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segunda-feira, 21 de março de 2011

A estratégia de Lampião na geografia da caatinga da Aurora


            Abaixo, notável relato do professor e pesquisador José Cícero sobre a façanha realizada por Virgulino Ferreira em terras sul cearenses, mas precisamente em sua Aurora, após cerco e fuga da Fazenda Ipueiras de Zé Cardoso e Izaias Arruda, depois da malograda invasão a Mossoró.
 
Lampião consertando os seus equipamentos
 
              "No dia 7 de julho saíram às pressas da Ipueiras. O ziguezague que a partir dali realizou no território aurorense foi algo só digno de um profundo conhecedor da caatinga aurorense. Após a traição de Ipueiras Lampião seguiu para a serra do Góes já na divisa com Caririaçu indo pelas bandas do Pau Branco atravessando o Salgado na altura do sítio Barro Vermelho, passando pelo Jatobá, Brandão e pernoitando em Vazantes.

               De lá se dirigiu para a serra dos Quintos e no dia 9 para a serra dos Góes, seguindo pelo riacho da boa vista até a ponta da serra pras bandas do Cajuí. Adentrou o município de Milagres transpondo a linha de ferro na localidade de Morro Dourado ainda em Aurora nas proximidades de Ingazeiras. Uma volta que envolveu todo o perímetro do território aurorense. Esta estratégia deixou completamente perdidos os que o caçavam a ferro e fogo. Dali conseguiu penetrar sem ser incomodado o estado da Paraíba pela a serra de Santa Inês. Um fino estrategista. Verdadeiro preá das matas.

Virgulino Lampião, seu mapa estava na cabeça...

                Dera um banho de conhecimento geográfico nas diversas frentes policiais que tentaram cercá-lo no Cariri e alhures, sobretudo nas saídas para Paraíba e Pernambuco. Este tino de rasgar os sertões com exímia perícia era uma coisa admirável no ‘Che Guevara’ dos grotões. Sem dúvidas, o foi notável também neste aspecto. Esta capacidade invejável de vencer os sertões inóspitos do Nordeste ajudara bastante nas incursões que fizera com sucesso durante todos os anos que pontificou com o rei do cangaço. Lugares que até então, nenhum cristão da capital havia posto os pés e nem sequer ouvido falar. Porém, por conta de Lampião, estava lá nos jornais da época, na pauta dos governos, na boca da sociedade elitista, malgrado toda a crítica contra ou a favor do Virgulino, os sertões passaram a fazer parte da agenda da capital. 

               Por tudo isso, o cangaço ajudou de alguma maneira, a denunciar o sofrimento dos sertanejos abandonados pela sorte e pelo poder diante de toda uma dura excludência. Numa época em que o mapa social do Brasil quase sempre não passava do Litoral. Eis aí o maior legado deixado por Lampião."
José Cícero
Pesquisador Aurora
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O Ciclo do Cangaço não é só Violência

Por: Aderbal Nogueira


 
Severo, Aderbal Nigueira e Wilton Dedê

            Em viagem recente com o amigo Severo ao Rio Grande do Norte, comentei com o colega Honório sobre um modesto trabalho que estou escrevendo, falando de depoimentos que me foram prestados por algumas pessoas ligadas ao cangaço e que para mim tem um enorme significado, pois faz parte do mais puro sentimento que as pessoas carregam consigo mesmas, mesmo sem perceberem. Tratam de coisas simples, sem importância para a longa e dura história do cangaço, mas que com certeza deixou marcas em quem as viveu, pois apesar de tudo não as esqueceram, mesmo tanto tempo depois. Vou narrar algumas para que os amigos que têm uma sensibilidade maior possam entender porque isso me marcou tanto.
 
 
 
Severo e Honório
 
 
Bando de cangaceiros de Sila e Zé Sereno

           Em uma viagem com Sila, na época em que estava fazendo o vídeo sobre a sua vida, em uma determinada estrada no sertão pernambucano, numa época de seca terrível, isso no lusco-fusco do fim de tarde, naquele horário em que o sol está se pondo e cai uma tristeza terrível com a noite que vai chegando no sertao, vinha eu dirigindo e ao olhar para o lado, Sila estava chorando. Perguntei o que ela tinha e ela não respondeu. Tornei a perguntar, aí ela disse: "- Aderbal, essa hora da tarde é a hora mais triste de minha vida, pois quando eu tava no mato acompanhanda de Zé Sereno eu só pensava quando é que eu ia ver minha família de novo, se ainda ia tornar a vê-los, pensava quando era que eu ia comer feijão, arroz e tudo o mais que eu tinha antes, e pensava também se eu ia estar viva no dia seguinte." Vejam o que se passava na cabeça daquela menina de 13 anos. Coisas simplórias, comer arroz, comer feijão; somente quem viveu aquilo pode saber o significado daqueles desejos.

 
 Aderbal Nogueira em Noite do Cariri Cangaço

             De outra feita vi o valor que um simples chapéu tinha para o homem nordestino. Ao gravar com o Tenente Pompeu Aristides de Moura, aquele que foi um dos responsáveis pela morte de Virgínio, cunhado de Lampião, ele me narrou o fato que em um tiroteio ele levou um açoite de bala que atirou longe o seu chapéu. 

 
 Virgínio é o número 2
 
           Ele olhou para mim com uma cara de espanto e disse: "- Nessa hora do tiroteio fugiu todos os companheiros, mas como era que eu ia fugir e ainda deixar o meu chapéu? O que é que os cangaceiros iam dizer de mim? Fugiu e ainda deixou o chapéu? Não, eu não podia deixar meu chapéu, pois eu pulei e o agarrei." Ou seja, fugiu, mas fugiu com honra levando o seu chapéu.
 
  
Paulo Gastão, Severo, Lemuel e Aderbal
 
           Em outra oportunidade eu e o amigo Paulo Gastão estávamos a entrevistar o Senhor Francisco Rodrigues, um dos defensores de Piranhas no famigerado ataque de Gato àquela cidade para resgatar Inacinha.
 
 
Inacinha e Gato
 
           Quando Seu Chiquinho Rodrigues, ao narrar-nos o grande tiroteio, de repente para e diz: "- Olhe, foi a primeira vez que eu vi um homem sem chapéu, um rico senhor da cidade passou por mim sem chapéu, correndo para a margem do Rio São Francisco." Mais uma prova da importância do chapéu para o homem sertanejo daquela época, pois Seu Chiquinho ter parado o relato de um forte tiroteio para falar de um fato tão inusitado é porque aquilo o marcou muito.

Cânion do Rio São Francisco entre os Estados de Alagoas e Bahia.
 
Rio São Francisco

            Pois é, esse trabalho vai contar, entre outras coisas, de relatos como esses e muitos outros mais. Vai ser um trabalho sem a mínima pretensão, a começar que não vai ter fontes bibliográficas, pois todo ele será feito em cima de depoimentos gravados por mim ao longo de algum tempo. Espero também, quem sabe, colocar um dia todos eles em dvd's para que todos possam ver e ouvir os fatos narrados pelos próprios. Talvez não interesse a muita gente esse tipo de relato, mas se ao menos um companheiro gostar, já estarei satisfeito.
 

Abraços a todos que fazem parte do Cariri Cangaço.O cangaço não é só violência.

Aderbal Nogueira

cariricangaco.blogspot.com