juntar a Lampião em lugar
predeterminado, onde deveriam terminar os preparativos para o grande assalto.
Essa reunião se deu na fazenda Ipueira, na cidade de Aurora, no Ceará, de onde
partiram com destino a Mossoró. E ai começou a devastação por onde o bando
passava. Assaltaram sítios, fazenda, lugarejos e cidades, roubando tudo o que
encontravam, inclusive jóias e animais, queimando o que encontravam pela frente
e fazendo refém de todos os que podiam pagar um resgate. Entre os seqüestrados
estavam o coronel Antônio Gurgel, ex-Prefeito de Natal, Joaquim Moreira,
proprietário da Fazenda \\\"Nova\\\", no sopé da serra de Luis Gomes,
dona Maria José, proprietária da Fazenda \\\"Arueira\\\" e outros.
Coube ao Coronel Antônio Gurgel, um dos sequestrados, escrever uma carta ao prefeito
de Mossoró, Rodolfo Fernandes, fazendo algumas exigências para que a cidade não
fosse invadida. Era a técnica usada pelos cangaceiros ao atacar qualquer
cidade. Antes, porém, cortavam os serviços telegráficos da cidade, para evitar
qualquer tipo de comunicação. Quando a cidade atendia o pedido, exigiam além de
dinheiro e jóias, boa estadia durante o tempo que quisessem, incluindo músicos
para as festas e bebidas para as farras. Quando o pedido não era aceito, a
cidade era impiedosamente invadida.
De Mossoró pretendiam cobrar 500 contos de réis para poupar a cidade, mas sendo
advertido que se tratava de quantia muito alta, resolveu reduzir o pedido para
400 contos de réis. A carta do coronel Gurgel dizia:
\\\"Meu caro Rodolfo Fernandes.
Desde ontem estou aprisionado do grupo de Lampião, o qual está aquartelado aqui
bem perto da cidade. Manda, porém, um acordo para não atacar mediante a soma de
400 contos de réis. Penso que para evitar o pânico, o sacrifício compensa,
tanto que ele promete não voltar mais a Mossoró...\\\"
Ao receber a carta, o Cel. Rodolfo Fernandes convoca uma reunião para a qual
convida todas as pessoas de destaque da cidade, onde informa o conteúdo da
mesma e alerta para a necessidade de preparação da defesa contra um possível
ataque dos cangaceiros. Os convidados, no entanto, acham inviável que possa
acontecer um ataque de cangaceiros a uma cidade do porte de Mossoró. E de nada
adiantaram os argumentos do prefeito.
Mesmo decepcionado com a atitude dos cidadãos da cidade, o prefeito responde a
carta nos seguintes termos:
\\\"Mossoró, 13 de junho de 1927. -
Antônio Gurgel.
Não é possível satisfazer-lhe a remessa dos 400.000 contos, pois não tenho, e
mesmo no comércio é impossível encontrar tal quantia. Ignora-se onde está
refugiado o gerente do Banco, Sr. Jaime Guedes. Estamos dispostos a recebê-los
na altura em que eles desejarem. Nossa situação oferece absoluta confiança e
inteira segurança.
Rodolfo Fernandes\\\".
Quando o portador chega a casa do prefeito para pegar a resposta, esse, de modo
cortês, diz que a proposta do bandido é inaceitável e se diz disposto a
enfrenta-lo. Levou o portador ao aposento onde havia vários caixões com latas
de querosene e gasolina. Junto a esses caixões, existia um aberto e cheio de
balas. O prefeito na tentativa de impressioná-lo, diz que todos aqueles caixões
estão cheios de munição e que já existe um grande número de homens armados na
cidade, aguardando a entrada dos cangaceiros.
Lampião não esperava tal resposta e ao tomar conhecimento que a cidade está
pronta para brigar, resolve mandar um bilhete escrito de próprio punho, numa
péssima caligrafia, julgando que assim conseguiria o intento :
\\\" Cel
Rodolfo
Estando Eu até aqui pretendo drº. Já foi um aviso, ahi pº o Sinhoris, si por
acauso rezolver, mi, a mandar será a importança que aqui nos pede, Eu envito di
Entrada ahi porem não vindo essa importança eu entrarei, ate ahi penço que
adeus querer, eu entro; e vai aver muito estrago por isto si vir o drº. Eu não
entro, ahi mas nos resposte logo.
Capm Lampião.\\\"
Mais uma vez, o prefeito responde com negativa. Diz em sua resposta para
Lampião:
\\\"Virgulino, lampião.
Recebi o seu bilhete e respondo-lhe dizendo que não tenho a importância que
pede e nem também o comércio. O Banco está fechado, tendo os funcionários se
retirado daqui. Estamos dispostos a acarretar com tudo o que o Sr. queira fazer
contra nós. A cidade acha-se, firmemente, inabalável na sua defesa, confiando
na mesma.
Rodolfo Fernandes
Prefeito, 13.06.1927\\\".
Nessa altura dos acontecimentos, os mossoroenses já convencidos do intento dos
cangaceiros, tratavam de preparar a defesa da cidade. O tenente Laurentino era
o encarregado dos preparativos. E como tal, distribuía os voluntários pelos
pontos estratégicos da cidade. Haviam homens instalados nas torres das igrejas
matriz, Coração de Jesus e São Vicente, no mercado, nos correios e telégrafos,
companhia de luz, Grande Hotel, estação ferroviária, ginásio Diocesano, na casa
do prefeito e demais pontos.
O plano de lampião era chegar a uma localidade conhecida como Saco, que ficava
a uma distância de dois quilômetros de Mossoró, onde abandonariam as montarias
e prosseguiriam a pé até a cidade. O cangaceiro Sabino comandava duas colunas
de vanguarda. Uma das colunas era chefiada por Jararaca e outra por Massilon.
Lampião ia no comando da coluna da retaguarda.
Enquanto cangaceiros e voluntários se preparam para o combate, o restante da
população, que não participariam do mesmo, tentava deixar a cidade. Eram
velhos, mulheres e crianças, pessoas doentes, que não tinham nenhuma condição
de enfrentar, de armas em punho, a ira dos Cangaceiros.
A cena era dantesca desde o dia 12 de junho. Nas ruas, o povo tentava deixar a
cidade de qualquer maneira. Mulheres chorando, carregando crianças de colo ou
puxadas pelos braços, levando trouxas de roupas, comida e água para a viagem,
vagando na multidão sem rumo. Era uma massa humana surpreendente que se
deslocava pelas ruas da cidade na busca de transporte, qualquer que fosse o
meio, para fugir antes da investida dos Cangaceiros. Famílias inteiras
reunidas, em desespero, lotavam os raros caminhões ou automóveis que saíam
disparados a caminho do litoral. Muitos, sem condição de transporte, tratavam
de conseguir esconderijo dentro ou fora da cidade. A ordem dada pelo prefeito
era que quem estivesse desarmado saísse da cidade.
O desespero aumentava mais a medida que o dia avançava. Às onze horas da noite,
os sinos das igrejas de Santa Luzia, são Vicente e do Coração de Jesus
começaram a martelar tetricamente, o que só servia para aumentar a correria. As
sirenes das fábricas apitavam repetidamente a cada instante. Muita gente que
não acreditava na vinda de Lampião, só ai passou a tomar providências para a
partida.
Na praça da estação da estrada de ferro, era grande a concentração de gente na
busca de lugar para viajar nos trens que partiam de Mossoró. Até os carros de
cargas foram atrelados a composição para que a multidão pudesse partir. Mesmo
assim não dava vencimento, e os retardatários, em lágrimas, imploravam um lugar
para viajar.
O Prefeito, o Cel. Rodolfo Fernandes de Oliveira, se desdobrava na organização
da defesa, ao mesmo tempo que ordenava a evacuação da cidade, medida essa que
poderia salvar muitas vidas.
Enquanto isso, a locomotiva a vapor, quase milagrosamente partia, resfolegando
com o peso adicional, parecendo que ia explodir, tamanho o esforço feito pela
máquina que emitia fortes rangidos e deixava um rastro de fumaça negra no
horizonte. Era uma viagem relativamente curta, entre Mossoró e Porto Franco, nas
proximidades da praia de Areia Branca.
Na cidade, o badalar dos sinos continuava e o desespero também, pois apesar da
pequena distância que o trem deveria percorrer, a locomotiva demorava mais do
que o normal para chegar, com o maquinista parando com freqüência para se
abastecer de água e lenha pelo caminho. Saía de Mossoró com todos os carros
lotados e voltava vazio. Era um verdadeiro êxodo.
Na noite do dia 12 de junho, não houve descanso para ninguém em Mossoró. Os
encarregados pela defesa da cidade se revezavam na vigília, enquanto o restante
da população esperava a vez de partir. E o movimento na estação ferroviária não
parava. O embarque de pessoal virou toda a noite e só terminou na tarde do dia
13 de junho, dia de Santo Antônio, quando foram ouvidos os primeiros tiros,
dando início ao terrível combate. Mas a meta havia sido alcançada; a cidade
estava deserta, exceto pelos defensores que das trincheiras aguardavam o
ataque.
Ao entrarem na cidade, o bando sente medo, devido ao abandono do local. Sabino
encaminha-se com suas colunas para a casa do prefeito. Não perdoa o atrevimento
daquele homem que resolveu enfrentar o bando de cangaceiro mais temido do
nordeste brasileiro. Sabino posiciona-se sozinho em frente a casa de Rodolfo
Fernandes. Os defensores da cidade ficam indecisos, sem saber se ele é um
soldado ou um cangaceiro, já que não havia muito diferença entre a maneira de
se vestir de um e de outro. Foi preciso a ordem do prefeito para que começassem
a atirar.
Nesse momento o tempo fechou. Uma forte chuva começou a cair, comprometendo o
desempenho dos cangaceiros e tornando mais tétrico o ambiente. Lampião segue em
direção ao cemitério da cidade enquanto que Massilon procura os fundos da casa
do prefeito.
O cangaceiro \\\"Colchete\\\" tenta revidar os tiros lançando uma
garrafa com gasolina contra os fardos de algodão que serviam de trincheiras
para os defensores, na tentativa de incendiá-los. Nesse momento é atingido por
um tiro, caindo morto. Jararaca se aproxima do corpo, com o intuito de dar prosseguimento
ao plano do comparsa morto e é também atingido nas costas, tendo os pulmões
perfurados.
No mesmo instante, os soldados entrincheirados na boca do esgoto começam a
atirar, encurralando os cangaceiros. Os defensores dominam a situação e não
resta outra solução aos facínoras se não abandonar a cidade. A ordem de
retirada é dada por Sabino que puxando da pistola dá quatro tiros para o alto.
É o fim do ataque.
Não foi um combate longo; iniciou-se as quatro horas da tarde, aproximadamente,
sendo os últimos disparos dados por volta das cinco e meia da mesma tarde.
Lampião havia fugido, deixando estirado no chão o Cangaceiro Colchete e dando
por desaparecido o Jararaca, que depois seria preso e
\\\"justiçado\\\" em Mossoró. Mas com medo da revanche dos bandidos,
os defensores permaneceram de plantão toda a noite, só descansando no outro
dia, quando tiveram certeza que já não havia mais perigo.
Quando lembramos esses fatos, ficamos pensando que tragédia poderia ter
acontecido se a cidade não houvesse sido esvaziada a tempo. Quantas mortes
poderiam ter havido se a população tivesse permanecido na mesma. Só Deus pode
saber.
Depois do acontecido, a população começou a voltar para casa. Foi outra batalha
para se conseguir transporte, juntar os parentes, desentocar os objetos de
valores que tinham ficado escondidos e tantas providências mais, que só quem
viveu o drama poderia contar.
13 de junho, dia de Santo Antônio. Um dia que ficou marcado para sempre na
história de Mossoró.
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Autor:
Jornalista Geraldo Maia do Nascimento
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