Por Rafael Duarte Fotos: Divulgação
O jornalista
Millôr Fernandes cravou uma frase durante a ditadura militar que alguns anos
depois viraria verso numa canção do Cazuza: “os fãs de hoje são os linchadores
de amanhã”. A frase resume a atuação da Polícia Militar do Rio Grande do Norte,
por determinação do governador Robinson Faria, na desocupação do prédio da
secretaria de Estado do Planejamento e das Finanças, no início da noite desta
sexta-feira (24), por aproximadamente 60 professores e servidores da saúde.
Embora as duas categorias tenham pautas distintas, há um ponto que unifica a
luta. Os trabalhadores reivindicam receber os salários em dia. Há 22 meses os
servidores estaduais não sabem o dia em que o pagamento pelo mês trabalhado
cairá na conta.
Há duas
semanas, a PM estava na iminência de aderir à greve com as demais categorias do
Estado que estão há quase dois meses sem receber salários. No entanto, o
Governo mudou a estratégia e anunciou que honraria os pagamentos dos policiais
antes dos demais servidores. Foi a senha para a PM recuar da paralisação e a
pretexto de cumprir uma ordem da Justiça partir para cima dos trabalhadores.
Com bombas de
efeito moral, gás lacrimogênio e spray de pimenta, a tropa de choque da Polícia
Militar cumpriu decisão judicial expedida pelo juiz Bruno Lacerda a pedido do
governador Robinson Faria e reprimiu os trabalhadores que ocupavam o prédio da
Seplan desde segunda-feira como ápice de uma greve que já dura 11 dias. Não
houve confronto físico nem feridos, mas a atuação da PM foi classificada de
“covarde” pelos servidores que esperavam receber apoio dos policiais ao invés
de bombas.
Várias
categorias de servidores, que também estão sem receber salários, levaram apoio
aos grevistas. A vereadora Natália Bonavides (PT) e o deputado estadual
Fernando Mineiro (PT) tentaram sem sucesso intermediar as negociações entre
Governo e servidores. Os dois estavam dentro da Seplan quando a PM iniciou a
desocupação lançando bombas de gás lacrimogênio para dentro da secretaria.
Precavidos, alguns manifestantes seguravam panos úmidos para amenizar os
efeitos do gás.
Repressão
Os momentos
que antecederam a entrada da PM na Seplan foram de tensão. Os policiais
entraram por duas entradas: uma interna, por onde os secretários de Estado de
Planejamento e da Controladoria tem acesso, e pela frente do prédio. Houve uma
última tentativa de negociação por 20 minutos, mas a maioria dos servidores
desejava permanecer no local. Assim que as negociações foram encerradas, uma
equipe da PM passou a lançar bombas de gás para dentro do prédio e ameaçar os
servidores. Com a repressão, em pouco tempo o prédio foi desocupado.
A coordenadora
geral do Sindicato dos Trabalhadores da Saúde (Sindsaúde) Simone Dutra lembrou
inclusive que os policiais militares estão no Fórum Estadual de Servidores, que
debate uma pauta unificada com as demais categorias do Estado.
– É muito
difícil estarmos juntos com policiais em alguns momentos, como no Fórum
Estadual dos Servidores, e em outros sermos tratados dessa forma. Os policiais
foram priorizados pelo Governo e parece que a única coisa que vão pagar é a
segurança pública.
Professora do
Departamento de Comunicação Social da UERN, Ana Lúcia Gomes contou que nunca
havia passado por situação semelhante.
– A violência
que a PM promoveu foi covarde. A gente não esperava isso de uma categoria que
há 15 dias estava ao nosso lado. Eu sei que eles estavam cumprindo ordens, só
que a ordem veio de Robinson Faria, de cima para baixo. Sabemos quem deu a
ordem e estamos aqui para denunciar. Jamais iremos nos calar.
Oito anos
depois de passar no concurso da UERN, a professora de história Andrezza
Oliveira também não esperava enfrentar a PM para poder receber o salário em
dia. Ela questiona o papel da Justiça no processo de desocupação, especialmente
pelo acúmulo de privilégios num momento em que os servidores do Executivo estão
com os salários atrasados.
– Nunca
imaginei que para defender meu salário tivesse que levar bomba de gás da
polícia, enfrentar a truculência policial. Mas isso também enche nossos
corações de resistência. Se o Estado esta contra nós, significa que a classe
trabalhadora segue no caminho certo. Nossa luta é para receber o salário pelo
que já trabalhamos. E não pagá-lo é nos negar um direito básico, o direito à
alimentação. Onde está a Justiça ? Na reintegração de posse de um prédio
público ocupado pelo povo para receber o salário em dia?
A vereadora
Natália Bonavides (PT) acompanhou os momentos de tensão antes da entrada da PM
e destacou o fato de trabalhadores da educação e da saúde, duas áreas que o
Governo diz que são prioridade, se submeterem à violência policial.
– O
aparato do Estado se movimenta para a retirada de direitos, para a manutenção
do atraso de salários e, agora, para a violência contra trabalhadores que lutam
por salários. A atitude do Governo do Estado, de sequer receber as categorias
para dialogar, foi de grande autoritarismo e truculência. Não há como deixar de
mencionar, ainda, a cômoda posição do Poder Judiciário, cujos membros, do alto
do conforto de quem recebe auxílio moradia, ordenam a retirada violenta
daqueles trabalhadores, sem que sequer os responsáveis pela decisão estejam lá
para acompanhar o cumprimento.
Sem diálogo
O deputado
estadual Fernando Mineiro (PT) passou o dia tentando intermediar um diálogo
entre Governo e servidores. Segundo ele, não houve da parte do Estado qualquer
tentativa para evitar a repressão policial.
– É surreal os
servidores lutarem para o cumprimento da lei que garante o plano de cargos
deles e, ao mesmo tempo, o Governo entrar na Justiça e conseguir uma liminar
para desocupar um prédio público. Isso é o retrato extremo da falta de diálogo.
A greve dos professores da UERN e dos servidores da saúde não é um problema
judicial e muito menos policial. Os trabalhadores só queriam que o Governo
anunciasse uma data para recebê-los, isso foi presenciado pela OAB. Se o Governo
tivesse dito isso, os servidores desocupavam. Mas esse Governo não dialoga.
Questionado se
a crise econômica é razão suficiente para que o Governo siga atrasando os
salários dos servidores, Mineiro cita três questões que poderiam ser
enfrentadas pelo Estado, mas não são.
– Para mim há
três questões para enfrentar: o combate à sonegação, a destinação dos recursos
aos demais Poderes, que proporcionalmente é a maior do país, e a política de
isenção fiscal do governo. Nos últimos quatro anos, o Governo destinou R$ 2
bilhões de isenção fiscal. Será que isso é necessário ? Gera emprego e renda
para quantas pessoas? Atinge o pequeno e médio empresário ou as isenções são
apenas para as grandes empresas ? São três questões importantes, que vêm de
outros governos, mas o governo Robinson não toma nenhuma providência sobre
isso.
http://www.saibamais.jor.br/2017/11/24/robinson-aciona-justica-e-pm-ataca-professores-com-bomba-e-gas/
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