Por João Costa
Foto do bando de Lampião em 1922. Meia Noite(primeiro em pé à esquerda).
Ao conhecer e
comparar os relatos da história do cangaço que emerge de várias fontes, o
simples leitor tem dificuldade em separar fatos e ficção. E isso é bom, porque
nos dá escolhas para desenvolvermos simpatias por personagens tão controversos.
O relato a
seguir, extraído do livro “Lampião – a Raposa das Caatingas”, de José Bezerra
Lima Irmão é extraordinário.
Após o ataque
a Sousa(PB) sob o comando de Livino, Antônio Ferreira e Chico Pereira, ataque
este que rendera 200 contos de réis em dinheiro vivo, o bando volta para São
José de Princesa, divisa entre Paraíba e Pernambuco, localidade onde Lampião
descansava e se recuperava de ferimento sofrido no pé, sob a proteção do
coiteiro Marcolino Diniz.
Marcolino Diniz em 1930
Um
constrangimento surge no bando: o cangaceiro Antônio Augusto Correia, vulgo Meia
Noite, descobre que havia sido roubado na quantia de nove contos de réis,
enquanto dormia.
Raposa velha e
conhecedor de todas as manhas Meia Noite suspeitou de Livino e Antônio
Ferreira e sentindo-se ludibriado, desencadeou uma tremenda confusão a ponto de
Lampião interferir para acalmá-lo.
Pra serenar os
ânimos, o próprio Virgulino ressarciu Meia Noite com a mesma quantia
que haviam lhe roubado, mas o cangaceiro não ficou satisfeito; seguiu
esbravejando e Lampião subiu o tom da conversa: exigiu que Meia Noite
entregasse suas armas – o cabra estava brabo demais.
Lampião era
tratado por Meia Noite, pelo apelido carinhoso de “Nego Véio”, uma
vez que eram companheiros de armas de longa data. Alucinado com esse argumento
de entregar suas armas, Meia Noite reagiu.
-“Se tiver
homem no meio dessa mundiça, que venha tomar minhas armas! Inclusive você
também, Nego Véio, seu filho de uma égua!”, disparou Meia Noite na
frente de todo o bando.
Os cabras
estremeceram, esperando pelo pior. Virgulino, então, ajeitou o chapelão na
cabeça e falou para Meia Noite pausadamente.
- Meia Noite,
você é meu amigo, mas não pode abusar... Já lhe dei o dinheiro que você disse
que lhe roubaram, não dei? Apois agora eu quero que vá simbora; eu não quero
revoltoso no meu grupo!”, foi a reação de Lampião.
- “Vou simbora
mesmo e nesse mesmo instante”! Concordou Meia Noite que buscou
seus apetrechos, selou um burro e falou pra quem quisesse ouvir.
- “De
hoje em diante não preciso mais dessa bosta! Bando de ladrões safados”, disse o
cangaceiro se despedindo do grupo.
Meia Noite tinha
um grande amor, uma cabocla chamada Zulmira. Deixando o bando para trás, seguiu
para o sítio Tataíra, divisa da Paraíba com município de Triunfo(PE) onde
morava sua amada. O cangaceiro era tão apaixonado pela namorada que, como prova
de amor, ele chamava carinhosamente seu mosquetão de “Zulmira”, o nome da moça.
- Eu tenho
dois amores que me socorrem na precisão Zulmira no aconchego e Zulmira meu
mosquetão, dizia recorrentemente.
Na noite de 17
de agosto de 1924, Meia Noite foi visto por um agricultor entrando na casa onde
Zulmira morava, e este, imediatamente, delatou para a volante que estava
estacionada em Princesa.
Despachada sem
mais demora, a volante de Manoel Virgolino, com 12 homens, chegou no sítio
Tataíra tarde da noite.
O cabecilha
bateu à porta dizendo-se com sede e pedindo água. O próprio Meia Noite,
imitando voz de mulher, respondeu que “aquela não era a hora de abrir a porta
para estranhos”.
O ardil não
funcionou e seguiu-se um tremendo tiroteio.
A casa era de
taipa e Meia Noite, prevenido, havia perfurado as paredes com vários buracos.
De tal maneira que disparava sua arma ora da cozinha, ora do cômodo da frente,
depois do pequeno quarto, dando a impressão que havia vários atiradores,
mantendo a volante à distância.
No tiroteio
cerrado, Meia Noite percebeu a munição escasseando, temendo pela vida da sua
amada Zulmira, abriu negociação com a volante.
- “Vocês aí,
vamos fazer um trato! Eu estou com uma mulher aqui, que não tem nada a ver com
nada. Deixem que ela saia, depois nós continuaremos, se comportem como homens! O
cabecilha da volante até que foi cavalheiro e concordou.
- Pode mandar
a mulher sair!
Assim, com uma
trouxa debaixo do braço, Zulmira deixou a casa e tomou distância. O tiroteio
recomeçou.
Para agravar a
situação de Meia Noite chegaram mais duas volantes, lideradas pelos
tenentes Manoel Benício e Francisco Oliveira. E depois mais outra. Desta feita,
a volante comandada pelo sargento Clementino Quelé.
Sargento Clementino
A força
volante, que no início do cerco era composta por 12 soldados, agora tinha 100
homens, sob toques de cornetas, deixando Meia Noite debaixo de uma
chuva de balas de fuzis.
Ali, acossado
e debaixo de uma chuva de cacos de telhas quebradas, fragmentos de barro e o
fumacê causado pelo tiroteio, Meia Noite conseguiu furar o cerco saindo por um
buraco na parede e rastejando como cobra.
Meia Noite
escapou ao cerco monumental de cem soldados de volante apenas com um leve
ferimento numa perna, nada grave. Mas na fuga, ao pular uma cerca, quebrou o
braço direito, exatamente o de manejar o rifle.
Após essa fuga
espetacular Meia Noite pediu socorro numa casa de um agricultor, que
o atendeu prometendo buscar ajuda para tratar do ferimento no braço. Saiu em
busca de socorro, mas quem voltou foi a volante do subdelegado de Princesa
Isabel, Manoel Lopes Diniz, vulgo “Ronco Grosso”.
Meia Noite ainda
reagiu disparando seu parabélum até a munição acabar. Quando a polícia entrou
na casa, não encontrou ninguém. No dia 23, Meia Noite foi encontrado
morto no Sítio Almas, em Triunfo.
Assim morreu Meia
Noite, um sertanejo natural de Piranhas, que cometera seu primeiro crime
aos 12 anos de idade. Ele havia permanecido no bando de Lampião de 1921 até
1924. Era alto, franzino, negro e também descendente de índio. O capitão
Virgulino Ferreira assim se referia a ele.
- “Meia Noite,
sozinho, valia por dez!”
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Fonte:
“Lampião – a raposa das caatingas”, de José Bezerra Lima Irmão.
Infelizmente perdi a fonte principal.
http://blogdomendesemendes.blogspot.com