Por
Valdir José Nogueira
Antônio Quelé
Em 5 de julho
de 1905, Antônio Clementino de Carvalho (Antônio Quelé), vindo de sua fazenda
Santo André, chegou a Vila de Belmonte acompanhado de dois homens de sua
confiança Vitorino e Juriti. Dirigia-se às feiras de gado de Pesqueira e
Vitória de Santo Antâo, onde esperava receber a importância de umas boiadas
vendidas a prazo. Como era natural naquele tempo, viajando dias e dias a
cavalo, conduzindo dinheiro, não podia se deixar de andar acompanhado. E como
os homens de confiança de Quelé estivessem armados, dele se aproximam Cassiano
Pereira (Ciba) e seu irmão Cincinato, exigindo-lhes que entregassem as armas.
Desobedecendo a intimação, Vitorino e Juriti foram recuando. Perseguidos pelos
dois Pereiras, entram na casa do coronel Moraes (José de Carvalho e Sá Moraes),
primo de Quelé e chefe político local, a quem solicitaram providências contra o
vexame que sofriam. Nisso, o coronel José Pereira de Aguiar, primo de Cassiano
e Cincinato Pereira, intervém na contenda e se entende com o coronel Moraes,
providenciando a retirada dos homens de Quelé, ponderando aos primos que não
deviam desarmá-los, pois iam de viagem garantindo o patrão.
Seguiu Quelé,
e de volta em Vila Bela, estando a conversar com alguém na feira, dele
aproximou-se Isidoro Aguiar, membro da família Pereira, que o interpelou sobre
o atrito ocorrido entre ele (Quelé) e seus primos, em Belmonte. Quelé passou a
historiar o que havia ocorrido. Como a conversa era em altas vozes, em virtude
do sussurro natural dos feirantes, entendeu Antônio Pereira Baião, que por
perto passava, tratar-se de uma alteração acalorada entre eles. Receoso de
que houvesse um atrito mais sério, foi comunicar o que presenciara a seu primo
Manuel Pereira Maranhão, conhecido por Né do Baixio, delegado de Polícia até
então. É que, embora constasse haver sido exonerado, não havia confirmação do
fato.
Né do Baixio,
homem valente, dirigiu-se imediatamente ao local da suposta discussão e, sem
dizer água vai, segurou Quelé pelas costas, bradando-lhe enérgico: “Não se mexa
que o duro aqui sou eu mesmo.” Nisso, Vitorino atraca-se com Manuel Pereira, o
qual, largando Quelé, saca um punhal e investe contra Vitorino. Ao ver que seu
“cabra” podia ser morto, Quelé faz uso de sua arma, uma mauser, e alveja Né do
Baixio, ferindo-lhe no dorso. Chamando seus “cabras”, Vitorino e Juriti,
dirige-se para a residência do monsenhor Afonso Pequeno, vigário das freguesias
de Vila Bela e Belmonte, a quem narra o que acontecera.
Monsenhor
Afonso Pequeno
Vários membros
da família Pereira cercam a residência do monsenhor, tentando prender e
trucidar Quelé, mas o padre, postando-se à porta, pediu-lhes que se acalmassem,
garantindo que Quelé se entregaria à Justiça. Ainda houve tiros, um dos quais
atingiu o quadro do Papa Leão XIII, na sala de visitas, mas tudo terminou com o
recolhimento de Quelé e seus cabras à cadeia local.
Quelé e seus
companheiros por interferência do major Ernesto Lopes de Carvalho, que não
confiou deixar o primo exposto à sanha da família Pereira na cidade de Vila
Bela, foram remetidos para a cadeia de Flores. Três vezes foi este submetido a
julgamento. Só na terceira vez é que foi absorvido e posto em liberdade,
juntamente com seus dois cabras.
Quando foi
condenado pela primeira vez, o monsenhor Afonso Pequeno, indignado com a
sentença, encaminhou ao juiz da Comarca de Flores a seguinte correspondência
(Registrada no Livro de Notas nº 2, do Cartório do 2º Ofício da Comarca de
Belmonte):
“Vila Bela,
vinte de outubro de mil novecentos e cinco.
Senhor
Salustiano
Meus
cumprimentos
Só agora tenho
vagas para responder a tua carta em que me pedias que te recusasse. Não fiz o
teu pedido porque não adivinhara que o major Francisco Vieira juraria
suspeição, pois eu ainda podia recusar um. Podia ter te recusado em lugar do
coronel Marçal, mas confiava na tua palavra e não te tinha na conta de traidor.
Não precisei de ti e espero em Deus não precisar nunca. Quando porém,
precisares de mim estou à tua ordem. O perjuro que absolve a Antônio Leite e
outros a mando do chefe não podia absolver Antônio Quelé que usou de legítima
defesa? Tu foste coerente. Eu era que estava iludido pensando que tinhas
consciência. Pilatos condenou a Nosso Senhor Jesus Cristo depois de confessar
que Ele era justo e ter declarado que as testemunhas nada dispunham contra o
Divino réu. Tu condenastes a Antônio Quelé depois de ter dito a meio mundo que
Antônio Quelé procedera como homem, e depois de ter ouvido as testemunhas que
nada dispuseram contra ele. Pilatos condenou com medo do povo e de César. Tu
com medo de meia dúzia de cangaceiros e com medo de Antônio Pereira. Pilatos
caiu depois no desprezo do povo. O povo também te despreza porque foste covarde
e traidor. Pilatos foi por César deposto da Presidência Judia. Antônio Pereira
também te dará um dia a paga que mereces. Nosso Senhor Jesus Cristo perdoou a
Pilatos; eu de minha parte te perdou, e como sinal de perdão, venho te
aconselhar que chores o teu pecado de perjúrio, para não teres a sorte de
Pilatos que está no inferno, como todos os juízes covardes. Que necessidade
tinhas tu de te mentires Salustiano? Dissestes que foi para vingar-te daquele
sermão em que para bem de tua alma e exemplo de todos, censurei uma tua
miséria. Vingaste-te condenando cada vez mais a tua alma. Não te vingastes e se
queres vingar-te, arrepende-te e salva-te, porque assim te vingas do inimigo de
tua alma. De mim, quiseste vingar-te de mim que só te desejo o bem? Amigo é
tempo. Eu perdoo a tua traição, o teu perjúrio. Fazes com que Deus te perdoe
também. Se quiseres, recebe o abraço que te envio como amigo que sou. De teu
amigo afetuoso.
Monsenhor
Afonso Antero Pequeno.”
Antônio
Clementino de Carvalho (Antônio Quelé), era filho de Clementino Alves de
Carvalho e Sá (da fazenda São José) e de Gertrudes Maria de Carvalho (da
fazenda Santa Cruz). Ficou conhecido por sua extrema valentia ao longo do
confronto entre Carvalho e Pereira. Diziam que, sugestionado talvez pelos
contos dos folhetos de cordel, possuía o dom da magia, podendo se encantar,
desaparecer e reaparecer quando bem quisesse. Foi casado com Marota (filha de
David Bernardino de Carvalho e Sá) e não deixou descendentes. Conta-se que
quando estava no leito de morte, ao receber a extrema-unção, o padre lhe
mostrou a imagem de Cristo, porém, Quelé afirmou que não conseguia vê-lo, em
virtude de ter realizado crimes.
Valdir José
Nogueira, pesquisador e escritor
Presidente da
Comissão Local
Cariri Cangaço
São José de Belmonte
e vem ai...
https://cariricangaco.blogspot.com/2018/08/condenacao-e-absolvicao-de-antonio.html
http://blogdomendesemendes.blogspot.com