Sérgio Cabral
- O nome dos dez primeiros integrantes do bando, você se lembra? Quando você
chegou, se lembra bem da escalação do time?
- Lembro.
Ziraldo - Tinha uma hierarquia? Tinha o Lampião e depois?...
...Jaguar - Tinha um chamado lugar-tenente?
- Tinha, tinha aqueles que promovidos, vanguarda, retaguarda, linha de frente.
Tinha os que eram promovidos por ele. Bom, então, tinha Corisco, Zé Baiano,
Luiz Pedro, Virgino, Mariano, Cirilo, Antônio Desgraça, Labareda...
Millôr - Eu queria saber duas coisas. Primeiro, como é que Lampião falou da sua
primeira participação em combate? Ele aprovou e disse: "Você, foi bem,
menino"! Foi isso?
- Aprovou.
Millôr - Segundo, como é que surgiu o seu apelido de VOLTA SECA?
- Lampião mesmo disse: "Olha, de agora em diante, o seu nome de
Antônio desapareceu. O seu nome agora é VOLTA SECA. Nenhum chama mais pelo
nome".
Ziraldo - Por quê?
- Ele não queria mais que chamasse pelo nome. Porque a Polícia, depois que
soubesse, por exemplo, fulano, Antônio dos Santos, está com Lampião, eles iam
atrás da minha família. Iam espancar a minha família. Ia bater, ia matar e
essas coisas todas.
Ziraldo - E porque VOLTA SECA?
- Eu era franzino mesmo, e todos que chegavam eles botavam apelido. Num tinha
motivo nenhum. Todo que chegavam eles botavam apelido.
Grupo
de Lampião, na fazenda Jaramataia/SE em 1929.
"Volta Seca", ainda menino, é o primeiro da direita p/ esquerda, na
fila da frente:
Jaguar - Só para disfarçar.
- Só pra disfarçar.
Ziraldo - Ele te tratava assim como um pai? Você era um menino, ele tinha por
você um certo carinho, ele dispensava a você um tratamento de garoto?
- Ele dispensava. Por exemplo ele sabia que eu não podia carregar muito peso e
mandava que os outros me ajudassem a carregar o meu...
Ziraldo - Havia algum de idade mais ou menos igual a sua?
- Teve um só.
Jaguar - Depois de você, quem era o mais moço?
- Mais moço não tinha nenhum não.
Jaguar - Tinha algum de 16, 17 anos?
- Tinha de 16, 17, 18. A turma dele era tudo...
Ziraldo - O mais velho era o Corisco?
- Não. Tinha o Antônio Desgraça, que era mais velho que o Corisco. Tinha o
Cirilo, que era irmão do... Justamente esse que eu num falei, que era irmão do
Antônio Desgraça - (Antonio de Ingrácia) Tudo era rapaziada nova, mas
tinha velho também.
Jaguar - Qual era o mais bravo; o mais destemido, vamos dizer?
- Era tudo uma coisa só. Agora, tinha sempre um que era mais perverso.
Millôr - O Corisco era perverso?
- Nunca era tanto, não. O mais perverso que tinha lá era o Gato e o Zé Baiano.
Eles eram perversos. Sempre andavam vigiados pela gente pra não fazer
perversidade. Sempre tinha um ali, que era promovido pra tomar conta. Por
exemplo, tava com dez homens. Aqueles dez homens, eu tava com responsabilidade,
porque se eles fizessem alguma coisa mal feita, o chefe vinha era em cima de
mim.
Millôr - Havia punição?
- Havia, havia punição e dura. Os outros viajavam e eu ficava amarrado. Eu
fiquei um dia todinho amarrado, sem direito a descer do animal. Todo mundo lá,
almoçando, brincando, e eu lá, no animal.
Millôr - Tinha disciplina, né?
- Tinha, havia disciplina.
Ziraldo - Você era um menino. Você não tinha, às vezes, vontade de brincar? Às
vezes subia numa árvore, o Lampião o surpreendia jogando pedra numa árvore?...
- Não, não importava não.
Aparício - Eles aderiram ao Lampião? Eles foram ao encontro do Lampião ou o
Lampião chegava e convocava?
- Bom, muitos era o seguinte: eles às vezes cometiam um crime, a policia dava
em cima. E sabe, corria daqui, corria dali e eles ficavam sabendo do Lampião e
corriam pra lá, se apresentavam: "Capitão, o seguinte é esse; eu matei um
cara assim e tal, e não tenho outro recurso a não ser o senhor e tal". E
ele dizia: "Multo bem, tamos aqui".
Jaguar - Ele aceitava todos, ou tinha uma espécie que não aceitava?
- Só tinha uma espécie que ele não aceitava: era ladrão. Olha, se ele chegasse
num comércio e tivesse 10, 12 presos, ele soltava todo mundo. Dizia: "O
que foi que você fez"? "Ah, eu matei, num sei o que...". Ele
dizia: "Sai". O outro: "Ah, eu matei também". Ele:
"Sai". E chegava pro outro: "E você, tá aqui por que"? O
outro: "Ah, tinha uma moça que eu violei, num sei o que..." Ele
dizia: " Ah, então você deve ficar aqui. Cê ia gostar que fizessem o mesmo
com sua irmã"?
Jaguar - Justiça, né?
- Ah! Era tudo "E você, o que foi que fez?" O cara dizia: "Eu
roubei". Aí ele dizia: "E, então você devia morrer".
Ziraldo - Escuta mas o Lampião não seqüestrava uma cidade inteira, num levava
uma cidade inteira? Como é que ele não gostava de ladrão?
- Ele não fazia isso. Quando Lampião ia entrar numa cidade, ele mandava uma
carta para, por exemplo, o prefeito, para o grande dali. E queria entrar na
paz, e queria que mandasse uma importância pra ele, porque ele não podia
trabalhar.
Jaguar - Cumé que era aquela famosa, frase dele?
- "Amando, vivendo e querendo bem". Bom, no entanto, era isso o que
ele fazia. Então, mandavam dizer que ele podia entrar, que não havia perigo de
polícia. Ele entrava e não apanhava um alfinete, não senhor.
Aparício - E a munição, como é que ele obtinha munição?
- Ah! Isso era mais fácil do que a comida. Munição espirrava de tudo quanto era
lugar.
Jaguar - Mas agora, e esse negócio de pegar uma fazenda de coronel inimigo
dele, e botar fogo. Isso eles andaram fazendo, né?
- Fez, fez porque ele merecia.
Ziraldo - Traidor, né?
- Traidor. Ele merecia que ele fizesse isso. Pois cumé que eu sou seu amigo e o
senhor com falsidade comigo? Então, num tava certo.
Jaguar - Qual
foi assim, a batalha, o momento mais forte que você enfrentou quando estava no
bando?
- Bom, batalha, toda ela é perigosa. Mas eu assisti diversas: Massaranduba (Maranduba),
Lagoa do Mel, Pau de Colher, Santa Rosa...
Jaguar - Por exemplo, qual foi a maior de todas, assim, em número de
combatentes?
- Bom, isso foi em Serra Grande.
Jaguar - Qual foi a primeira batalha que você viu, que morreu gente do seu
lado?
- Do meu lado, eu só lembro que só morreram três, em Massaranduba, na
Bahia. Divisa de Sergipe com Bahia. (Sergipe com Alagoas).
Jaguar - Por que essa batalha foi tão difícil? Tinha muita gente do outro lado?
- Tinha muita gente do lado deles. Era muita gente, era uns seiscentos e poucos
pra brigar com 90.
Jaguar - Vocês foram surpreendi\dos por eles ou já esperavam?
- Perfeito, nós já esperávamos.
Millôr - A história conta que Lampião chegou a ter mais de 200 homens. O máximo
que você pegou foi 90.
- Não, eu peguei até 120.
Ziraldo - Escuta, por que é que eles sempre perdiam! Afinal de contas, eles
eram profissionais, né? E sempre 600 contra 90, e eles perdiam. Falta de moral
da tropa, não tinham estratégia, técnica de batalha?...
- Né não. O seguinte era eles: quando eles chegavam, e não encontrava a gente,
os próprios colegas mesmo matavam um ao outro. E depois diziam que era Lampião.
Millôr - Por quê?
- Porque ficavam tão apavorados que, se no momento passava um colega deles na
frente, eles saiam soltando bala a torto e a direito.
Ziraldo - A gente chama isso no futebol de marcar gol contra, né?
- É. Gol contra. Então, é esse o caso. Olha, eu vou contar pra você um caso que
se deu no Raso da Catarina. Nós viajando de tarde, e sabia que eles vinham
atrás. Bom, então, chegamos lá, naqueles cupins. No meio do caminho, Lampião
disse assim: "Olha, vamos botar aqui uns dez cupins, botar umas
barcas ali em cima e acender fogo no meio. Quando eles vierem aí, eles vão
atirar nos cupins, achando que é a gente. E aí nós vamos ver o caso deles.
Sérgio Cabral - É só por causa disso que o homem ganhava todas...
- Então, nós fizemos aquilo. Acendemos o fogo e fomos pra frente. Aí, lá vem
eles. Quando chegaram, eles num quer saber, num viu ninguém, mas viu fogo e viu
aquele negócio parecendo uma pessoa, que era o cupim, né?
Ziraldo - Espantalho, né?
- É. Aí, eles passaram fogo. Pou, pou, pou. Nós num demos um tiro, ficamos só
na risada. E eles atirando. No dia seguinte, tinha oito mortos.
Ziraldo - Isso foi onde?
- No Raso da Catarina.
CONTINUA...
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