Naquela época, Santa Mana era apenas um pequeno povoado pertencente ao
município de Taquaritinga, onde todas as segundas-feira era realizada uma
feirinha. O homem mais influente do lugar era o senhor José Braz, político, proprietário
de terras e criador de gado.. Naquele tempo o Governador do Estado era o
General Dantas Barreto. A pressão sobre os cangaceiros se intensificava, embora
o Capitão António Silvino reagisse, como sempre fizera com outros governos.
Considerava-se "Governador do Sertão" e não admitia comentários a
respeito de sua pessoa. Apesar de viver ocultamente dentro das caatingas, sabia
de tudo que se comentava ao seu respeito e do seu próprio grupo. Sabemos que o
Capitão António Silvino e o Coronel José Braz eram amigos, porém, foi o Coronel
obrigado a fornecer animais selados, redes, dormida e alimentação de primeira
para a tropa de soldados, comandada pelo Sargento João Nunes e o cabo António
Tetéu, que em perseguição aos cangaceiros haviam acampado em Santa Maria. Após
iniciada a desavença o senhor José Braz não demonstrou medo de António Silvino,
afirmando que se ele tivesse a audácia de vir a Santa Maria, não seria recebido
com banda de música e fogos, como foi numa cidade do Rio Grande do Norte, mas
seria sim, recebido à bala porque era o que merecia diante de sua prepotência e
de todo o mal que fizera no Nordeste. Não demorou muito tempo para o Capitão
António Silvino ficar sabendo das ideias e propósitos do senhor Braz a
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seu respeito. Mandou um portador saber se era verdade o que lhe disseram. A
resposta do proprietário e criador de gado foi afirmativa. Então, o mesmo
portador que levara a resposta voltou dizendo que a qualquer hora o Capitão
visitaria o povoado, para ter certeza da valentia do chefe do lugar. Nesse
povoado não havia soldados para manter a ordem e garantir a segurança dos
moradores. Havia apenas um subdelegado civil e um inspetor de quarteirão.
Depois que a notí. cia espalhou-se, o povo ficou bastante apreensivo, querendo
inclusive abandonar suas atividades. Porém o chefe (Zé Braz) tranquilizou a
todos dizendo que o senhor Pequeno, inspetor do povoado, era um homem muito
disposto e que de modo algum tinha medo dos cangaceiros. Além disso, haviam
contratado dez homens corajosos para defender o povoado. Diante das precauções
tomadas, não havia razão para ninguém retirarse. O senhor Pequeno não iria
permitir que bandidos desmoralizassem aquele povo. Os voluntários recebiam um
salário acima do normal, naquele tempo, e em virtude de ser uma missão perigosa
recebiam café, almoço e ceia. armas de fogo e munição para enfrentar os
foras-da-lei. A expectativa era grande nos primeiros dias, mas os cangaceiros
não deram sinal de vida durante meses. Ninguém dava notícia do Capitão. A feira
que quase acabara estava voltando ao seu ritmo normal. Além do senhor José
Braz, se destacavam ainda os senhores José Patrício e José Alvino de Queiroz,
sem falar no senhor Pequeno que dizia a todos com plena convicção, que os
cangaceiros não iriam cumprir o recado enviado pelo Capitão, garantindo ao
senhor Zé Braz que "dois bicudos não se beijam". O senhor José Braz
todavia, tinha suas dúvidas, e como chefe, repetia as mesmas instruções de
sempre para o inspetor, perguntando se os voluntários enfrentariam mesmo os
bandidos, correndo o risco de morrer lutando. O inspetor sempre respondia:
"Vá dormir descansado, que cangaceiro só entra aqui depois que eu estiver
morto com meus companheiros, o que é muito difícil". Entretanto, o senhor
José Braz não duvidava da audácia de António Silvino e esperava-o a todo
momento. Dizia sempre que António Silvino era audacioso e felino como um gato
selvagem, e que a qualquer instante apareceria. Ficava de prontidão em sua
residência. Seus colegas José Patrício e José Alvino, também aguardavam nas
suas casas.
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Quando a
maioria já pensava que o Capitão desistira de invadir o povoado, num dia de
segunda-feira, na hora em que a feira estava repleta de pessoas, surgiram por
trás do cemitério os cangaceiros, fazendo alguns disparos para o ar,
amedrontando os feirantes. O senhor Pequeno e seus homens romperam fogo contra
os invasores. O Capitão António Silvino revidou com tamanha violência e rapidez
que impressionou o inspetor, de maneira que o mesmo, tomado de medo, fugiu com
os seus companheiros voluntários, enquanto os outros, sem comando, abandonaram
o campo de luta. Os senhores Alvino e Patrício ocultaram-se diante do perigo,
haja vista que naquele momento o povoado estava entregue aos "fora-da-lei".
O senhor José Braz ficou sozinho, entrincheirado num prédio de primeiro andar
que era a sua residência, sustentando o tiroteio até a munição acabar.
DONA JOSEFA LUCENA HERÁCLIO RELATA ESSE FATO
Dona Santa Heráclio conta que esse acontecimento ocorreu no dia 12 de junho de
1912. António Silvino invadiu o povoado de Santa Maria, acompanhado de vinte e
quatro cangaceiros. Após dominar o lugar, ocupou o mercado público como se
fosse legalmente um oficial do governo. O irmão de Dona Santa, Miguel Braz
Pereira de Lucena, temendo ir pela rua, foi de telhado em telhado até conseguir
chegar no mercado para conversar com o Capitão, na esperança de que ele mudasse
de ideia e não matasse seu pai. Os cangaceiros ficaram admirados com a audácia
do Dr. Miguel (era advogado), especialmente pela eloquência e maneira de falar
com o Capitão, dizendo-se amigo e na certeza que pouparia, a vida do seu
genitor. Soltando gracejos, os cangaceiros disseram que teria sido ótimo caso o
tivessem visto andando por cima das casas, pois certamente receberia uma bala
muito certeira. António Silvino ordenou que seus cabras terminassem as
brincadeiras e disse para o Dr. Miguel: - "Foi até bom você vir se
entregar, porque ficou mais fácil de sangrar seu pai. Você ficará aqui enquanto
eu vou matar seu velho". Ordenou aos companheiros não fazerem nada com o
advogado e nem deixá-lo fugir, o que os cabras cumpriram à risca, e foi com
outros capangas matar o Coronel José Braz que se encontrava com a família, no
primeiro andar de sua residência. O Capitão, aos gritos, perguntava se José
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Braz preferia
morrer em cima, no sobrado, ou na calçada da rua. Nesse momento, José Braz
desceu a escadaria acompanhado de sua filha Santa, dizendo: "Você só
chegou à minha porta, porque as balas acabaram e já não tenho com que me
defender". Os cangaceiros fizeram um círculo, dentro do qual ficaram
António Silvino, o Coronel José Braz, Jararaca e Santa. O Capitão iniciou,
dizendo: "José Braz, você sabia que não podia comigo e por que ficou
contra mim? Agora vai morrer sangrado como um porco". Com um punhal
chamado "bico de lavandeira" na mão, colocava a ponta do mesmo na
garganta do Coronel. Santa, que de tudo participava, tomou posição entre o
cangaceiro e seu pai, sustentando a lâmina da arma, e pediu: "Mate-me, mas
deixe meu pai vivo, eu lhe suplico" O Capitão retirou o punhal, no entanto
continuou torturando-o com sua arma, que encostava ora no peito, ora na barriga
do seu inimigo, ouvindo as súplicas da moça. Já estavam sem condições de
suportar tanto sofrimento e humilhação, quando António Silvino afastou-se um
pouco e o cangaceiro Jararaca aproximou-se de Santa, dizendo baixinho no seu
ouvido: — "Não tenha medo, moça. Seu pai não vai morrer. Quando ele quer
mesmo matar, não judia".
MOMENTO DE CORAGEM DA MENINA SANTA
Atualmente, ao relatar esse fato, D. Santa diz que as palavras de Jararaca,
naquele momento, foram mesmo que uma injeção energética, tornando-a mais
tranquila e ao mesmo tempo afoita, chegando a dizer ao Capitão: —"Você só
mata Papai, porque o meu noivo não está aqui". Ele observando-a, sem
maltratar o Coronel, perguntou: —"Quem é seu noivo, menina?". Ela
respondeu: - "É Jerônimo Heráclio". O Capitão, muito sério, guardou a
arma e disse para José Braz: "Você não vai morrer agora; agradeça à sua
filha, que me impressionou com tanta coragem. E além disso, não quero encrencas
com os Heráclios, Agora, tem uma coisa: mande para mim dois contos de réis,
pelo Coronel António Farias". Naquele tempo, dois contos de réis era muito
dinheiro, mas o Coronel foi obrigado a cumprir a palavra. O senhor Jerônimo
Heráclio foi de opinião que o seu futuro sogro mandasse o dinheiro
imediatamente, servindo ele mesmo de portador para entregar a importância ao
Coronel
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António Farias
(pai do senhor Severino Farias e avô do Dr António de Arruda Farias,
ex-Prefeito do Recife)
O Coronel António Farias era amigo do Capitão, e párente do senhor José Braz,
que forçado pelas circunstâncias, continuou amigo do Capitão, que recebeu o
dinheiro, dizendo: "Só perdi a amizade de José Braz por causa daqueles
macacos safados", referindo-se ao Sargento João Nunes e ao Cabo António
Tetéu. Por ter dado pousada aos soldados, o Capitão achou que o Coronel havia
se tornado inimigo seu, daí os recados desaforados e os preparativos que
culminaram com o encontro e invasão do povoado por vinte e quatro cangaceiros,
juntamente com seu chefe, quando incendiaram quase todas as casas comerciais,
após retirar e fazer entrega ao povo de tecidos, géneros alimentícios e tudo
que encontraram. Somente o dinheiro em cédulas António Silvino guardava.
Níquel, prata e cobre eram distribuídos com os curiosos que já haviam invadido
o lugar a chamado do "bandido-chefe". Foi verdadeiramente um dia de
juízo para os moradores do povoado. Os amigos do Coronel José Braz, que tanto o
incentivaram, sem falar no senhor Pequeno, se omitiram de aparecer na hora
difícil. Eram eles José Patrício e José Alvino de Queiroz que, tempos depois,
demonstraram tanta audácia sob o comando do alferes Teófanes Ferraz Torres. O
senhor Pequeno, ex-inspetor, com vergonha de apresentar-se ao chefe político (o
único a enfrentar os cangaceiros) , demorou muito tempo a aparecer, e quando
voltou não era mais o valentão de antes. O senhor José Braz (que também ocupava
o posto de sub-delegado) demitiu-o.
DONA SANTA NÃO ESQUECEU A BOA AÇÃO DO CANGACEIRO JARARACA
Após afastar-se da senhorita Santa e do Coronel, Antonio Silvino foi para o
mercado público onde o Dr. Miguel Braz Pereira de Lucena se encontrava sob a
guarda incómoda de vários cangaceiros. Ao chegar, chamou seus companheiros para
irem embora, dizendo ainda: "Não matei José Braz, nem vou matar o Dr.
Miguel". Enquanto o Dr. Miguel esteve com os cangaceiros aguardando o
desfecho daquele triste dia, não demonstrou muito medo, mas o contrário,
conversando com eloquência, impressionando aos bandoleiros.
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O Capitão
disse ao Dr. Miguel: "O seu pai sabia que não podia comigo". Após
esse encontro, retirou-se com seu grupo, deixando os habitantes do povoado
sofrendo os prejuízos material e moral por muito tempo. Santa ficou muito grata
ao cangaceiro Jararaca e ainda hoje tem gravado na mente o perfil do mesmo:
homem preto, de estatura elevada, timbre de voz bonito e olhos verdes. Apesar
de sua cor preta não era feio, e pareceu-lhe até bonito naquela hora tão
amargurada. Ainda hoje ela comenta: "agradeço e ainda ouço aquelas
palavras de esperança, pronuncia, das por um bandido num momento tão difícil.
Diariamente, faço preces a Deus por sua alma". Era um verdadeiro inferno
na época de António Silvino, naquelas regiões. Naqueles dias ela contava com
apenas 16 anos de idade. No ano seguinte, em 1913, com 17 anos casou-se com o
senhor Jerônimo Heráclio do Rego, homem azogado, muito trabalhador e honesto.
Infelizmente por motivo de internet perdi a fonte.
http://blogdomendesemendes.blogspot.com