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quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

Respeito à história: Restauração da verdade a cerca de Lampião e Maria Bonita

 Por: Voldi Ribeiro

Tomei conhecimento, por vários veículos da proibição, em pedido liminar, de publicação e a comercialização do livro "Lampião - o Mata Sete" de autoria do advogado e juiz aposentado Pedro de Moraes. Decisão do juiz Aldo Albuquerque, da 7ª Vara Cível de Aracaju (SE), na Ação movida por Expedita Ferreira Nunes, filha de Lampião e Maria Bonita. A Ação é preventiva e foi tomada pela família, a quem vou louvar a iniciativa, com um foco muito adequado: não se trata da CENSURA (capítulo negro da história brasileira) - se trata mesmo da reparação moral da intimidade da família - como bem arguída e acatada judicialmente. Acredito que quando se tem a liberdade de expressão garantida há também a possibilidade de ser dirimida qualquer contenda de interesses no nível jurídico e foi o que ocorreu.

No meu modo de ver o tal ex-juiz e advogado Pedro de Moraes - pisou na bola - destratou a história e as pessoas - indicando inclusive que a Expedita não é filha de Lampião - as evidências afirmativas da paternidade já de muito tempo foram provadas - a imprensa da época foi testemunha - o irmão de Lampião de nome João Ferreira a criou e não há dúvidas pelos diversos depoimentos de cangaceiros sobreviventes da Saga do Cangaço.
Somente quem, de fato, tem conhecimento apurado acerca do comportamento moral das mulheres que participaram dos grupos de cangaceiros é que poderia ou poderá ainda tratar a questão da fidelidade e da infidelidade no Cangaço. Das quase 80 (oitenta) mulheres, mais ou menos, relacionadas na pesquisa que desenvolvo há mais de 08 anos, apenas Lydia de Zé Baiano, Cristina de Português, Lili de Moita Brava, foram mortas pelos seus companheiros por terem praticado ADULTÉRIO.

Prática social de restauração da HONRA considerada na época como legítima " apoiada, defendida, praticada e cobrada pela ampla maioria dos homens e mulheres rurais " herança da estrutura PATRIARCAL da família brasileira advinda de Portugal, mantida por quase 05 séculos. Já entre os índios brasileiros a infidelidade inexistia ou era tratada de outras maneiras. Há quem afirme ainda está em "voga" este formato de família patriarcal no Brasil. Em baixa é verdade. Ainda hoje ocupam páginas policiais de jornais importantes os chamados crimes passionais.

Há ainda o caso de Maria Jovina de Pancada (Lino de Zezé) que, embora também tenha praticado ADULTÉRIO, não foi morta pelo seu companheiro " foi deixada com a família em Santana do Ipanema pelo cangaceiro Moreno que era amigo da família (depoimento ao autor), e após a morte de Lampião (ocorrida em 28/07/1938), e após as chamadas "ENTREGAS" (ato de se entregar), o cangaceiro Pancada aparece em foto com seu grupo tendo Maria Jovina ao seu lado " se deduz que houve o perdão " caso exótico e diferente para os costumes da época.
Maria de Pancada, ao centro, por ocasião das entregas
O último caso de ADULTÉRIO envolvendo mulher cangaceira " foi o de Dulce do cangaceiro Criança " ocorrido após as "ENTREGAS", quando em companhia de Zé Sereno e Sila " já estavam a caminho de São Paulo capital. Bem retratado pelo pesquisador Antônio Amaury Corrêa de Araújo. Outro caso exótico " Criança apenas carregou os filhos e deixou Dulce já grávida do seu amásio (no caso era ex-policial e proprietário da fazenda onde se encontravam Sila e Dulce). Esperavam seus companheiros que haviam ido antes para criarem as condições de se estabelecerem.

Então no universo de 80 mulheres cangaceiras, mais ou menos, comprovadamente apenas 03 praticaram ADULTÉRIO, durante o período que antecedeu a morte de Lampião (julho de 1938) e todas foram mortas pelos seus companheiros, ou seja, 3,75% em estatística rasteira. Se acrescentarmos os 02 casos pós "ENTREGAS" ainda assim ficamos apenas na casa dos magros e raquíticos 6,25% - inexpressivos e confirmadores da regra social mantenedora da FIDELIDADE FEMININA nas uniões estáveis do mundo do Cangaço.

Outra coisa é querer, sem propriedade nenhuma de conhecimento, atribuir o comportamento ADÚLTERO à Maria Bonita. Da história da presença das mulheres nos grupos de cangaço, se deduz com muita clareza que os costumes rígidos do Sertão nordestino, quanto a Moral, o Respeito e o Recato exigido ao sexo feminino " foram ainda mais reforçados. Diferentemente das falsas notícias de jornais da época que atribuíam comportamentos promíscuos às mulheres cangaceiras. Isso também é, relativamente, dedutível " havia a necessidade de manter forte coesão e respeito à hierarquia dentro dos grupos de cangaço " o comportamento promíscuo, caso tivesse existido, resultaria em conflitos de honra que no Sertão sempre foram resolvidos por meio aniquilamento físico (morte) do transgressor (a).

A fidelidade e o amor de Maria Bonita por Lampião é flagrante nas cenas registradas em 1936, do filme feito por Benjamin Abraão Botto e, sobretudo, por depoimentos de cangaceiros e cangaceiras e soldados volantes que conviveram com a Rainha do Cangaço. Isso é assunto inquestionável na convivência marital entre os dois por quase 09 anos.

Quanto ao "triângulo amoroso" entre Lampião, Maria Bonita e Luis Pedro " essa é outra falácia que não se sustenta na história do Cangaço. Senão vejamos: Luis Pedro tinha sua companheira chamada Neném, morta em combate e vandalizada sexualmente pelos seus algozes " além do sentimento de perda por não ter conseguido proteger sua mulher da morte em combate, este foi também um dos motivos pelo qual Luis Pedro não mais se deixou acompanhar permanentemente por outra mulher.

Se verdade fosse o "triângulo amoroso" na esfera do alto comando do Cangaço, então como poderia ser abaixo do mesmo? Na visão distorcida do ex-juiz Pedro de Moraes " seria então um ambiente completamente promíscuo. NÃO O ERA. Pelo contrário: era de extremo respeito entre cangaceiros e cangaceiras. Isto está revelado nos anais da história por várias pessoas que conviveram dentro e fora dos grupos de cangaço.

Então a restauração do respeito e da verdade pode e deve prevalecer sobre a mentira, já que temos a liberdade de expressão garantida em Lei. Quando alguém intencionalmente ou não, denigre moralmente pessoas e fatos históricos distorcendo verdades já verificadas, a esfera judicial é a GUARDIÃ para todos os efeitos e julga limitando o autor ou mesmo o punido. Essa novela apenas está iniciando. Pena que o público veja tudo isso apenas como um fato JOCOSO - isso sim é homofobia ou heterofobia.
Tânia Alves a bonita Maria da televisã
A LIBERDADE DE OPÇÃO E PRÁTICA SEXUAL DEVE SER SEMPRE DEFENDIDA - isso é uma coisa - A OUTRA É SE TER OPÇÃO HOMOSSEXUAL E QUERER FORÇAR A BARRA AFIRMANDO QUE PERSONAGENS DA NOSSA HISTÓRIA TIVERAM A MESMA OPÇÃO.
Aliás, pergunta-se, quem é mesmo o tal ex-juiz e advogado Pedro de Moraes? Nunca vi ou li do mesmo, algum livro publicado sobre o Cangaço que atestasse seu conhecimento acerca da temática. Muita gente que leu alguns livros se diz especialista. Poucos são aqueles que tratam o assunto com a seriedade que o mesmo requer.

Outra falsa abordagem é opor os adjetivos "BANDIDO ou HERÓI" para qualquer personagem real do cangaço " tenha sido cangaceiro ou volante policial - essa falsa oposição cega a análise isenta e leva o pesquisador a distorcer a realidade para enquadrá-la neste esquema. Houve uma época, um contexto cultural, jurídico-político, social e econômico que propiciou o aparecimento do Cangaço, bem como do Messianismo - como foram os casos do CALDEIRÃO, PAU de COLHER e CANUDOS.

Para este último a recém fundada República propagou para a NAÇÃO que era um aglomerado de fanáticos em torno da liderança de um LOUCO. Denegrindo Antônio Vicente Mendes Maciel, o Conselheiro. Essa ideologia impregnou o povo das capitais. E a guerra de 1894 a 1897 exterminou algo em torno de 35 mil vidas humanas de sertanejos pobres - que desejaram viver por conta própria " até hoje uma VERGONHA.

Voltemos ao tal ex-juiz e advogado Pedro de Moraes: contemporizar é algo que devemos fazer quando a intenção tem razões nobres e válidas. Não é o caso do citado senhor.

Não tenho dúvida que logo-logo o tal ex-juiz venha a estar em algum programa de televisão para, em cadeia nacional, apoiar mais e mais a visão degenerescente das nossas tradições nordestinas e sertanejas. Obras e Novelas tem sido levadas ao público e, em nome de uma palavrinha mágica, "FICÇÃO", roteiristas e diretores tem adotado quase sempre o tom jocoso e depreciativo - como se o povo do SERTÃO nordestino fosse somente essa coisa que casa risos e diverte a Nação.

Penso que o SERTÃO do nosso Nordeste seja a única área verdadeiramente definidora de um caráter BRASILEIRO - há várias razões para se propor tal afirmação. Ainda estamos por aprofundar a nossa "chamada identidade nacional" a antropologia cultural brasileira ainda é devedora disso.

Vejamos: onde ocorreram mais conflitos e por longos períodos na formação brasileira? O que mesmo significaram tais conflitos na nossa formação moral e ética? Antes do Cangaço, envolveram: índios (levantes de Tapuias - vários), negros (os quilombos como foi o de Palmares e suas muitas ramificações pelo Sertão - há evidências históricas comprovadas) e, as chamadas revoltas sociais - ex. o Quebra-Quilos dentre outras.

Eis a pobreza com qual nos deparamos na história brasileira - o fato de termos a mais rica cesta de expressões culturais e artísticas (música, pintura, dança, artes do couro, do metal, do barro e da madeira, rituais, crenças religiosas, a literatura cordel acessível ao povo simples e a literatura erudita, etc., e nelas se encontrar o lado divertido e inteligente de zombar com a própria desgraça é que, decerto, pode ter influenciado este desprezo NACIONAL.
Finalizo meu comentário crítico com uma breve observação quanto ao debate: enquanto há aqueles que inventam ABSURDOS no afã do sucesso fácil e outros que apenas riem e fazem pouco caso do assunto ou até o desmerecem " atitude infantil e leviana, felizmente também há aqueles que por sensatez conseguem ver o lado importante da nossa história e não costumam empurrar a poeira para debaixo do tapete tentando escondê-la, ao contrário buscam a VERDADE e seu desvendamento como forma de provar o que somos hoje como POVO.

Voldi Ribeiro - Sociólogo e Pesquisador de Paulo Afonso-BA -
Fonte: 
http://www.folhasertaneja.com.br
Cariri Cangaço

"CHAPÉU ESTRELADO"

 Autor Rostand Medeiros


NOVO DOCUMENTÁRIO SOBRE O ATAQUE DE LAMPIÃO E SEU BANDO DE CANGACEIROS AO RIO GRANDE DO NORTE ESTÁ EM FASE DE FINALIZAÇÃO NO RIO DE JANEIRO 


Trago a todos os amigos, leitores do nosso blog TOK DE HISTÓRIA e, principalmente, a todos aqueles que tornaram possível a realização deste maravilhoso sonho, a notícia que o em longa-metragem CHAPÉU ESTRELADO está em fase de finalização no Rio de Janeiro.


Filmado em abril de 2015 no sertão do Rio Grande do Norte, Paraíba e Ceará, o CHAPÉU ESTRELADO seguiu a mesma rota percorrida por Lampião e seu bando em junho de 1927, quando este buscou atacar a cidade de Mossoró.


Sílvio Coutinho, o diretor deste documentário, captou uma maravilhosa sucessão de imagens dos locais históricos, dos depoimentos das pessoas que guardam a memória daqueles dias intensos e apresenta o quanto esta história é importante para aqueles que vivem ao logo do caminho percorrido pelos cangaceiros.


A finalização do CHAPÉU ESTRELADO está sendo realizada com extremo esmero, visando aproveitar ao máximo a alta definição proporcionada pelo sistema de filmagem 4K. O documentário é uma produção da Locomotiva Cinema de Arte, do Rio de Janeiro.


O Diretor Silvio Coutinho está na expectativa que o documentário CHAPÉU ESTRELADO seja exibido em um circuito de festivais internacionais e nacionais de cinema e está sendo agendada uma pré-estreia em Natal, para acontecer no primeiro semestre de 2017. Vale ressaltar que em 2017 serão comemorados os 90 anos da invasão de Lampião e seu bando de cangaceiros ao Rio Grande do Norte e o famoso ataque a Mossoró.


CHAPÉU ESTRELADO é quase um “Road Movie” com muita poesia, muita ação, bem moderno, dinâmico e com muitas imagens dos locais e dos caminhos reais percorridos pelos cangaceiros de Lampião em 1927.

O filme contou também com um esclarecedor depoimento do historiador Sérgio Dantas, autor de quatro importantes livros sobre o Cangaço, um deles intitulado LAMPIÃO E O RIO GRANDE DO NORTE – A HISTÓRIA DA GRANDE JORNADA, que aborda o tema com grande profundidade e riqueza de detalhes.


Além do diretor Silvio Coutinho a equipe de produção do documentário CHAPÉU ESTRELADO contou com Valério Andrade na produção executiva, Iaperi Araújo como roteirista e Rostand Medeiros na pesquisa.

Silvio Coutinho – Diretor 
Valério Andrade – Produção Executiva 
Iaperi Araújo – Roteiro 
Rostand Medeiros – Pesquisa

O documentário CHAPÉU ESTRELADO também conta com o excelente trabalho do compositor carioca Mário Vivas na criação da trilha sonora original. Durante o Festival das Rádios MEC e Nacional Rio 450, Mário Vivas foi vencedor na categoria de melhor canção com a música intitulada “Quero Ver Amar Assim em Madureira”, cujo vídeo clip teve a direção de Silvio Coutinho.


CHAPÉU ESTRELADO trás para as telas uma memória que se mantém forte nos sertões.


– Veja mais o que foi publicado no TOK DE HISTÓRIA sobre este documentário



Alguns defensores de Mossoró.






Meu agradecimento especial aos amigos que ajudaram no desenvolvimento desta película 

José Tavares de Araújo Neto (Pombal-PB) 
Junto ao amigo José Cícero (Aurora – CE) 
Aqui com Sousa Neto (Barro – CE) 
Em meio a muitos amigos na Fazenda Aroeira, onde contamos com inestimável colaboração de Romualdo Antônio Carneiro Neto, o segundo da direita para esquerda (Marcelino Vieira-RN).
Com o amigo Rivanildo Alexandrino – Frutuoso Gomes (RN)
Jânio Barra (Felipe Guerra-RN)
Jonathan Halyson (Governador Dix-Sept Rosado-RN)

Extraído do blog Tok de História do historiógrafo e pesquisador do cangaço Rostand Medeiros. Natal-RN.

http://tokdehistoria.com.br/2016/03/23/chapeu-estrelado-vem-ai/

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

A CASTRAÇÃO REAL DO CANGAÇO

 Por Frederico Pernambucano de Mello


O dia 19 de maio de 1936, uma terça-feira, poderia ter sido igual a todos os outros no arruado do Morro Redondo, distrito de Catimbau, do município de Buíque, Pernambuco, com a população - toda ela conhecida entre si, quando não aparentada ou unida pelo compadrio -entregue às fainas monótonas da vaqueirice e do trajo do algodão e da mamona. Pelas duas horas da tarde, quase todos já tinham almoçado, o silêncio é quebrado desde longe por aboios e rinchos de jumento, num crescendo de tropel de cavalos em disparada. Todos atribuem a aproximação rápida a vaqueiros, com seus chapelões de couro, e se tranquilizam, ainda que curiosos por tanto barulho, tão de repente.

Logo os fatos iriam mostrar que estavam enganados, que não se tratava de vaqueiros farreando alegremente e que o lugarejo humilde, arredado do mundo e até mesmo das trilhas do cangaço, estava sendo ocupado por uma das frações mais brutais do bando de Lampião, a que era comandada pelo cunhado do chefe, o não menos famoso cangaceiro Virgínio Fortunato, o Moderno. O grupelho de dez pessoas integrava-se de oito homens, com o chefe, e duas mulheres, todos a cavalo - o que denotava estarem seguros da ausência da polícia—deslocando-se divididos taticamente em três frações separadas entre si por cerca de 500 metros.

No coice, apenas o chefe Virgínio, em companhia das mulheres, inclusive a sua própria, a bela Durvalina Gomes, a Durvinha, a quem a cabroeira tratava por Maria Bonita para disseminar o pavor de que Lampião, em pessoa, estivesse por perto, e mais Rosalina, a Doninha, mulher do cabra Rio Branco, O cangaceiro Moreno, de coragem comprovada, lugar-tenente do chefe, fazia a cabeceira ou vanguarda com mais dois cabras. Todos tinham-se juntado momentaneamente para a atropelada em direção ao Morro Redondo, cientes de que surpresa e pavor eliminam reações. Ali estavam, no cáqui ou na mescla azul dos uniformes vistosos, além de chefe e lugar-tenente, os cangaceiros Chumbinho (o segundo), Jararaca (o segundo), Ponto Fino (o segundo), Serra de Fogo, Canário e Rio Branco, alguns paisanos do lugar arriscando que no mato, à espreita para possível ação de retaguarda, teria ficado o cabra Azulão (o segundo). Um deles conduzia uma harmônica nova.

As missões de rapina, chamadas pelos cangaceiros de volantes, para mexer com os policiais que denominavam assim as suas frações móveis de tropa, não eram incursões aleatórias. Algum planejamento as antecedia, assuntando-se sobre a abertura dos caminhos, locais sujeitos a emboscada, presença de força policial próxima e sobretudo o levantamento dos ricos da terra. Não foi surpresa que entrassem na rua trazendo preso, montado em um cavalo, o capitalista do lugar, Firmino Cavalcanti, mais conhecido como Firmino de Salvador, dominado, com o Irmão, o velho Epifânio, em seu sítio Breu, um centro algo próspero de agricultura e de compra de couros e cereais. Muito ao estilo do bando de Lampião, vinham presos a resgate, cumprindo às famílias, além de levantar o dinheiro, arranjar um positivo de coragem que viajasse até encontrar o grupo e resgatar a vítima. Uma dificuldade, se considerarmos, além de tudo, que esse resgate não era menor que a quarta parte do valor de um automóvel à época, podendo ir, em alguns casos, ao dobro de tal valor. equivalente a dois carros pela vida de fazendeiro próspero foi moeda comum no sertão dos Anos 20 e 30 do século passado. No tempo de Lampião.

Os bandidos, ágeis, saltam dos cavalos e vão ganhando as casas a chicotear a todos pela frente, aqui e acolá brandindo os fuzis sobre os mais apavorados, lançando ameaças, a população nivelada pelas denominações comuns de fi da peste, fi d'uma égua, cão, amancebado, descarado, ditas em altas vozes. O cangaceiro Serra de Fogo impressiona por gritar a cada instante: "Veja logo o dinheiro pr 'eu não ser mais ruim do que eu já sou!" Outra marca negativa vem das mulheres cangaceiras, que não poupam os chicotes no rosto e no lombo dos mais próximos, numa ação de gênero de todo incomum nos sertões.

Durvalina e Virgínio Fortunato da Silva

O chefe Virgínio, faiscando de ouro sobre o traje colorido e imponente, exalta-se por não encontrar em casa o filho do prisioneiro Firmino, a quem incumbiria, no plano traçado, ir a Buíque levantar o dinheiro do resgate. O jovem Pedro de Albuquerque Cavalcanti achava-se no mato, dando campo, no traquejo do gado da família. No bando havia dez anos, desde quando enviuvara de uma irmã de Lampião morta pela bubónica no Juazeiro do padre Cícero, Virgínio desce do burro e entra na casa de Pedrinho Salvador— como era conhecido - advertindo a mulher deste, d. Ester, com palavras graves. Botando os olhos muito vermelhos sobre esta, recomenda que Pedrinho "fôsse ver o dinheiro no Buíque assim que chegasse". E se recosta numa mesa, servindo-se de cerveja quente, cara fechada, importante, parecendo consciente de seu absolutismo.

Chumbinho bota a cara bexigosa na janela, avisando o chefe de que as 
montarias estavam cansadas. Este, numa demonstração de que o absolutismo tinha limite, chama um cabra para cuidar da devolução dos cavalos, mas "com cuidado, que são do coronel Arcelino de Brito". Saindo à ruazinha de lama, Virgínio divulga entre os curiosos um rapaz alto, magro, novo de 22 anos, caboclo quase índio, a quem se dirige com energia:

- Venha cá, cabra! Se corre, morre!

O jovem, que jamais vira um cangaceiro em sua frente, no máximo os jagunços cordatos do coronel Félix de França e do capitão Antônio Leite, aproxima-se sem receio, sendo-lhe indagado se era da terra, ao que responde afirmativamente. Segue-se nova pergunta:

- Você sabe onde fica o Xilili? Quero que você me bote na estrada que vai para lá. E vamos logo, cabra!

Passando a perna no cavalo novo que recebera, apita chamando os companheiros. Para sua surpresa, o jovem —que sabia onde ficava o lugar - levado pela ingenuidade põe-se na frente dos cavalos e responde
que ignorava aquele rumo. O chefe cangaceiro se enfurece, risca o cavalo e grita não entender como alguém dali não conhecesse o lugar procurado, próximo de onde se encontravam, segundo estava informado. Atordoado, o jovem mantém a negativa implausível. E mundo lhe desaba sobre a cabeça, todo o seu futuro vindo a se definir nos poucos minutos que se seguem. E arrastado pelos cabras para trás de uma cerca, derrubado no chão a coice de fuzil e fica à espera do chefe, numa eternidade de segundos. Virgínio apeia calmamente, calça umas luvas amarelas e vai até as mulheres pedindo que procurassem uma sombra porque tinha que fazer "um serviço". Uma destas lhe atira no rosto sem nenhum respeito:

- Que tanto "serviço" é esse, rapaz! Chega de tanto "serviço"!

Sem se alterar, o chefe vai até onde estava o jovem, levanta-o pela abertura da camisa, encara-o, e sentencia com uma dureza de Velho Testamento:

- Eu agora vou fazer um "serviço" em você mode você não deixar descendença de famia em riba do chão. Desça as calças!

O rapaz cobre o rosto e cai, compreendendo finalmente no que se
metera. Saio grito:

- Valha-me Nossa Senhora!

E a resposta incrível:

- Ah, não tem o que fazer. É Nossa Senhora mesmo que está mandando.

O punhal longo corre rápido pela virilha da vítima e estoura o cinturão com movimento de alavanca. Calças arriadas, Virgínio ordena:

- Segure (os testículos) senão eu toro com tudo (com o pênis)!

Embainha o punhal de quatro palmos e dois dedos (seria perdido horas depois e recolhido à delegacia do Buíque) e bate mão de uma peixeira, faca ainda pouco conhecida no sertão à época. Um golpe só e o bandido tem nas mãos bolsa e testículos do jovem. Caminha, ainda lentamente, reingressa no arruado e chega à porta de d. Ester, com as mãos em concha ensanguentadas, e diz, educadamente:

- Dona, eu tinha visto que a senhora estava com feijão no fogo. Quer os colhões de um porco?

E despeja tudo na panela de barro, sem esperar resposta. O feijão espuma. A mulher agradece. Virgínio sai e vai juntar-se aos companheiros.

Risadagem. De cima do cavalo, dirige-se ao jovem caído, a perder muito
sangue, e receita exatamente a assepsia eficaz da vaqueirice:

- Bote sal, cinza e pimenta!

O lugar-tenente Moreno volta da rua, onde se detivera a ameaçar com o mesmo "serviço" ao também jovem Antônio Leite Cavalcanti, o Antônio Grosso, e ao prisioneiro Epifânio que, velho e desiludido de futuro, reage duramente ao bandido, caindo-lhe na admiração. Moreno grita na rua:

- Oh, véio macho! Ninguém me toca mais num fio de cabelo dessa onça... Só assim eu vou sabendo que muié pariu home no Morro Redondo!

Ao juntar-se ao grupo, Moreno já encontra o chefe aos safanões com um paisano acertado para guiá-los até a Serra do Coqueiro, mas que dizia não poder fazê-lo como o chefe queria: "sem incruzá cum rodage, tri' de trem, linha de telegue nem cortá arame". Uma aula de como a geografia do cangaço empurrava cada vez mais seu elemento humano para os grotões arredados de todo progresso...

A custo, aceitam torar os arames de uma solta e se perdem para o norte, num chouto denotador de pouca preocupação com perseguidores.
No dia 25 do mesmo mês, vindo de Rio Branco (atual Arcoverde) na segunda classe do trem da Great Westem, o jovem Manuel Luís Bezerra, o Mané Lulu, filho de Francelina e Luís Bezerra, naturais, como o filho, ali mesmo do Catimbau do Buíque, chegava ao Recife, ficando por um mês no Serviço de Pronto Socorro da Capital, após o que voltaria a pé para a sua residência.

Fonte: Fundação Joaquim Nabuco
Fonte: facebook

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