Por José Mendes Pereira
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quinta-feira, 17 de outubro de 2024
AVÓ, PAIS E IRMÃOS DE VIRGOLINO FERREIRA DA SILVA, O LAMPIÃO
LANÇADA E ESPERANDO POR VOCÊ
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Benjamin Abrahão - ENTRE ANJOS E CANGACEIROS
A obra é ensaio interdisciplinar que ocupou boa parte da vida do autor, e também um livro de arte, com dezenas de fotografias e de fotogramas históricos da trajetória do sírio Benjamin Abrahão Calil Botto -- um “conterrâneo de Jesus”, como se declarava, por conta do nascimento em Belém, na Terra Santa --, que desembarcou no Porto do Recife em 1915, aos 15 anos de idade, fugindo da Grande Guerra, para trilhar uma aventura extraordinária pelos sertões do Brasil setentrional.
No livro, Pernambucano de Mello, reconhecido por Gilberto Freyre, já em 1984, como “mestre de mestres em assuntos de cangaço”, apresenta pesquisa profunda, feita ao longo de 40 anos. Pela primeira vez, é divulgado o conteúdo da caderneta de campo deixada por Benjamin Abrahão, recolhida pela polícia no momento de seu assassinato com 42 punhaladas, no começo de 1938, no sertão de Pernambuco, aos 37 anos de idade. Cobrindo os anos da missão sobre o cangaço, a caderneta abrange o período 1935-1937, com lançamentos alternados em português e em árabe, assim impusesse a necessidade de sigilo sobre o assunto.
O historiador trabalhou por três anos, com dois professores de árabe, traduzindo, ponto a ponto, o conteúdo averbado -- muitas vezes resultante de conversas noite adentro com Lampião, Maria Bonita e outros cangaceiros -- que são relatos que matam polêmicas e contestam versões atuais sobre fatos e figuras das décadas de 1910, 1920 e 1930, como o polêmico Floro Bartolomeu da Costa e a apregoada amizade entre Lampião e o padre Cícero, além de informações que dizem respeito ao real combate do Batalhão Patriótico à Coluna Prestes, para o qual traz entrevista inédita que fez com Prestes, em 1983, no Recife.
Particularmente importante, pela originalidade, é a revelação da matriz setecentista e estrangeira do pensamento social brasileiro dos anos 1930 sobre o cangaço, presente, sobretudo no chamado romance nordestino, tendente a culpar a sociedade e a desculpar os excessos dos protagonistas do fenômeno. O mesmo se diga sobre a revelação, de todo desconhecida até o presente, dos esforços de apropriação internacional do apelo épico que o tema encerra, por parte das facções travadas em luta de morte ao longo da década aludida: o Reich alemão contra o Soviete russo, Hitler contra Stalin, ao tempo em que Lampião dava as cartas na caatinga.
O livro traz ainda apêndice com a reprodução de importantes documentos, colhidos em pesquisa que contou com o apoio de muitos colaboradores e instituições, como a Fundação Joaquim Nabuco, do Recife, a Cinemateca Brasileira de São Paulo, os arquivos Renato Casimiro/Daniel Walker, do Juazeiro, e da antiga Aba-Film, de Fortaleza, ambos do Ceará, entre outros.
Sobre o autor:
FREDERICO PERNAMBUCANO DE MELLO possui formação em história e direito. Na Fundação Joaquim Nabuco, do Ministério da Educação, integrou a equipe do sociólogo Gilberto Freyre, de 1972 a 1987, período em que se especializou no estudo da cultura da região Nordeste do Brasil, tendo publicado os seguintes livros: Rota batida: escritos de lazer e de ofício, Recife, Edições Pirata, 1983; Guerreiros do sol: violência e banditismo no Nordeste do Brasil, Recife, Editora Massangana/ Fundação Joaquim Nabuco, 1985 [ora em 5ª edição pelo selo A Girafa, de São Paulo]; Quem foi Lampião, Recife-Zürich, Stähli Edition, 1993 [ora em 3ª edição]; A guerra total de Canudos, Recife-Zürich, Stähli Edition, 1997 [ora em 3ª edição pela A Girafa]; Delmiro Gouveia: desenvolvimento com impulso de preservação ambiental, Recife, Editora Massangana/ Fundação Joaquim Nabuco-CHESF, 1998; Guararapes: uma visita às origens da Pátria, Recife, Editora Massangana/Fundação Joaquim Nabuco, 2002; Tragédia dos blindados: a Revolução de 30 no Recife, Recife, Editora Massangana/Fundação Joaquim Nabuco, 2007; Estrelas de couro: a estética do cangaço, São Paulo, Escrituras Editora, 2010, livro finalista do Prêmio Jabuti de 2011, nas categorias projeto gráfico e ciências humanas.
É membro dos Institutos Históricos de Pernambuco, Alagoas e Rio Grande do Norte, do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil, e da Academia de História Militar Terrestre, tendo sido curador internacional da Fundação Bienal de São Paulo para a Mostra do Redescobrimento – Brasil 500 Anos, São Paulo, 2000, e presidente da União Brasileira de Escritores – Seção de Pernambuco. Na Academia Pernambucana de Letras, ocupa a cadeira 36 desde o ano de 1988. Pela originalidade de seus estudos, pelo volume da obra que produziu, e por se dedicar a aspectos de nossa história considerados ásperos e de pesquisa difícil, tem sido considerado o “historiador do Brasil profundo”, na palavra do professor Nelson Aguilar.
Prefácio: Eduardo Diatahy Bezerra de Menezes.
Texto das orelhas José Nêumanne Pinto
Gênero História/Cangaço e cangaceiros/Usos e costumes/Ensaio interdisciplinar.
Formato brochura, com mais de "97 imagens. Páginas "352
Carmen Barreto – comunicação e imprensa – imprensa@escrituras.com.br
escrituras editora e distribuidora de livros ltda.
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*Matéria gentilmente enviada por Alfredo Bonessi
A CASA CAIU, SENHORITAS!
Cangaceiras aprisionadas
Manchete de 18 de maio de 1935, no jornal “Diário de Noticias” BAA presença de cangaceiras aprisionadas foi uma das marcas do momento. Anna Maria da Conceição, nascida em Jeremoabo, era companheira do cangaceiro "Jurema". Caminhava com Jurema, Juremeira, Beija-Flor e Nevoeiro, quando a volante do sargento Vicente caiu sobre o subgrupo. Foi alvejada com dois tiros de fuzil, que lhe atingiram os braços, sendo capturada.
Já o seu parceiro e companheiros não tiveram a mesma sorte...
Cortesia do amigo Sergio Dantas
Otilia Teixeira Lima, de Poços, era companheira de "Mariano". Adentrou o Cangaço em 1931, depondo que constituíam o bando, naquele momento em que adentrou, Lampeão, Mariano, Zé Bahiano, Pó Corante, Gato, Bananeira, Volta Secca, Maçarico, Cajueiro, Balisa, Cabo Velho, Nevoeiro, Luis Pedro, Virgínio, Suspeita e Medalha, além de Maria Bonita e algumas mulheres que não indicou os nomes.
Deslocava-se, em 1935, junto com Mariano, Criança, Pai Velho e Pau Ferro, quando foi o subgrupo cercado pela volante do sargento Rufino. Cerrada brigada, foi cercada, não conseguindo Mariano romper o seu cerco para libertá-la. Acabou entregando-se.
“Lampeão” não quer negocios com a policia da Bahia
Dois minutos de interessante palestra com as mulheres de Mariano e “Jurema”, chegadas, hontem, presas .. .A vida, para o banditismo, “no outro lado”, está melhor...O DIARIO DE NOTICIAS offerece, hoje, aos seus innumeros leitores, a opprtunidade de uma entrevista com as mulheres de Mariano e “Jurema”, dois dos peores scelerados que teem palmilhado a zona escaldante e longinqua do nordéste bahiano.
São ellas Anna Maria da Conceição, com 23 annos de idade, mestiça, nascida nas Baixas, no município de Geremoabo, e Otilia Teixeira Lima, parda, de 25 annos, estatura média, procedente das caatingas de Poços, distante 15 leguas daquella cidade.
Fomos encontra–las, hontem, na delegacia Auxiliar. Momentos antes, haviam chegado do nordéste, pelo trem do horario, devidamente escoltadas por seis praças da Policia Militar.
Como foi presa a primeira
Anna foi presa nas caatingas do logar denominado São José, tendo, nessa occasião, recebido dois tiros de fuzil, que lhe perfuraram os braços. Estava ella em companhia de “Jurema”, “Beija–Flôr”, “Nevoeiro” e “Juremeira”, quando surgiu, inesperadamente, a força volante do sargento Vicente, que, de ha muito, vinha sequindo as pégadas do bando sinistro. Logo que viu os policiaes, “Jurema” rompeu cerrado tiroteio contra os mesmos, que, reagindo valentemente, puseram em fuga os cangaceiros. No embate, que durou poucos minutos, caiu ferida Anna Maria. “Jurema” quis, ainda, soccorre–la, mas, acossado pelas balas, teve que fugir, deixando a companheira nas mãos dos seus perseguidores.
A outra “descansava”...
Otilia estava com o bando de Mariano, na Fazenda “Mucambo”, junto com “Páo Ferro”, “Criança” e “Pai Velho”. Minutos após a chegada do grupo, dois cáibras fôram escalados para arranjar montadas na vizinhança. Foi quando appareceu, de surpresa, o contingente do sargento José Rufino, que, com 15 praças, vinha procurar pousada na alludida fazenda.
Reconhecendo os bandidos, a força entrou a tiroteiar contra os mesmos, pondo–os em fuga, depois de cerca de duas horas de fogo. Otilia estava descansando na casa da fazenda, quando começou a fuzilaria.
Receiosa de ser attingida pelos projectis, alli deixou–se ficar, sendo finalmente presa e conduzida para esta Capital, onde se encontra. Mariano, seu velho companheiro conseguiu, habilmente, cortar a rectaguarda da força, fugindo á chuva de balas que se despejava sobre elles.
Contando a sua vida...
– E ainda dois graças a Deus, de estar aqui! Pensei que a força me fuzilasse, no momento em que fui presa. Ha cerca de quatro annos, ingressei no bando de “Lampeão”. Por essa occasião, o “Capitão” andava lá pelo Raso da Catharina, acompanhado de José Bahiano, “Gato”, Pó Corante”, Mariano, “Bananeira”, “Volta Secca”, “Maçarico”, “Cajueiro”, “Balisa”, “Cabo Velho”, “Nevoeiro”, Luis Pedro, Virginio, “Suspeito” e “Medalha”. Viajava para Poços, com meus dois irmãos, quando deparei o bando do “Cégo”.
Mariano botou os olhos em cima de mim e me ordenou que o acompanhasse. Não tive outro jeito senão seguir. Juntei–me ás outras mulheres e comecei a andar pelo matto, sem pouso, passando fome e sêde, até o dia em que fui presa.
Como ciganos
– E como vivem os bandidos?
– Pelos mattos, dormindo hoje aqui, amanhã alli, comendo carne do sol e ás vezes, um pouco de farinha. Agua arranja–se nas raizes de umbú. Á noite, todos se deitam no chão e embrulham–se com as suas cobertas. Quem tem mulher dorme separado, debaixo de algum pé de paó... É uma vida desgraçada... – concluiu Otilia.
Anna Maria assistia á conversa, com o corpo descansando sobre os calcanhares.
Uma historia de amôr...
– Vivia com a minha familia nas Baixas, cerca de onze leguas de Geremoabo. Um dia, a força do tenente Macedo appareceu por lá e, sabendo aque alli moravam os parentes de “Jurema”, queimou tudo. Até as roças de feijão! Eu era noiva de um irmão de Jurema, que estava no bando de Lampeão, e tinha o mesmo appellido. Vendo–o, a força prendeu–o. E já iam longe, quando o meu noivo, conseguindo intimidar os dois soldados que o escoltavam, fugiu. No caminho, convidou–me para fugir com elle. Aceitei. Dias depois, estávamos no meio do bando de Lampeão. Quis voltar. Não tive mais jeito. Ordem era ordem. Tinha que acompanhar obando. Assisti a innumeros combates, durante estes tres ultimos annos.
... E o peor tiroteio
O peor, porém, – continúa – foi o de Maranduba, onde morreram “Sabonete”, “Quina–Quina” e “Catingueira”. Foi um tiroteio que durou varias horas. Quase fiquei surda. Eramos seis mulheres e estavamos separadas do bando. Dois caibras ficavam de sentinella comnosco, sempre que havia um combate. Depois, com os córtes da rectaguarda, Lampeão abria caminho e assim podiamos fugir.
Lampeão luta como uma féra!
– E Lampeão vai tambem para a frente?
– Sim, senhor. Lampeão é uma féra. Não tem mêdo de nada. É o primeiro que atira e vai ba frente. Quando eu entrei no bando, Lampeão estava com duas marcas de bala. Uma, no pé, e outra no braço. Foi nessa occasião que “Gato” foi ferido tambem...
Falando sobre o “Capitão”...
– Queremos alguns informes sobre Lampeão...
– O Capitão é de estatura média, bem moreno e cabello castanho. Usa oculos amarellos, pois é cégo de um olho. Traja sempre uma roupa mescla, chapéo de couro e alpercatas. Carrega um mosquetão, uma “parabellum” e tres cartucheiras, além de varios bornaes cheios de bala. Atravessado na cintura, um grande punhal.
Não quer nada com a nossa Policia
Deixei elle agora do outro lado, com varios cáibras, pois a coisa está preta no nordéste.
– E onde é o outro lado?
– Lá, em Alagôas e Sergipe. As coisas lá não são como aqui. Vive–se mais tranquillo e mnos perseguido. Estávamos satisfeitos.
A verdade, ainda uma vez...
Effectivamente, a situação do nordéste é outra, hoje. O bandido não tem para onde se mexer. Difficilmente, desloca–se de um ponto para outro. A sua acção tornou–se quase nulla. Vive, agora, passando uma vida de miserias...
As novas directrizes traçadas pelo Cap. João Facó e executadas pelos seus auxiliares, na campanha contra o banditismo, lograram, felizmente, verdadeiro exito. Hoje, já se respira nas caatingas. Não ha mais aquelle pavor de outr’ora, quando pairava nas caatingas o espectro sinistro da morte.
Pescado no Açude do confrade Rubens
Que mais uma vez promove um belo trabalho de resgate de fatos e fotos históricas na web. Ao transcrever não deixe de citar que, foi o C.S.I. Rubens Antonio quem fuçou! Leia aqui o tutorial.
INACINHO
Morador do Rio, filho de cangaceiros do bando de Lampião lembra história marcante de reencontro com o pai e a mãe, em Minas
Inácio Carvalho Oliveira, hoje com 86 anos, passou mais de 40 dias no cangaço antes de ser deixado com um padre no interior de Pernambuco.
Por Elcio Braga — O Globo
Apesar de ser apenas um bebê quando viveu no bando de Virgolino Ferreira da Silva, o Lampião, o pernambucano Inácio Carvalho Oliveira, de 86 anos, carregou por grande parte da vida o peso de ser filho do cangaço. Para fugir de constrangimentos e das zombarias, deixou Tacaratu, pequena cidade no interior de Pernambuco, para viver no Rio de Janeiro, onde o passado entre os cangaceiros seria omitido. Curiosamente, aproveitou a oportunidade para se tornar um homem da lei. Fez carreira na Polícia Militar, onde foi reformado. Atualmente, entre todos que estiveram no bando de Lampião, apenas ele e a própria filha do rei do cangaço, Expedita Ferreira, de 92 anos, estão vivos.
Inácio é casado e mora com Maria Odete Moraes Carvalho, com quem teve um casal de filhos, em Vista Alegre, na Zona Norte do Rio. Lúcido e saudável, costuma passear pela cidade e manter uma rotina com boas caminhadas.
— Hoje, Inacinho e Expedita Ferreira, filha de Lampião e Maria Bonita, são as duas últimas pessoas que estiveram “dentro” do cangaço e com Lampião ainda em plena atividade, se assim podemos dizer. Embora Expedita tenha permanecido alguns dias com os pais, ela não nasceu no cangaço. Maria se ausentou para o parto. Ficou em um “coito” (esconderijo) até a criança nascer — explica Geraldo Antônio de Souza Júnior, pesquisador do cangaço e responsável pelo canal Cangaçologia, no YouTube.
Inácio Oliveira aos 67 anos, ao reencontrar os pais, Moreno e Durvinha, e os cinco irmãos em MinaS. Foto: Acervo pessoal
O último dos cangaceiros foi José Alves de Matos, o Vinte e Cinco, natural de Paripiranga (BA). Ele morreu aos 97 anos em 2014, em Maceió (AL). Lampião, Maria Bonita e mais nove integrantes do bando não resistiram ao ataque da volante (força de segurança) na Grota do Angico, em Sergipe, em 1938.
Lembranças turvas
O filho do cangaço não sabia quase nada sobre suas origens. Tudo o que conhecia até os 67 anos era que os pais, os cangaceiros Moreno e Durvinha, expoentes do bando de Lampião, o haviam deixado com o padre Frederico Araújo, pároco da pequena Tacaratu, no interior de Pernambuco. Uma carta acompanhava a criança: trazia o nome dos avós. Os pais alegaram que o bebê, ao chorar, vinha chamando a atenção das volantes que os perseguiam.
Depois da morte de Lampião, os pais tiveram de abandonar o cangaço às pressas. A perseguição aos cangaceiros remanescentes era intensa. Na fuga, Moreno e Durvinha cruzaram a pé por 60 dias o interior do Nordeste até Minas Gerais, onde passaram a residir escondidos. Durvinha ainda levou uma picada de cobra no caminho e quase morreu.
— Moreno, cujo nome verdadeiro era Antônio Ignácio da Silva, passou a se chamar José Antônio Souto, impossibilitando dessa forma ser descoberto pela Justiça e por antigos rivais. Durvalina adotou o nome de Jovina — conta Geraldo.
Em 2005, aos 67 anos, Inácio estava sem esperanças de ter notícia dos pais. Mas a curiosidade da irmã mais velha Neli “Lili” Maria da Conceição daria fim ao segredo. Pressionada, Durvinha contou a ela que deixara um filho com um padre em Tacaratu antes de se mudar para Minas. O menino nascera debaixo de uma quixabeira, árvore espinhosa típica da caatinga, possivelmente em território alagoano (embora tenha sido registrado em Pernambuco). Neli ligou para a pequena cidade e deixou o contato para o suposto irmão retornar. Inácio, que morava no Rio, ligou de volta:
— “Como é o nome da sua mãe?” Neli respondeu: “Jovina Maria da Conceição”. Aquilo foi um balde de água gelada, porque eu sabia que o nome da minha mãe era Durvalina — relata Inácio, lembrando a frustração.
Mesmo assim, o PM reformado resolveu esticar a conversa e pedir para falar com a tal Jovina. Ele se emociona ao recordar.
— A senhora tinha um apelido? Era chamada de Durvinha? A senhora era do arrasta-pé? — perguntou Inácio, citando detalhes que só a mãe biológica poderia saber.
— Como você sabe disso? — respondeu Durvinha, dando a entender que sabia do que se tratava.
— Puta que pariu! Achei minha mãe — concluiu Inácio, vibrando com a realização de um sonho que acalentou por toda a vida.
A ansiedade com a descoberta foi tão grande que Inácio viajou imediatamente do Rio para Belo Horizonte. Não queria perder tempo para encontrar a mãe, o pai e seus cinco irmãos que nem sequer sabiam da história do cangaço. Dois dias depois, ele chegou à casa da nova família, saudado com fogos e festa. Conforme combinado previamente, abraçou ao mesmo tempo o pai, a mãe e a irmã mais velha. Foi a melhor solução para o impasse: todos queriam abraçá-lo primeiro.
Diante do passado
Só a partir daí Inácio saberia detalhes da vida dos pais no bando do rei do cangaço.
— Meu pai foi chefe de grupo do bando. Era como um quartel. Tinha um comando geral que era do Lampião. E eles espalhavam a companhia para um lado e para o outro. Senão a polícia atacava e matava todo mundo — explica.
Moreno era reservado e pouco comentava sobre os tempos do cangaço.
— Meu pai precisava confiar muito na pessoa para falar alguma coisa. Ele contava as bravuras. Um dia, ele me disse: “Meu filho, tenho certeza que matei 22 pessoas. Só que foram mais. Só não contabilizei porque tão fui lá conferir” — relata.
Durvinha se destacou no período do cangaço. Inicialmente, foi casada com Virgínio Fortunato da Silva Neto, o Moderno, morto em ação. Logo depois, ela se relacionou com outro integrante do bando, com o qual viveria o resto da vida. É ela que aparece num filme do caixeiro viajante sírio-libanês Benjamin Abrahão Calil Botto. Ela abre um sorriso e aponta a arma para a câmera. O filme que retrata em 14 minutos Lampião e seu bando no Sertão, entre 1935 e 1936, chegou a ser proibido na ditadura do Estado Novo. No entanto, os rolos empoeirados da película foram redescobertos em arquivo público em 1955.
Visão tolerante
Apesar de ter conhecido a mãe com idade muito avançada, Inácio guarda boas recordações da curta relação em visitas regulares ao longo de três anos.
— A minha mãe era uma doçura. Me colocava no colo e ficava fazendo carinho na minha cabeça — recorda o PM reformado. Me sinto feliz. Conheci meu pai, minha mãe. Foram casados de fato e de direito — conta ele, que se abatia ao ler a expressão “pai desconhecido” em sua certidão de nascimento.
O reencontro com o filho possibilitou que os ex-cangaceiros voltassem a ter contato com os parentes deixados para trás, com a fuga da polícia e posterior troca de identidade. Após quase 70 anos, a família toda voltou a se reunir no Nordeste. Durvinha morreu aos 92 anos em 2008, e o marido, aos 100, em 2010.
Apesar de ter ficado ao lado da lei por ser PM, Inácio tem hoje uma visão mais tolerante sobre o cangaço.
— Várias pessoas já me perguntaram como classifico o cangaço. Se falarem que os cangaceiros são ladrões, é verdade: roubavam. Eles matavam e furtavam, mas com uma diferença. Eles roubavam o cabrito, o boi e outros animais para se alimentar e não para comprar drogas. O furto deles era para dar a quem tinha menos. Se o fazendeiro tinha muitas posses e era ruim, ele pedia dinheiro para dar aos mais pobres. Meu pai e minha mãe diziam que Lampião não era ruim. Era mau só quando faziam algo contra ele — comenta Inácio.
Para o pesquisador Geraldo Júnior, Lampião é um mito que merece muitas reflexões sobre a História do Sertão. Mesmo 86 anos após sua morte, o rei do cangaço é motivo de debate acalorado entre admiradores e críticos.
— Há os que definem os atos de Lampião como heroicos, possivelmente por desconhecer a sua verdadeira biografia, enquanto outros o enxergam apenas como um bandido frio, cruel e sanguinário. Herói ou bandido? Uma resposta que jamais será unânime, mas que continuará ecoando através do tempo e atraindo curiosos e estudiosos — opina.